Neem: planta ainda pouco conhecida no Brasil pode proteger o rebanho

Além de natural, os produtos derivados dele apresentam propriedades medicinais, biocontroladoras, ação antisséptica, cicatrizante e imunoestimulantes
Além de natural, os produtos derivados do neem (ou nim) apresentam propriedades medicinais, biocontroladoras, ação antisséptica, cicatrizante e imunoestimulantes. Foto: Divulgação

Com os custos dos insumos elevados e em meio a uma crise econômica que também vem afetando o campo, produtores rurais têm buscado novas tecnologias, que tragam ganhos na produtividade e mais eficiência na hora de gerir os próprios gastos, além de prevenir doenças nos animais. Uma das alternativas da pecuária, por exemplo, tem sido uma planta ainda pouco conhecida no Brasil, mas não em outros países: o neem ou nim.

Há vários séculos, ingleses descobriram que a planta tinha ação repelente, mas somente nos anos 50 é que foram desenvolvidas pesquisas científicas em laboratório, quando constataram também sua ação inseticida. A partir daí, os experimentos comprovaram que o neem é a principal espécie vegetal com ação inseticida 100% natural, que auxilia no controle de insetos indesejáveis, sem agredir a saúde humana, os animais e o meio ambiente. Além de natural, os produtos derivados desta planta apresentam propriedades medicinais, biocontroladoras, ação antisséptica, cicatrizante e imunoestimulantes.

Empresário da DalNeem Brasil, companhia que produz fertilizante orgânico à base desta planta, Carlos Motta aponta que as principais vantagens de sua utilização na pecuária, em comparação a outraas plantas inseticidas, “são a atividade sistêmica, eficiência em baixas concentrações, baixa toxicidade a mamíferos e menor probabilidade de desenvolvimento de resistência pela ocorrência de um complexo de princípios ativos”.

Os efeitos desta planta são tão interessantes que o Conselho Nacional de Pesquisas (National Research Council) de Washington (EUA) chama o neem de “a árvore para resolver os problemas globais”. Já representantes da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) dizem que ela é “uma das maiores dádivas para a humanidade”.

 

CARACTERÍSTICAS

Azadirachta indica, mais conhecida como neem (ou nim), é uma árvore do Sudeste da Ásia e do subcontinente indiano, de clima tropical e que pode ser cultivada em regiões quentes e solos bem drenados. É resistente à seca, tem crescimento rápido, copa densa e pode alcançar até 20 metros de altura.

É capaz de suportar condições extremas de calor e poluição da água, além de melhorar a fertilidade do solo e reabilitar pastagens degradadas. Além disto, a planta exerce um papel importante no controle da erosão do solo, na salinização e prevenção contra os efeitos de inundações.

Hoje, existem grandes plantações na Alemanha, Chile, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Estados Unidos, Guatemala, Nicarágua e República Dominicana. No Brasil, a planta foi introduzida por Belmiro Pereira das Neves, em 1993, durante sua luta contra o uso de agrotóxicos. Para ele, o neem pode ser usado não só na produção de pesticidas, mas também na agricultura familiar, já que a árvore produz sombra e fruta.

Neves também destaca que ela vem sendo empregada em áreas que sofreram processo de desertificação e em projetos de reflorestamento, em substituição ao pinus e ao eucalipto, cujos frutos atraem os animais.

 

“O extrato de neem leva insetos, que atacam as lavouras, à morte por causa de sua ação repelente, além de reduzir o consumo de alimentos, retardando o desenvolvimento e impedindo a deposição de ovos pelos insetos adultos", relata Carlos Motta, da empresa DalNeem. Foto: Divulgação
“O extrato de neem leva insetos, que atacam as lavouras, à morte por causa de sua ação repelente, além de reduzir o consumo de alimentos, retardando o desenvolvimento e impedindo a deposição de ovos pelos insetos adultos”, relata Carlos Motta, da empresa DalNeem Brasil. Foto: Divulgação

AÇÃO REPELENTE

“O extrato de neem leva insetos, que atacam as lavouras, à morte por causa de sua ação repelente, além de reduzir o consumo de alimentos, retardando o desenvolvimento e impedindo a deposição de ovos pelos insetos adultos. Desta forma, os produtos derivados dele, como a Torta de Neem, vêm sendo amplamente utilizados no combate às pragas que infestam animais, como carrapatos, moscas-do-berne, pulgas, piolhos e mosquitos em geral”, explica.

De acordo com a DalNeem Brasil, além de o produto já ser usado em vários países para o desenvolvimento de cosméticos e medicamentos, existe também uma gama bem variada de itens voltados para a pecuária, tais como pomadas cicatrizantes, aplicações para combater ecto e endoparasitos, entre outros.

 

TORTA DE NEEM

A Torta de Neem, por exemplo, vem sendo aplicada em bovinos, caprinos e alguns animais de pequeno porte, para o controle fitossanitário de ectoparasitas como carrapatos, bernes e mosca do chifre. Também há informações de vários pecuaristas que, por meio do sal misturado a uma pequena quantidade de Torta, usam esta preparação na dieta do rebanho para controle de carrapatos e moscas do chifre, observando a inexistência de riscos ao animal e ao homem que faz a aplicação.

Para ampliar o emprego desta planta na pecuária, as empresas envolvidas com a produção do neem vêm lutando para que a legislação brasileira flexibilize os registros de produtos fitossanitários e homeopáticos com indicação veterinária. A intenção é que o produtor brasileiro possa competir no mercado orgânico e no controle eficaz de pragas com o restante dos agricultores do mundo inteiro, que usam o mesmo produto.

Segundo a DalNeem Brasil, diversas organizações internacionais – como a GTZ, da Alemanha – têm promovido a pesquisa, a cultura e a difusão do neem como forma de reduzir a utilização de inseticidas sintéticos na agricultura, principalmente nos países de Terceiro Mundo. Isto porque, nas nações mais desenvolvidas, os agricultores contam com mecanismos eficientes que coíbem o uso de produtos venenosos.

No caso do gado leiteiro, a utilização de produtos químicos significa perda de produtividade, pois ao aplicar os medicamentos tradicionais, o leite destes animais fica um tempo inutilizável, dentro do chamado “tempo de carência”. Com o uso do neem, isto não é necessário, por se tratar de um remédio fitoterápico. Outro ponto a considerar é que o emprego de produtos químicos é caro e trabalhoso, pois para driblar a resistência da praga, muitas vezes, é necessário alternar diferentes formulações.

Em um levantamento nacional, o Ministério da Agricultura estimou em 1 bilhão de dólares anuais os prejuízos causados pelo carrapato bovino no País, sendo 40% deste total relativo à diminuição da produção leiteira. Constatou-se também a presença do carrapato durante os 12 meses do ano, em 66% dos 2.048 municípios investigados.

 

PERDAS NA PECUÁRIA

De acordo com um levantamento do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), no período de um ano, o Brasil gastou 13,8 milhões de dólares na compra de carrapaticidas, representando 15% do total gasto com defensivos agropecuários. Na Argentina, as perdas econômicas por causa do carrapato bovino superam os 100 milhões de dólares anuais. No México, as perdas anuais giram em torno de 30 quilos de carne por animal, além de uma redução na produção de leite, em um valor estimado de 303,75 milhões de pesos mexicanos.

Pós-doutora em Química Orgânica e professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Maria Fátima das Graças Fernandes aponta que cerca de 400 espécies de insetos foram relatadas em pesquisas como sensíveis a algum tipo de ação do neem.  “Além deste tipo de ação, o neem tem efeitos sobre outros organismos, como nematoides, fungos, vírus e protozoários”, relata Maria. Ela ainda explica que o produto, que atua como bioinseticida, se revela praticamente inócuo ao ambiente e ao homem, biodegradável e com baixa persistência no ambiente.

A presença constante em um rebanho da Haematobia irritans (mosca-dos-chifres) pode levar a perdas de até 25% na produção de leite. Outra pesquisa, coordenada pelo Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostra a redução da emergência de 95% das moscas das pupas tratadas com óleo de neem e de 94,5% quando aplicado ao solo onde os animais descansam à noite. O mesmo estudo comprova que, além do baixo custo, esta planta tem reduzidíssimo risco de intoxicação para mamíferos e aves, ao contrário dos agrotóxicos.

Outra pesquisa, desta vez da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), indica que o neem é eficaz também contra o mosquito da dengue. O estudo revela que a mortalidade das larvas expostas por 24 horas ao concentrado, feito a partir do neem, foi de 100%.

“O neem pode se tornar um grande aliado do produtor, ajudando a reduzir custos e a tornar mais limpa a produção”, defende o diretor da DalNeem Brasil, Carlos Motta.

 

MECANISMO DE AÇÃO

Para entender como o neem funciona, após sua ingestão, o princípio ativo Azadiractina passa a circular na corrente sanguínea dos animais e os parasitas que se alimentam do sangue começam a sofrer os efeitos negativos da planta. Em cinco dias, os carrapatos (Boophilus microplus), as larvas de berne (Dermatobia hominis) e a moscas-do-chifre (Hematobia irritans), por exemplo, morrem no corpo do animal. A Azadiractina é ainda eliminada nas fezes dos animais, justamente no lugar que as moscas depositam seus ovos.

Vale destacar que, em todo o mundo, o tratamento por meio de produtos naturais não é novidade. “No início do século passado, plantas medicinais eram as únicas opções para os fazendeiros no tratamento dos animais doentes”, destaca o diretor da DalNeem Brasil.

 

FUTURO

Segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), nos próximos cinco anos o Brasil será o maior produtor de carne bovina do mundo, superando os Estados Unidos, que atualmente ocupam o primeiro lugar no ranking. Conforme a entidade, o mercado nacional é responsável por 17% da produção total da carne bovina no planeta, e o norte-americano 19%.

Diante deste cenário promissor, Carlos Motta acredita, e muito, na utilização do neem na bovinocultura. “O atual momento da economia brasileira é ideal para adoção de uma nova cultura, com o uso de técnicas sustentáveis que agreguem valor e rentabilidade ao produtor, por meio da adoção de práticas e produtos orgânicos. Com insumos ecologicamente corretos, podemos produzir mais, a um baixo custo e com qualidade superior”, ressalta.

 

Por equipe SNA/RJ

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