O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria hoje (21) contra o marco temporal para demarcação de terras indígenas. Seis ministros se posicionaram contra a tese, mas ainda há divergências nos pontos sobre indenizações a proprietários de terra que ocuparam as áreas de boa-fé.
O que aconteceu
Os ministros Luiz Fux e Carmen Lúcia seguiram a ala contrária ao marco temporal, já composta pelo relator, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, que votou ontem. Para eles, a proteção dos direitos indígenas sobre as terras independe de um marco temporal.
“As áreas ocupadas pelos indígenas e aquelas áreas que guardam ainda uma vinculação com a ancestralidade, ainda que não estejam demarcadas, elas têm proteção constitucional”, disse Luiz Fux, ministro do STF.
Apenas Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados por Jair Bolsonaro (PL), se manifestaram favoráveis à tese. A discussão do tema é criticada pelo ex-presidente.
O marco temporal é uma tese jurídica que estabelece que povos indígenas só podem reivindicar as terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, em outubro de 1988. Para os povos originários, a norma valida invasões e usurpações de seus territórios. Já ruralistas a defendem como um mecanismo de segurança jurídica.
Indenizações ainda são debatidas
Apesar da maioria, os ministros divergem sobre as indenizações que podem ser pagas a proprietários que ocuparam terras indígenas de boa-fé, ou seja, sem histórico de esbulho (usurpação) ou conflito.
Fachin propôs que a indenização deve ser paga somente pelas benfeitorias no terreno. Carmen acompanhou o colega neste ponto, mas disse estar aberta a discutir outros modelos.
Moraes, por sua vez, sugeriu que a indenização também deve alcançar a terra nua e deve ser paga previamente ao processo de demarcação.
O voto de Moraes foi visto com preocupação por lideranças indígenas, que temem atraso nas demarcações se o pagamento da indenização for critério prévio ao processo.
A AGU (Advocacia-Geral da União) também demonstrou temor e afirmou que os pagamentos poderiam levar a um “gasto incalculável”, como mostrou o UOL.
Cristiano Zanin, por sua vez, deu um voto semelhante ao de Moraes, defendendo, porém, que a indenização não deve ser vinculada à demarcação e que o pagamento não caberá somente à União, mas também aos estados e municípios que tenham promovido a titulação indevida. Toffoli acompanhou o colega.
Indicados por Bolsonaro votam a favor de marco
Para Nunes Marques, o marco temporal é a solução que “concilia” os interesses dos indígenas e dos proprietários de terras. Mendonça afirmou que a tese é um critério objetivo que “imuniza” riscos de conflitos e garante segurança jurídica.
Posses posteriores à promulgação da Constituição Federal não podem ser consideradas tradicionais, porque isso implicaria o direito de expandi-las ilimitadamente para novas áreas já definitivamente incorporadas ao mercado imobiliário nacional. – Nunes Marques
Não se trata de negar as atrocidades cometidas, mas antes compreender que o olhar do passado deve ter a perspectiva, a possibilidade de uma reconstrução do presente e do futuro. – André Mendonça
Na contramão do STF, Senado discute PL pró-marco
Na contramão do entendimento da maioria da Corte, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado começou a discutir um projeto de lei que fixa o marco temporal como critério para demarcação de terras indígenas.
Ontem (20), a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) pediu vista (mais tempo de análise) e os governistas assinaram coletivamente o pedido. Com isso o texto será apreciado na próxima quarta-feira (27).
O secretário dos Povos Indígenas, Eloy Terena, afirmou ao UOL que vê a possibilidade da proposta do Congresso cair, mesmo se aprovado.
É uma questão que mesmo que o Congresso aprove esse projeto, ele vai, querendo ou não, ser judicializado e decidido no âmbito do STF. – Eloy Terena, Secretário dos Povos Indígenas
Decisão do STF terá repercussão geral
A decisão do Supremo sobre marco temporal servirá para solucionar disputas judiciais em todas as instâncias do país. Há 226 processos parados aguardando a solução da Corte.
O caso específico envolve uma disputa entre o governo de Santa Catarina e indígenas do povo xokleng, que reivindicam um território na região central do Estado.
Em janeiro de 2009, cerca de cem deles ocuparam uma área onde hoje está a reserva biológica do Sassafrás, uma área de proteção ambiental. O governo pediu a reintegração de posse, e obteve em primeira instância, mas a Funai recorreu, e o caso chegou ao Supremo em 2016.