Autor: Marcos Sawaya Jank, presidente da União da Indústria da Cana-de-açúcar (UNICA) /
A crise financeira global de 2008 passou de raspão pela economia brasileira e pode até ter sido apenas uma “marolinha” para certos setores. Já os que vinham se expandindo com pesados investimentos foram drasticamente afetados pelo forte enxugamento de liquidez daquele ano. Ali nasceu o problema que vive hoje o etanol brasileiro.
Entre 2000 e 2008 a produção de cana cresceu 10,3% ao ano, dobrando em apenas oito anos o que o Brasil levou quase 500 anos para produzir. De 2008 em diante um terço do setor enfrentou imensas dificuldades financeiras, que resultaram num intenso processo de consolidação financeira e societária. Com os investimentos concentrando-se na compra de empresas em dificuldades, e não na construção de novas usinas, o crescimento do setor caiu para 3% ao ano. Hoje temos um menor número de empresas, com melhor estrutura de capital e governança, porém a produção de cana-de-açúcar praticamente se estagnou.
Portanto, o grande desafio do momento é crescer de forma regular e sustentável, fugindo da volatilidade e do eterno stop and go que marcam a história recente do setor. Neste ponto surge a grande questão: quais são as políticas mais adequadas para garantir o crescimento harmônico de uma indústria sui generis, que gera uma fabulosa gama de produtos renováveis: alimentos, biocombustíveis, bioeletricidade e bioplásticos?
Esta é a dimensão do desafio que temos pela frente: entender que uma maior regulação parece ser necessária na componente energética da indústria, mas que o intervencionismo excessivo pode levar a um engessamento, inibindo investimentos essenciais para o seu crescimento.
O primeiro grande equívoco neste momento é acreditar que o problema reside no preço do açúcar. É verdade que nos dois últimos anos foi mais lucrativo usar o caldo da cana para produzir açúcar. Porém a “flexibilidade” das usinas para optar pelo açúcar se restringe a apenas 6% da produção de cana.
Na última safra foram quase 5 milhões de toneladas de açúcar adicionais, que dariam para fazer 3 bilhões de litros de etanol, mas com importante perda de lucratividade para as empresas. Ocorre que só a quebra de safra pela estiagem em 2010 causou a perda do equivalente a 5 bilhões de litros de etanol. E a desaceleração do crescimento do setor depois da crise de 2008 foi equivalente a uma redução de produção de cana que poderia gerar outros 11 bilhões de litros de etanol este ano, quase metade do consumo do País do ano inteiro. O verdadeiro problema, portanto, não está na substituição do etanol pelo açúcar, mas sim na falta de investimentos em produção de cana-de-açúcar para produzir ambos.
O diagnóstico equivocado, que atribui os atuais problemas ao aumento da produção de açúcar, levou a ameaças de políticas públicas de caráter punitivo, que gerariam insegurança, afastariam investimentos e frustrariam o crescimento da indústria. Medidas como a taxação das exportações de açúcar, a restrição das exportações de etanol ou a redução da mistura de etanol na gasolina aquém do limite legal de 20%, cogitadas nos últimos dias, produziriam o contrário do que o momento exige.
Analisemos, aqui, apenas as consequências da taxação das exportações de açúcar. O Brasil responde por cerca de 20% da produção e mais de 50% das exportações mundiais de açúcar. O produto ocupa o quinto lugar na pauta brasileira e no ano passado respondeu por exportações de US$ 13 bilhões. Pela relevância do Brasil no mercado internacional, taxar as exportações de açúcar causaria um aumento imediato do preço do produto, gerando pressão inflacionária e insegurança alimentar no Brasil e no mundo.
Certamente perderíamos market-share e credibilidade em nossas posições históricas nas negociações para derrubar distorções no comércio agrícola mundial. Além disso, a medida poria em risco o resultado obtido no contencioso do açúcar contra a União Europeia, a qual contaria com novos elementos para retomar suas vendas de açúcar subsidiado.
Nossa reputação internacional como supridor de alimentos estaria desmoralizada, uma vez que estaríamos reconhecendo nossa dificuldade em atender simultaneamente aos mercados de alimentos e energia.
Acontece que hoje o setor tem dificuldade de investir em plantas dedicadas a etanol pela grande incerteza quanto à evolução do preço da gasolina, administrado pela Petrobrás e mantido no mesmo patamar desde 2005. Com o aumento dos custos da produção de cana, as margens reduziram-se e o investidor teme a falta de regras claras que permitam a convivência e a competição entre dois mercados com estruturas distintas – o de etanol, pulverizado e competitivo, e o da gasolina, um quase monopólio. Taxar as exportações de açúcar ou restringir as de etanol são medidas que aumentariam o nível de incerteza e afugentariam novos investimentos.
Acreditamos haver alternativas mais saudáveis para regular o setor, resgatando a competitividade do etanol hidratado e, com isso, permitindo a entrada de novos investimentos. Se não houver mudança no preço da gasolina, uma solução seria a harmonização dos impostos federais e estaduais com alíquota reduzida para o etanol, o incentivo à bioeletricidade, a melhoria da infraestrutura, a pactuação de compromissos com a oferta de biocombustível e garantia de abastecimento, o aumento da produtividade, a redução dos custos e maior eficiência dos motores flex.
Nesse contexto, é plenamente factível imaginar a construção de dezenas de novas unidades exclusivamente dedicadas à produção de etanol e bioeletricidade e voltadas para suprir a crescente demanda por energia limpa e renovável, atendendo aos mercados interno e externo. Essa é a agenda positiva que estamos buscando com toda a nossa vontade e o nosso entusiasmo.
Fonte: O Estado de São Paulo, 13 de abril de 2011, pág. A2