Após a declaração de inconstitucionalidade da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas, por ocasião de julgamento no Supremo Tribunal Federal, a FPA, CNA e outros órgãos de apoio e estudo do setor agrícola criticaram formalmente a gravidade do precedente criado. Em notas oficiais e entrevistas coletivas, reiteraram que a nova jurisprudência deve aprofundar a insegurança jurídica no campo, num ano em que o número de invasões e conflitos já vinha crescendo.
Em resposta, parlamentares da FPA se articularam e, numa demonstração de força e união, aprovaram, na CCJ do Senado, o Projeto de Lei 2.903/2023. A Casa, então, em caráter de urgência, respaldou a confirmação em plenário, sem nenhuma alteração do texto que já havia passado pela Câmara em maio. Assim, resta somente a sanção presidencial, sendo que, em caso de veto parcial ou total, o Congresso voltará a examinar a matéria.
A nova lei não se limita a consagrar a tese do marco temporal, estabelecendo também critérios para exploração comercial de reservas, prevendo a participação dos indígenas na tomada das decisões e seu direito a parte das receitas geradas por atividades praticadas em suas terras, bem como critérios de preservação que possibilitem às tribos a própria subsistência. Também fixa as bases para indenizações a quem comprove a posse de boa fé de áreas que se tornem objeto de demarcação.
Muitos se surpreenderam com a decisão do Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, de pautar a votação do projeto, já que ele costuma evitar maiores enfrentamentos com o STF. Alguns avaliam que ele se viu pressionado a dar uma resposta aos colegas, diante da grande repercussão do julgamento.
O episódio escancarou, mais uma vez, as pressões sofridas pelos produtores rurais. Além de continuar alimentando milhões de pessoas, precisam respeitar legislações anacrônicas e restritivas, enquanto concorrentes no exterior contam com vantagens concedidas por seus respectivos governos. A SNA já abordou, em matérias e entrevistas, o volume de falácias e falsos consensos que cercam a atividade agropecuária no País.
O desequilíbrio entre os Poderes também chegou ao limite, com o Judiciário suspendendo ou anulando atos do Executivo e do Legislativo. O que deveria ser um salutar controle de constitucionalidade, presente em ordenamentos jurídicos respeitados e democracias prósperas, por aqui tornou-se um atalho para quem deseja “virar a mesa” com ares de legitimidade.
No tocante aos imperativos ambientais, o agricultor ainda é enxergado como um vilão caricato que desmata e polui, quando, na verdade, os produtores responsáveis e zelosos, de todos os portes, exercem importante papel na preservação de fauna, flora e recursos hídricos, muitas vezes regenerando áreas que a natureza, por si só, não conseguiria reabilitar.
São polos complementares, e não antagônicos, como boa parte das pessoas é levada a acreditar. Mesmo dispondo de porção minúscula do território para trabalhar, são protagonistas da balança comercial e geram renda e emprego para toda uma cadeia de produção, armazenagem, transporte e afins. Muitas famílias se beneficiam disso, direta e indiretamente. Trata-se de um tecido social fortalecido há gerações, determinante inclusive na construção da identidade cultural brasileira.
Esses aspectos devem ser levados em consideração nas próximas semanas e meses. Há quem aposte numa solução negociada, em que o Congresso aceitaria certos vetos da presidência em troca da manutenção do conceito do marco temporal. Seria necessário diálogo dos líderes com ministros do Supremo, para que a tese não volte a ser objeto de contestações.
A SNA seguirá acompanhando os próximos desdobramentos dessa importante pauta, de sumo interesse e repercussão para a agropecuária brasileira e pacificação dos ânimos, de parte a parte.
Marcelo Sá, Jornalista/Editor