Setor agrícola reclama do excesso de tributos e pede simplificação

A situação da carga tributária no Brasil causa arrepios aos contribuintes. Considerada por especialistas – e leigos – muito severa, a quantidade de tributos, entre impostos e contribuições, assusta. Na economia nacional, o impacto é profundo, com as companhias apresentando muita dificuldade de empregar e manter suas atividades. Não há setor econômico que fuja desse fardo. Contudo, há áreas que são essenciais para a população, como a agricultura, cujo excesso de tributação reflete nos preços dos alimentos e, assim, nas despensas das casas brasileiras.

Segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o agronegócio em 2011 correspondeu a 22,74% no Produto Interno Bruto (PIB) nacional, com aumento de 0,96% em relação ao ano anterior, totalizando R$ 942 bilhões.

Apesar desse crescimento, o setor alimentício nacional registra aumento consecutivo dos preços, o que se reflete na capacidade de consumo. Em São Paulo, o valor da cesta básica teve alta de 6,43% em março deste ano se comparado com mesmo período de 2011, de acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Enquanto as exportações recebem incentivos fiscais para poder ajustar a balança comercial, o setor interno de produção de alimentos para a população é onerado pelo excesso de tributos.

Para o presidente da Sociedade Nacional da Agricultura (SNA), Antonio Alvarenga, o primeiro passo para solucionar a questão é simplificar a cobrança de impostos para facilitar a compreensão sobre o que se paga.

“Existe uma quantidade de tributos que não se sabe nem o significado. Uma das coisas mais complicadas é saber o quanto se está pagando de tributo em cada produto. Cada empresa produtora tem o seu respectivo tributo”, afirmou Alvarenga. “Além disso, cada estado tem o seu tributo. Seria melhor se essa tributação fosse mais transparente e com menos impostos.”

Segundo ele, a reivindicação do setor agrícola é a redução da tributação como um todo. Ele avalia que a cobrança aumenta anualmente e que cerca de 40% do preço das mercadorias são apenas de tributos. Alvarenga acrescentou que os insumos custam muito e a venda dos produtos é tributada.

“É um absurdo, em um país onde as pessoas passam fome, o alimento ser tributado”, ponderou.

Ele defende que alguns produtos essenciais, como o leite e a carne, deveriam ter isenção tributária, por conta da importância que têm dentro da cesta básica. Alvarenga atenta que, como sempre, o maior impacto fica para os pobres.

“Tem muita gente passando fome, mas não consegue comprar alimentos, porque no preço há um grande valor do imposto”, disse. “[Essa tributação] prejudica, principalmente, os pobres, que gastam mais percentagem do salário em alimentação”.

Impostos e contribuições

O advogado tributarista David Nigri discursa no mesmo tom do presidente da SNA. Ele conta que, no caso de empresas, a questão dos encargos é extremamente complexa, devido à quantidade exorbitante de impostos e contribuições que incidem nos mais diferentes setores de funcionamento da companhia – inclusive no faturamento. Ainda, o advogado lembra que muitas cobranças são feitas sob o título de contribuição, que não precisa de lei complementar para ser implementada e cuja arrecadação tem destino fixado.

“Todos conhecem o imposto de renda, que incide sobre o lucro de uma Pessoa Jurídica. Mas existe a Contribuição sobre o Lucro Líquido (CLL), que é nada mais do que a duplicata do imposto de renda, que incide sobre o lucro, mas leva o nome de contribuição”, disparou Nigri. “Se um estrangeiro chega aqui, tem dificuldade de entender uma nova incidência sobre o mesmo fator.”

Além disso, Nigri aponta que existem muitas outras contribuições que atuam em praticamente todas as frentes de uma empresa, desde a folha salarial ao faturamento:

“Tem outras contribuições, como o PIS/Cofins, que incide sobre o faturamento. Isso quer dizer que mesmo uma empresa que tenha prejuízo terá de pagar tributos. E sempre com a desculpa de que o dinheiro vai para a saúde, previdência etc.”, ironizou, acrescentado que a situação se torna mais caótica quando se somam as cobranças estaduais e municipais.

Para Nigri, no caso da agricultura, uma diminuição fiscal possibilitaria a compra de maquinário e insumos a preços menores, barateando a produção e repassando isso ao preço final dos alimentos. Ele concorda que alguns produtos da cesta básica necessitam de isenção tributária. Por outro lado, ele afirmou que o agronegócio voltado para exportações tem grande incentivos fiscais.

“É preciso lembrar que o consumidor de baixa renda, com o que ganha de salário, não consegue sobreviver. Até por isso tiveram que reduzir os impostos sobre geladeiras”, disse, fazendo alusão à prorrogação da taxa do IPI para a linha branca. “Agora, quem exporta tem incentivo. A tributação é praticamente zerada. É claro que isso depende do produto em questão, mas, em geral, a maioria deles é quase zero”.

IPI e paliativos

Gancho comum para discursos políticos e tema recorrente na época de eleições, a reforma tributária é debatidas há muitos anos, mas os brasileiros percebem cada vez mais o impacto dos impostos em suas vidas sem avistar uma solução aparente.

Na segunda-feira (26), o Ministério da Fazenda decidiu prorrogar até junho a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a linha branca. A justificativa é incentivar o setor, manter empregos e aumentar o consumo.

Para Nigri, essa medida tem caráter paliativo e, na prática, a carga tributária continuará “um monstro”. Contudo, observa que uma reforma envolve questões jurídicas muito complexas, e atenta que seria necessário um grande esforço para conseguir modificar a estrutura do sistema.

O economista José Roberto Afonso, doutor na Universidade de Campinas (Unicamp) e especialista em finanças públicas, também pensa que a política de desoneração do governo é incipiente.

“O atual governo prefere concessões pontuais, que, desconfio, tem pouco efeito para estimular a produção nacional – acaba funcionando mais no consumo, porém, de pouco adianta famílias comprarem mais, se acabamos importando cada vez mais, sem gerar empregos e renda no País. O ideal seria termos uma reforma geral, sem escolher setores ou empresas para beneficiar”, afirmou.

Afonso aproveitou para contextualizar que a carga de impostos no país nunca foi tão alta em nossa história, e é muito maior do que a dos países dos BRICS (Rússia, Índia e China).

“Creio que a maior crítica [à carga tributária] é a sua qualidade, péssima. Ela é regressiva, tributa proporcionalmente mais aos mais pobres que aos ricos, e anticompetitiva, ao onerar investimentos produtivos e exportações, na contramão do resto do mundo. Agora, não há como baixar a carga sem rever o tamanho e o padrão de gastos. (Luciano Pádua e Carolina Mazzi)

Fonte: Jornal do Brasil, 28/03/12

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