Para administrar financeiramente uma usina sucroenergética é preciso atentar para diversas nuances em uma variedade de mercados: açúcar, etanol – por consequência, gasolina e petróleo –, insumos, maquinários, energia e coprodutos. É preciso, ainda, ficar de olho em economia verde, possibilidades de maior aproveitamento da matéria-prima, potencial do biogás, biofertilizantes… A lista é interminável. E o uso de novas tecnologias, especialmente inteligência artificial, também está no radar dos gestores.
Para colocar tudo em prática, é necessário crédito. A emissão de debêntures, por exemplo, tem se tornado cada vez maior no setor. Alguns anúncios recentes envolvem captações da Uisa, no valor de R$ 363,77 milhões – que também realizou a emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) verdes no valor de R$ 150 milhões –; da Usina Lins, de R$ 150 milhões; e da Ipiranga, de até R$ 600 milhões. Esta última, aliás, também recebeu benefício fiscal para implantar e explorar uma central geradora termelétrica (UTE).
As captações de recursos, em geral, são para renovação dos canaviais, melhorias agroindustriais e criação de novos projetos. São sinais de que o setor está se movimentando para evoluir suas plantas e renovar as frentes de negócio.
Entre as iniciativas recentes estão, por exemplo, um projeto de modernização industrial de uma usina do grupo Olho D’Água, que recebeu benefício fiscal. Já a Cocal obteve incentivo para investir em uma segunda planta de biometano. A Raízen, por sua vez, deve direcionar a maior parte dos seus investimentos para a construção de plantas de etanol de segunda geração (E2G).
Para falar sobre alguns dos desafios inerentes às usinas, o CFO da BP Bunge, Marcus Miranda Schlösser já está confirmado entre os palestrantes da Conferência NovaCana 2023. O evento acontece em São Paulo (SP), nos dias 4 e 5 de setembro.
Ele será um dos participantes do painel “Novos caminhos para as usinas” ao lado do CFO do Grupo Maringá, Eduardo Lambiasi; do diretor financeiro da Jalles, Rodrigo Penna; e do diretor financeiro da Tereos, Thiago Gasparotto.
A programação completa da Conferência NovaCana 2023 já está disponível. Clique aqui para se inscrever.
Schlösser conversou com o NovaCana sobre alguns dos assuntos que devem marcar o painel, como metas de sustentabilidade, captação de recursos, mercado de capitais, atualização de governança, ESG, novas tecnologias, entre outros tópicos.
Qual é a visão da BP Bunge em relação à captação de recursos? A empresa tem preferência por papéis como debêntures, CRAs ou Fiagros, por exemplo?
Acreditamos que setores cíclicos, como commodities, exigem uma gestão robusta de risco. Estrutura de capital, portanto, é um componente estratégico, possibilitando otimizar custo no carregamento de produtos acabados, realizar melhor aproveitamento das curvas de preço ao longo da safra, investir na indústria, canaviais e inovações. De forma racional e contínua, analisamos alternativas, incluindo debêntures, CRA, Fiagro, linhas de fomento e mercado com Sustainability Linked Loans (SLL).
Financiamentos com bancos como o BNDES também são analisados pela empresa?
Sim, especialmente quando consideramos atividades de plantio na palha de cana, reuso da vinhaça na fertirrigação e outros projetos. Também são interessantes os recursos do Programa ABC+ (Plantio, Proirriga e PCA), obtidos por meio de uma instituição repassadora.
Quais são as iniciativas da BP Bunge para melhorar a relação com investidores e ampliar a captação de recursos?
Percebemos que, cada vez mais, o setor está sendo visto como essencial para a transição energética no Brasil e no mundo. Então, mostrar isso de maneira consistente tem nos ampliado muito os limites disponíveis para captação de recursos. Nós participamos da elaboração do documento recém-lançado pela plataforma Agro Sustentável do Pacto Global da ONU, que elenca e detalha as vias de financiamento verde. Além disso, no dia a dia, fornecemos informações relevantes de negócio a fim de prover segurança e indicar bom gerenciamento dos resultados da companhia para todos os nossos shareholders.
Em relação ao RenovaBio, os rendimentos inerentes ao programa têm sido satisfatórios para gerar novos investimentos pelo setor sucroenergético?
O RenovaBio tem começado a cumprir a sua função de incentivar o investimento em capacidade produtiva, a fim de satisfazer uma necessidade crescente de transição da matriz energética veicular dos combustíveis fósseis para renováveis. Para que isso continue, será chave que tenhamos estabilidade e previsibilidade no programa, conforme o governo tem sinalizado recentemente. Hoje, já representa uma fonte de receita material para incentivo de iniciativas verdes.
A companhia investe em melhorias para incrementar a nota no programa?
A BP Bunge direciona esforços para garantir a redução contínua da sua pegada de carbono na produção de etanol e o consequente aumento da oferta de CBios para o mercado. Os projetos visam as melhores práticas agrícolas, o uso de fertilizantes biológicos e verdes, a redução do consumo de diesel no campo e tecnologias que podem vir a substituir o uso de diesel nas operações.
A BP Bunge divulgou que está ampliando a utilização de bioinsumos e de matéria orgânica, com vias de eliminar o uso de fertilizante mineral até 2025. Como está o andamento deste projeto?
Desde nossa fundação, trabalhamos para sermos referência em agricultura regenerativa no setor sucroenergético nacional. Assim, desenvolvemos soluções sustentáveis de gestão do campo, com foco em qualidade e produtividade dos canaviais, contribuindo com a melhora da saúde do solo e o aumento da biodiversidade. Hoje, dos 450 mil hectares sob gestão da BP Bunge, 86% já contam com a utilização de vinhaça, capaz de expandir a longevidade, aumentar a produtividade dos canaviais e evitar o uso de água na irrigação. A projeção é expandir, até 2025, essa aplicação para 96% das lavouras. Com essas medidas, a companhia já conseguiu, na safra 2022/23, substituir o uso de fertilizantes nitrogenados em 100% da área de plantio utilizando biológicos e de 40% nas áreas de soqueira. Essas medidas além de alternativas mais sustentáveis geraram ganhos relevantes de produtividade, redução de custo e menos exposição perante produtos importados
Quais têm sido os resultados em termos práticos? Você pode falar um pouco sobre a economia prevista?
No plantio, temos registrado um ganho por volta de 7 toneladas de açúcar por hectare com o uso do Nitrospirillum acumulado em dois cortes. Com relação ao Azospirrillum, notamos um crescimento próximo de 5% a 10% de produtividade. No sentido de redução de custo de nitrogênio, chegamos a um custo zero no plantio e uma redução de 40% quando falamos em soqueira. O uso sustentável da cana-de-açúcar, principalmente a partir de seus subprodutos, favorece uma agricultura cada vez mais limpa e regenerativa e nossa estratégia é ampliar essas práticas em larga escala. E isso não por razões econômicas, mas porque os insumos biológicos são uma alternativa mais sustentável aos defensivos agrícolas de origem química e mineral.
Saindo um pouco do campo, quais medidas a empresa toma para melhorar a governança?
Acreditamos que a boa governança contribui para o alcance do valor de longo prazo e para os desempenhos econômico e socioambiental, criando legitimidade. Dessa forma, prezamos por transparência; qualidade do corpo diretivo; engajamento de stakeholders; comportamento ético e íntegro nos negócios; conformidade legal e de marcos regulatórios; e monitoramento de riscos e oportunidades. O principal órgão da estrutura de governança é o conselho de administração, que conta com a participação de membros indicados pelos acionistas e os comitês temáticos da empresa. Além de ser signatária do Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção, do Instituto Ethos, desde 2021, a BP Bunge adota boas práticas de governança, tais como: código de conduta aplicado a todos os colaboradores, parceiros comerciais e de negócios; treinamentos relacionados a conflito de interesses, anticorrupção e antissuborno, concorrência e antitruste; e canal de ética disponível 24 horas por dia, no qual os registros são recebidos por uma empresa externa, de maneira independente e imparcial.
Em relação a práticas ESG, quais são as principais ações da BP Bunge para que o conceito seja colocado em prática?
Contamos com uma agenda para o período de 2020 a 2030, que chamamos de “Nossos Compromissos 2030”. São quatro pilares de atuação mutuamente conectados – princípios de governança, pessoas, planeta e prosperidade – e elencamos 12 temas prioritários e 15 metas, alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, para que possamos gerar valor social, ambiental e econômico. Os temas são integrados aos planos de negócios. Um ponto de destaque nesse sentido é que somos referência em agricultura regenerativa no setor sucroenergético brasileiro. Desde nossa fundação, desenvolvemos soluções sustentáveis de gestão do campo, com foco em qualidade e produtividade dos canaviais, contribuindo assim com a melhora da saúde do solo e o aumento da biodiversidade. Na safra 2022/23, por exemplo, conseguimos substituir o uso de fertilizantes minerais nitrogenados em 100% da área de plantio utilizando biológicos.
O investimento em novas tecnologias é uma prioridade para a BP Bunge? Quais são as principais frentes?
Além de todas as inovações operacionais, como práticas de agricultura regenerativa, consideramos a transformação digital como condição para nossa evolução. Ampliamos o uso de tecnologia de ponta na gestão agroindustrial em diversas frentes, como no caso da nossa central automatizada de informações que monitora e gerencia ininterruptamente os processos de plantio, colheita, transbordo e transporte e aplicação de vinhaça localizada e realiza monitoramento de incêndios nas 11 unidades agroindustriais.
A companhia atua com parcerias?
Sim. Também investimos em parcerias estratégias nessa jornada. Por meio de uma parceria com a Tim, estamos levando conexão 4G para todas as nossas unidades, com cobertura total de 3 milhões de hectares espalhados pelos cinco estados possibilitando a digitalização dos processos produtivos e beneficiando inúmeras comunidades que hoje não tem acesso. Firmamos ainda uma cooperação tecnológica com hubs de inovação especializados em agronegócios e fizemos uma parceria com a IBM, para implementar uma solução orientada por inteligência artificial que viabiliza o acesso e a análise de dados climáticos para apoiar as estimativas de produtividade.
Quais são as prioridades na estratégia de investimentos da empresa?
A BP Bunge analisa todas as tecnologias que podem contribuir para a descarbonização da nossa produção e gerem novos combustíveis a partir dos resíduos das nossas operações. São tecnologias em diferentes níveis de maturidade e avaliamos os próximos avanços. Todos os produtos possuem dinâmicas distintas de mercado e, por isso, investimos em uma robusta metodologia proprietária e estratégia de análise interna de mercado.
Falando sobre transição energética, eletrificação e matriz limpa: qual é a sua visão quanto ao papel das usinas neste cenário? Como o etanol pode ser um agente dessa transição?
Seja como fornecedores de 8% da energia elétrica consumida no país, ou 18% de toda a matriz energética (incluindo combustíveis líquidos) brasileira, como destaca a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), as usinas têm um papel crucial na transição energética nacional. Na BP Bunge, temos a capacidade de produzir, a partir da cana-de-açúcar, 1,7 bilhão de litros de etanol, o equivalente a abastecer 35 milhões de veículos leves, cerca de 57% da frota brasileira dessa categoria. O etanol, como substituto puro para a gasolina, ou combinado com veículos híbridos e, no futuro, com as células de combustíveis, é uma fonte de energia tão ou mais limpa que veículos elétricos a bateria. Consideramos o etanol de extrema relevância para compor o futuro da mobilidade de baixo carbono, especialmente, em grandes mercados como o Brasil e a Índia, além do potencial de ser uma solução global para substituição do combustível de querosene para aviação.