Depois de registrarem alta generalizada no atacado em agosto, os preços das carnes poderão ficar mais salgados para o consumidor brasileiro nos próximos dois meses. Puxadas pela combinação entre oferta mais restrita e demanda externa aquecida, as carnes bovina, de frango e suína apresentam tendência altista neste segundo semestre, de acordo com analistas ouvidos pelo Valor. Esse cenário, aliado à queda dos preços dos grãos usados na ração animal, significa margens polpudas para os produtores e para a indústria.
Segundo levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), vinculado à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), a cotação da carne suína (carcaça comum) no atacado da Grande São Paulo subiu cerca de 20% em agosto. Também em alta, o frango inteiro resfriado registrou valorização superior a 15%, enquanto a carne bovina (carcaça) subiu 5%. Parte desse movimento ascendente começou a chegar ao consumidor na segunda metade do mês passado.
“Não tem para onde correr”, afirmou César Castro Alves, analista da consultoria MB Agro, em referência ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), índice oficial de inflação calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com isso, interrompe-se a tendência de retração que vinha contribuindo para a desaceleração da inflação no país.
No IPCA de agosto, divulgado na sexta-feira, o item carnes já apareceu novamente com alta, de 0,43%, ainda que entre a metade de julho e a primeira quinzena de agosto tenha havido queda de 0,33%. Nesse item, cujo peso no IPCA foi de 2,6% no mês passado, estão incluídas as carnes bovina e suína. Já no item “aves e ovos”, que inclui a carne de frango e teve peso de 1,1% no IPCA de agosto, ainda apontou uma queda de 0,97%. Nos primeiros oito meses do ano, as carnes registraram valorização média nacional acumulada de 8,79% e aves e ovos subiram 1,36%.
Na avaliação de Amaryllis Romano, economista da Tendências Consultoria, a alta dos preços ao consumidor deverá ocorrer, mas não tão facilmente. “Está um pouco difícil chegar ao consumidor, porque a renda dele está sentido bastante”, disse. Segundo ela, a inflação no Brasil deu certo alívio nos últimos meses, mas “comeu” a renda do brasileiro em boa parte do ano. Diante disso, a alta das carnes pode acontecer em um intervalo de tempo mais dilatado, ponderou.
No caso específico da carne bovina, há outro obstáculo, diz Castro Alves, da MB Agro. A questão é que a cotação do produto já está próxima do recorde – o dianteiro bovino tem oscilado em torno de R$ 7 por quilo no atacado. “Não acho que o consumidor vai ficar aceitando esse nível de preço sistematicamente, mas está rondando perto do recorde”, afirmou ele. Mesmo com essa ponderação, considera Alves, o consumidor até agora vem aceitando os preços.
A dificuldade, porém, é ultrapassar os níveis atuais, ainda que as condições de oferta e demanda de carne bovina apontem para isso. Na quarta-feira, o indicador Esalq/BM&FBovespa para o boi gordo no Estado de São Paulo chegou a R$ 129,16 a arroba, maior valor nominal desde 1994, quando a série histórica teve início. De modo geral, o preço do boi gordo vem subindo em 2014 graças à oferta mais restrita desde o início do ano, prejudicada pela severa estiagem que atingiu a região Sudeste justamente no período de safra das pastagens – e, agora, com a entressafra. O bom momento para as exportações brasileiras, que respondem por cerca de 20% da produção nacional de carne bovina, também estimula as cotações do boi gordo.
Para as carnes de frango e suína, o cenário é francamente positivo para produtores e frigoríficos. Com o preço agora em alta no atacado e a forte queda dos grãos usados na ração animal, as margens dos dois segmentos são “excepcionais”, disse o analista da MB Agro.
No caso do suíno, cujo preço é impulsionado pela restrição da oferta global causada pelo surto de diarreia suína epidêmica (PED) que atingiu EUA, Canadá e México, a margem bruta dos criadores integrados chega a 50%. “Nos melhores momentos, chegava a 20%. O nível normal é de 10% e 15%”. Entre os criadores integrados do frango, Alves estima que a margem esteja em 20%, ante o nível histórico de 10%.
José Carlos Godoy, secretário-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Pintos de Corte (Apinco), observa que o segmento de aves vive um cenário curioso. Enquanto os preços do frango resfriado têm registrado altas expressivas nos últimos dias, os da ave viva estão relativamente estáveis.
Citando dados da Jox Assessoria Agropecuária, ele informou que o quilo da ave viva em São Paulo estava em R$ 2,50 na quinta-feira – estável desde o início da segunda quinzena de agosto. Já o frango resfriado no atacado paulista avançou 13% em apenas três dias, para um valor médio de R$ 3,50 o quilo na quarta-feira. Na comparação com um mês antes, a alta é de cerca de 22%.
De acordo com Godoy, “o mercado é comprador” para o frango, já que o produto é mais barato que outras carnes. O que poderia explicar o ritmo mais lento no caso do mercado de ave vivas, segundo Godoy, é o cenário de custos de produção mais baixos. “O produtor está um pouco mais acomodado”, comentou ele.
Godoy considera que os preços do frango deverão continuar em ascensão nos dois próximos meses, mas só vê possibilidade de contribuírem para a alta da inflação “mais para o fim do ano” se o esperado avanço das exportações do produto à Rússia se concretizar. No mês passado, o país habilitou vários estabelecimentos do Brasil para exportação, depois de embargar a importação de carne de frango dos EUA e da UE, numa retaliação a sanções sofridas por conta do conflito na Ucrânia.
Na avaliação de Castro Alves, da MB Agro, o atual cenário francamente favorável para o frango poderá elevar a produção em 2015. Com margens elevadas, afirmou ele, a expectativa é que a indústria nacional aumente a produção, o que colocaria o preço da carne em trajetória descendente. Isso, claro, se não houver alterações nas perspectivas para os preços de grãos da ração animal.
No acumulado do ano até julho, a produção de pintos de corte teve leve queda de 0,33%, para 3,573 bilhões de cabeças, conforme informações da Apinco. Considerando-se apenas o mês de julho, houve incremento de 2% em relação a igual período de 2013, para 542,8 milhões de aves.
Fonte: Valor Econômico