Num momento em que se disseminam os benefícios de uma alimentação saudável, com maior consumo de frutas, verduras e legumes, especialistas alertam para os riscos dessa opção. Isso porque, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. De 2002 a 2012, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190%. O setor movimentou US$ 10,5 bilhões, em 2013, ano de ouro para a agropecuária brasileira, que teve supersafra e preços de commodities em alta.
A fiscalização, porém, não caminha na mesma velocidade. A análise dos alimentos que vão à mesa do consumidor ainda é restrita. No último relatório apresentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 2012, foram analisadas 3.293 amostras de apenas 13 alimentos (apenas 5% em relação a EUA e Europa). Desses, o resultado de apenas sete foram publicados até agora. Nos EUA, a Food and Drug Administration (FDA), e na Europa, a European Food Safety Authority (EFSA), analisam cerca de 300 tipos de alimentos por ano, inclusive os industrializados. No Brasil, produtos como carnes, leite, ovos e industrializados não são nem sequer pesquisados, apesar de especialistas alertarem que eles também podem estar contaminados por agrotóxico.
Hoje no Brasil, cerca de 434 ingredientes ativos e 2.400 formulações de agrotóxicos estão registrados nos ministérios da Saúde, da Agricultura (Mapa) e do Meio Ambiente e são permitidos no Brasil. Dos 50 mais utilizados nas lavouras do país, 22 são proibidos na União Europeia (UE). Mato Grosso é o maior consumidor, com quase 20%, segundo dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). O contrabando, sobretudo via Paraguai e Uruguai, de produtos de origem chinesa, sem qualquer controle dos aditivos, representam outro problema. O uso ilegal de agrotóxicos para outros fins também preocupa. O DTT, que é proibido em todo o mundo, foi encontrado no ano passado na Amazônia, usado segundo o Ibama, por empresas para acelerar a devastação de algumas áreas, o que contamina o solo e o lençol freático.
Os custos para saúde de quem aplica e de quem ingere agrotóxicos é grande e pouco conhecido. Segundo Fernando Carneiro, da Universidade Brasília (UnB), a cada US$ 1 gasto em agrotóxico, há um custo de US$ 1,28 em atendimento ao intoxicado.
-A intoxicação aguda afeta o trabalhador rural e o da fábrica. A crônica atinge o consumidor, que fica mais exposto a doenças como câncer e alterações metabólicas. Ainda há agrotóxicos no Brasil que são proibidos no exterior, até na China. As empresas conseguiram esses registros há anos e ele é eterno. Por isso, a proibição vira uma batalha judicial – afirma Carneiro. – O Mapa e secretarias de agricultura têm dinheiro para monitorar e vigiar gado por causa da exportação. Quando se fala em agrotóxicos, não há estrutura, nem fiscais.
Sem fiscalização
Para Karen Friedrich, do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, da Fiocruz, a fiscalização de carne que chega aos lares brasileiros deveria ser iniciada o quanto antes:
– Estimamos que essa contaminação ocorre também em outros alimentos, mesmo industrializados, como molho de tomate e suco em caixa.
Karen diz que é preciso que os municípios e estados atuem onde ocorre a contaminação, que haja rastreabilidade, o que até agora é restrito a poucos estados como Paraná:
– Falta investimento para ampliar a análise, embora a Anvisa faça milagre com o que dispõe.
Para os trabalhadores rurais, o cenário de fiscalização também é de restrições. Cerca de um quarto das fazendas recenseadas no país, ou seja, 1.376.217 declaravam usar agrotóxicos no último censo agropecuário, de 2006. Porém, os números devem ser bem maiores. Segundo a Secretaria de Agricultura do Estado do Rio, no ano passado, foram autuadas 420 das 680 propriedades rurais fluminenses por irregularidades envolvendo agrotóxicos, inclusive a falta de proteção a trabalhadores.
Joel Naegele, vice-presidente da Sociedade Nacional de Agricultura, critica a fiscalização do poder público no Brasil:
– Num país onde o clima favorece parasitas e pragas danosas, não há fiscalização. Há 60 anos acompanho a agricultura e é tudo muito mal feito, papo-furado, ilusões. Se dependermos da ação do governo, estamos num mato sem cachorro.
Eloisa Dutra Caldas, professora de Toxicologia da UnB, diz que o problema no Brasil está no fato de haver resíduos de agrotóxicos em produtos para os quais seu uso não está autorizado:
– Cerca de 50% das mais de 14 mil amostras analisadas por Anvisa e Mapa até 2010 continham resíduos de pesticidas. Este percentual não é muito diferente do encontrado no resto do mundo.
Henrique Mazotini, presidente da Associação dos Distribuidores de Insumos Agropecuários (Andav), no entanto, diz que a legislação é extensa sobre a comercialização de agrotóxicos, mas reconhece que há desvios.
– Aqui falta gente e infraestrutura. Além disso, o Brasil sucateou sua extensão rural e falta orientação técnica aos produtores.
Frequentadores da feira livre da Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, se mostram preocupados com a qualidade dos alimentos que levam para casa. O aposentado José Barbosa gostaria de saber quais agrotóxicos incidem sobre os alimentos:
– Deveria haver mais informações sobre a produção. Principalmente no caso do morango, que é uma fruta mais sensível, com uma casquinha fina, que absorve muita coisa.
A indústria de defensivos rebate o argumento de que há risco para a saúde dos consumidores. O agrônomo Guilherme Guimarães, da Associação Nacional de Defesa Vegetal, diz que a segurança alimentar do consumidor é testada pelos órgãos que liberam os produtos. Quanto ao fato de que o Brasil ainda tem agrotóxicos que já foram banidos no exterior, ele diz que isso se deve ao clima e a adversidades que não ocorrem nos países de climas temperados.
O Ibama diz que aplicou R$ 14,5 milhões em multa em 2013, um aumento frente aos anos anteriores. A maior parte na apreensão de produtos ilegais importados. A Anvisa confirmou que, em 2013, apenas 13 alimentos foram monitorados, mas destacou que a tendência é de expansão do número de culturas.
Fonte: O Globo