Para pesquisador, os maiores riscos não estão no clima e sim na logística rural

Evaristo de Miranda, da Embrapa
Evaristo de Miranda, da Embrapa, fala da necessidade de fortalecer uma infraestrutura rural que beneficie todas as classes de produtores

 

Segundo o pesquisador da Embrapa Evaristo Eduardo de Miranda, as incertezas climáticas atuais e futuras apontam a necessidade de se adaptar simultaneamente à agricultura e à sociedade. Em sua opinião, o Brasil não dispõe de uma previsão agrometeorológica adequada para as principais cadeias produtivas, o que dificulta o planejamento das atividades produtivas. Nessa entrevista exclusiva ao site da SNA, o cientista fala sobre a necessidade de fortalecer a infraestrutura rural, como a ampliação da irrigação, da eletrificação, da mecanização rural, da armazenagem nas fazendas, da logística e do seguro rural “pois isso beneficia todos os produtores, independentemente de seu tamanho, nível de capitalização, sistema produtivos”.

Evaristo de Miranda é agrônomo, tem mestrado e doutorado em ecologia pela Universidade de Montpellier (França), com centenas de trabalhos publicados, e é autor de 35 livros. Seu último livro “A agricultura no Brasil do Século XXI” é um retrato extremamente completo e atual agricultura nacional. É pesquisador, desde 1980, da Embrapa, onde implantou e dirigiu três centros nacionais de pesquisa.

Um dos grandes desafios do agro brasileiro, até 2030, é a responsabilidade de produzir 40% dos alimentos para os, então, 9 bilhões de habitantes do Planeta. Até que ponto a questão climática pode ser uma ameaça a este desafio?

As incertezas climáticas sempre foram um desafio para os agricultores. Mesmo assim, a agricultura tem aumentado a produção e a produtividade graças à incorporação de novas tecnologias desenvolvidas pela pesquisa agropecuária. Quanto mais o agricultor é inovador e empreendedor, quanto mais ele é capaz de incorporar tecnologias adequadas e intensificar seus sistemas de produção (irrigação, mecanização, controle de ervas daninhas, conservação de solos e água, variedades adequadas etc.), menos ele será afetado pelas flutuações climáticas presentes e futuras.

Existem estudos sobre previsões de perdas nas lavouras devido às intempéries climáticas?

Todos sabem o que uma geada, um episodio de granizo ou um período de seca em plena floração de um cereal ou de uma leguminosa podem causar de perdas para uma lavoura. A variabilidade do clima de um ano para o outro é a regra, principalmente na zona intertropical. E no que pese esses eventos a produção agrícola do Brasil e mesmo mundial, não para de aumentar, melhorando a qualidade dos produtos, graças ao uso de novas tecnologias. Contudo é fundamental que se amplia a densidade da rede de monitoramento da agricultura, com estações meteorológicas voltadas para atender a produção agrícola. O Brasil não dispõe de uma previsão agrometeorológica adequada para as principais cadeias produtivas. Isso dificulta o planejamento das atividades produtivas. Além disso, outro complemento fundamental é um sistema de seguro rural que, frente a eventos climáticos desfavoráveis, garanta a renda o agricultor e não apenas uma cobertura de perdas. E que seja mais barato.

Mesmo que o Brasil sendo considerado o país detentor da mais moderna e melhor tecnologia agrícola tropical, quais os riscos que Brasil corre?

Os riscos vêm da inexistência de um esforço nacional de irrigação. O Brasil deveria ampliar, e muito, a irrigação, em todo o país. Necessitamos levar energia elétrica de qualidade para as propriedades rurais. Isso viabiliza uma serie de procedimentos, como a instalação da cadeia do frio, que ajudam face ao clima. É fundamental ampliar a armazenagem na propriedade, tanto de grãos como de forragens, principalmente no semiárido nordestino. Os maiores riscos não estão no clima e sim da dificuldade de ampliar e melhorar a logística rural e o acesso às tecnologias que permitem conviver com esses fenômenos naturais.

Quais seriam suas recomendações?

Em primeiro lugar fortalecer a infraestrutura rural, pois isso beneficia todos os produtores, independentemente de seu tamanho, nível de capitalização, sistema produtivos etc. Como já disse, ampliar a irrigação, a eletrificação rural, a mecanização, a armazenagem na propriedade, a logística e o sistema de seguro rural. Quanto às tecnologias de produção, não existe tecnologia ideal. O dever da pesquisa é fornecer sempre inovações para os produtores superarem suas dificuldades agora, neste momento e não no futuro do futuro apenas. Não existe tecnologia que funcione sempre e em qualquer condição, salvo talvez a irrigação. Um plantio de café com sombreamento produzirá melhor em anos secos e menos nos chuvosos, do que cafezais em pleno sol. O mesmo vale para variedades de ciclo longo e curto, para o adensamento ou espaçamentos de plantas etc. O seu uso dependerá sempre de cada agricultor. E os produtores se comportam como investidores.

E qual o risco para o agricultor ao adotar determinada tecnologia para enfrentar as incertezas climáticas presentes e futuras?

Uma coisa são as incertezas climáticas, outra é o risco assumido por agropecuaristas ao decidirem investimentos e mudanças tecnológicas. Eles se comportam como qualquer investidor, como já disse. Alguns por temperamento e condição assumirão riscos maiores, buscarão mais produtividade e adotarão certas tecnologias. Os mais conservadores, em circunstâncias análogas, adotarão outras tecnologias, perderão em produtividade, mas reduzirão os riscos e os impactos das variações climáticas. Alternativas tecnológicas já existem para aumentar a sustentabilidade da produção frente às variações climáticas. Reitero: a ampliação da irrigação, da eletrificação, da mecanização rural, da armazenagem nas fazendas, da logística e do seguro rural seria um enorme avanço frente às incertezas climáticas. Com isso, nossa agricultura, marcadamente de baixo carbono, ajudaria ainda mais a “salvar o planeta” e alimentar a humanidade.

Como a pesquisa agropecuária vem se preparando para oferecer soluções tecnológicas para o problema?

É do empreendedorismo dos agricultores, das inovações de instituições de pesquisa agropecuária, como a Embrapa, e do dinamismo dos países emergentes, como China, Índia, Indonésia e Brasil, que virão as grandes soluções. A adaptação da agricultura tropical frente às incertezas climáticas sempre existiu. Agora, ações mais coordenadas são possíveis. Ainda faltam financiamentos específicos à pesquisa agropecuária. Mesmo assim, novos saltos tecnológicos estão a caminho, graças a ações e pesquisas inovadoras, como as previstas no planejamento da Embrapa para o horizonte de 2033 em melhoramento genético, mudanças climáticas e gestão territorial, por exemplo. As incertezas climáticas atuais e futuras apontam a necessidade de se adaptar simultaneamente a agricultura e a sociedade. O empreendedorismo dos produtores, da pesquisa agropecuária e as políticas agrícolas e ambientais inovadoras em países emergentes são a melhor garantia face às incertezas climáticas e contra o aquecimento verbal. Enquanto alguns querem mudar o clima e salvar o planeta em 50 anos, os agricultores desejam salvar sua roça anual de hortaliças, milho, feijão e outras “trivialidades”.

 

Por Equipe SNA/SP

 

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