Por Equipe SNA
De acordo com o relatório anual da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), divulgado durante a 39ª Conferência da entidade, no fim de junho, a produção de alimentos triplicou nos últimos 50 anos, impulsionada pelo aumento de produtividade por área. Primordiais para garantir este desenvolvimento, os gastos globais em pesquisa e desenvolvimento agrícola aumentaram de US$ 26,1 bilhões em 2000 para US$ 31,7 bilhões em 2008.
Segundo o presidente da Academia Nacional de Agricultura e embaixador especial da FAO para o cooperativismo mundial, Roberto Rodrigues, os investimentos em P&D devem contribuir também para reduzir o desperdício de alimentos. “Para resolvermos isso, várias medidas devem ser tomadas, a começar pela própria produção. Algumas máquinas e colheitadeiras mais antigas desperdiçam entre 4 e 5% da produção. Então, precisamos de mais investimentos em máquinas e transporte adequado. Os armazéns malfeitos promovem até 10% de perdas, resultado de tecnologias atrasadas, pragas e outros fatores. Só aí já temos três áreas de dispersão”, enumera o ex-ministro da Agricultura.
O relatório aponta ainda que a oferta global de alimentos passou de 2.200 quilocalorias diárias, em 1960, para mais de 2.800 quilocalorias diárias em 2009. Mesmo com o aumento da oferta per capita, a subnutrição atingiu 12,5% da população mundial entre 2010 e 2012.
Para Rodrigues, a questão só será solucionada com a criação de grupos de países com interesses alinhados e políticas direcionadas para a área. “O que nós precisamos ter é uma política global voltada para a garantia da segurança alimentar e políticas públicas através de países elencados para o mesmo fim, que sigam a mesma direção. Minha tese é que um grupo de países produtores poderia desencadear um processo mais evidente de aumento de produção e, portanto, garantir a segurança alimentar com preços mais condizentes com a renda local.”
A FAO prevê que o mercado de alimentos, principalmente cereais, seja mais equilibrado em 2013/14 e, com a estimativa de safra recorde, a expectativa é que os preços sejam reduzidos e o consumo ampliado. Também foi verificado o aumento de emissões de gases que contribuem com o efeito estufa – registrado em 1,6% ao ano entre 2000 e 2010 – com origem em atividades agrícolas e pecuárias.
Segundo o ex-ministro, no entanto, graças ao desenvolvimento brasileiro em tecnologia sustentável, a eficiência na produção com baixa emissão de gases foi ampliada. “A tecnologia agrícola brasileira, que aumentou a safra por hectare, preservou 67 milhões de hectares, e esse resultado tão importante não é visto em qualquer outro país do mundo.”
Leia a seguir a entrevista com Roberto Rodrigues:
SNA: Na sua opinião, quais são os pontos mais importantes divulgados pelo relatório?
Roberto Rodrigues: O relatório basicamente ratifica tendências anteriores de que haverá um equilíbrio na relação oferta e demanda de alimentos no mundo, o que significa uma redução nos preços das principais commodities agrícolas em dólares. A meu ver, este é o tema mais importante, mas já conhecido do mercado, que vinha sinalizando esse equilíbrio.
Por outro lado, a FAO também especula em torno do fato que, embora se aponte para um equilíbrio entre oferta e demanda, a desnutrição continua no mesmo patamar por conta da distribuição de renda nas populações mais pobres do mundo. Cresce a oferta de alimentos, regulando os estoques, o que permite uma redução nos preços, mas isso não resolve a questão da segurança alimentar global, prejudicada pela má distribuição de renda.
Segundo o relatório, mesmo com a oferta mundial passando de 2.200 quilocalorias por dia, em 1960, para mais de 2.800 quilocalorias diárias em 2009, a subnutrição atingiu 12,5% da população entre 2010 e 2012. Que mudanças são necessárias para fazer com que esse aumento de oferta atue na redução desses índices?
O que nós precisamos ter é uma política global voltada para a garantia da segurança alimentar e políticas públicas através de países elencados para o mesmo fim, que sigam a mesma direção.
A discussão em torno da Rodada de Doha, que já existe há 12 anos, com o objetivo de abrir o comércio agrícola, não avançou por causa de os países ricos manterem seus níveis de protecionismo. Então, precisamos encontrar um caminho para que o comércio agrícola mundial se destrave.
A gente tem proposto insistentemente a criação de um grupo de discussão no bojo da Rodada de Doha, porque, com ela, surgirão países, como os G4, G7, G20, G73, entre outros, cujos interesses em relação ao comércio agrícola estão mais ou menos alinhados. Digo mais ou menos porque em grupos como o G20, liderado pelo Brasil, os interesses são relativamente alinhados, pois ainda não existe um consenso em torno de questões mais específicas.
Não existe nenhum grupo de países com características comuns, como terras disponíveis para aumentar a produção, tecnologias sustentáveis para que a produção aumente por área e produtores competentes e preparados para isso. Evidentemente que isso passa por políticas públicas dos governos. Então, minha tese é que um GT de países produtores poderia desencadear um processo mais evidente de aumento de produção e, portanto, garantir a segurança alimentar com preços mais condizentes com a renda local.
Para isso, precisamos trabalhar a questão da estocagem, para que, por exemplo, uma seca não afete a oferta de grãos. Nesse caso, uma alternativa seria esse grupo de países produtores criarem um fundo para investimento em estocagem e que esses alimentos só pudessem ser utilizados pelos países integrantes, coordenados pela FAO, por exemplo. Portanto, com cerca de 15 países poderíamos reduzir esses índices de desnutrição e garantir a paz universal.
Um dos problemas que agravam os índices de desnutrição é o desperdício de alimentos, questão observada pelo relatório da FAO. Como é possível mudar isso?
Realmente o desperdício contribui muito para essa questão e é um tema muito delicado. O desperdício é quase cultural em países em desenvolvimento, onde há muitas perdas. Para resolvermos isso, várias medidas devem ser tomadas, a começar pela própria produção. Algumas máquinas e colheitadeiras mais antigas desperdiçam entre 4 e 5% da produção. A primeira medida, portanto, seria termos mais investimentos em máquinas e transporte adequado, bem vedado. Os armazéns malfeitos promovem até 10% de perdas, resultado de tecnologias atrasadas, pragas e outros fatores. Só aí já temos três áreas de dispersão. Temos ainda a industrialização e as embalagens que também contribuem para os desperdícios. Precisamos diminuir essas perdas e trabalhar com os produtos excedentes por um preço mais barato, o que já vem acontecendo em diversas regiões e estados do país.
Segundo a FAO, os gastos globais em pesquisa e desenvolvimento agrícola aumentaram continuamente de US$ 26,1 bilhões em 2000 para US$ 31,7 bilhões em 2008. O senhor considera significativo esse crescimento?
Significativo foi, mas não suficiente. Essa é uma questão muito importante, o setor de investimento para a área de alimentos refugados é um tema da maior importância, e falta realmente uma pesquisa científica que leve a uma utilização mais adequada. Também faltam pesquisas para desenvolver novas formas de embalagens e transporte da produção. O problema é que aí batemos na questão da logística e da estrutura para o transporte dos alimentos. Existem frigoríficos e navios com vedação necessária para transportar frios com o menor desperdício. Mas, para isso, precisamos de investimentos com um custo razoável, e não temos uma política pública que financie esses investimentos e promova o crescimento no caso dos frios do Brasil, por exemplo.
Essa taxa de crescimento deve se manter ou o senhor prevê saltos na área de P&D para os próximos anos?
Vai depender muito da demanda mundial. Estamos saindo de uma crise econômica muito grande, então países como os Estados Unidos continuam em crise, mas o fato de essa crise durar já cinco anos fez com que houvesse uma redução na demanda por produtos sofisticados da área de industrializados. Se houver um aumento de demanda certamente teremos um maior investimento em pesquisas científicas. Mas eu não vejo um aumento significativo de recursos em um curto prazo, salvo se houver um aumento de demanda, que varia de acordo com o aumento da população em países emergentes e outros fatores.
Um dos pontos que chamaram a atenção foram os índices gerados por atividades agrícolas e pecuárias pelo uso de fertilizantes sintéticos para o aumento de emissões de gases que contribuem com o efeito estufa (1,6% ao ano entre 2000 e 2010). O senhor acha que o aumento da adesão de produtores brasileiros a programas como o ABC pode contornar esses dados?
Isso tudo depende novamente de investimentos em políticas públicas e desenvolvimento de tecnologias adequadas. O Brasil já vem dando demonstração inequívoca de que é um país com agricultura sustentável e muito pouco emissora de gases de efeito estufa. Basta vermos os números da área de grãos plantada no país.
Nos últimos vinte anos, a área plantada em grãos cresceu 41% e a produção de grãos cresceu 208%, o que é formidável. Nós temos hoje no Brasil 53 milhões de hectares plantados com grãos, se tivéssemos hoje a mesma produtividade por hectare que tínhamos vinte anos atrás seriam necessários mais 67 milhões de hectares para colhermos a safra que tivemos esse ano. Em outras palavras, a tecnologia agrícola brasileira que aumentou a safra por hectare, preservou 67 milhões de hectares, e esse resultado tão importante não é visto em qualquer outro país do mundo. Se nós considerarmos que a área plantada no Brasil com todas as culturas é de 72 milhões de hectares, preservando uma área de 67 milhões de hectares, temos uma ideia da importância da tecnologia de produção sustentável que o Brasil desenvolveu.
O programa ABC é formidável, reforça esses números que falei e coloca o Brasil na vanguarda mundial da agricultura sustentável e, portanto, preservador de recursos naturais. Outros programas importantes são os de agroenergia e de florestas plantadas. O Brasil tem hoje 7 milhões de florestas plantadas com programas de controle de desmatamento.
Que potencial temos hoje para aumentar o desenvolvimento e a produtividade?
Se compararmos o nível de produtividade brasileira com outros países, veremos que estamos muito bem colocados na produção de soja, algodão, café, cana-de-açúcar, carnes, entre outros produtos. O que existe é um potencial importante de pesquisas nos produtos em que estamos abaixo da produção mundial, como milho, arroz e feijão. Isso significa que existe um espaço muito grande para crescermos na produção e pesquisas voltadas para esses produtos. Reforço que precisamos de políticas públicas voltadas para essa margem que ainda não é bem explorada. Políticas como as que comentei anteriormente. Há necessidade de uma estratégia global para o aumento da produção que passa por grupos, como comentei anteriormente, mas há principalmente a necessidade de uma estratégia interna que seja definida com instrumentos concentrados ou sob a liderança do Ministério da Agricultura e coordenadas por ele.