Doma racional é opção para amansar gado de leite

Médico veterinário Péricles Montezuna, ao lado de uma vaca meio sangue domada: zero estresse. Foto: Divulgação

Desde que se iniciou a domesticação de animais de produção, há cerca de 6000 anos antes de Cristo, foi estabelecida uma relação simbiótica entre o gado e os seres humanos, intensificada com o processo de domesticação desta espécie animal.

“Embora ainda não tenha atingido um ambiente ideal para a otimização do conforto dos animais, no sentido de minimizar o estresse decorrente do contato com o homem, muitos produtores estão, paulatinamente, com as atenções voltadas para as premissas do bem-estar animal, incorporando-as ao manejo e à doma do rebanho de suas fazendas”, afirma o médico veterinário Péricles Montezuma Júnior, responsável técnico pelo projeto de bovinocultura do Grupo Cialne, do Estado de Ceará.

Segundo ele, ao longo do processo de domesticação e do início da exploração do gado para fins produtivos, o homem expressou interesse por animais dóceis, menos agressivos e mais fáceis de lidar, promovendo a seleção de indivíduos com características comportamentais mais desejáveis. Desde então, diversos métodos têm sido utilizados para se conferir docilidade aos bovinos e submetê-los ao domínio humano.

“Alguns destes procedimentos são extremamente aversivos e pouco voltados para o desenvolvimento de uma boa relação entre homens e animais. O uso de cordas, mourões, torturas e práticas de manejo traumatizantes ainda são regularmente empregados para fazer do bovino um animal domado”, afirma Montezuma.

Como tais métodos habitualmente deixam sequelas comportamentais nos animais, alguns projetos leiteiros do Brasil – como as Fazendas Santa Luzia (Passos, MG), Xapuba (Uberlândia, MG) e Sao Francisco (Mogi Mirim, SP), a Agropecuária Palma (Luziânia, DF) e o Grupo Cialme, do Ceará, entre outros – estão aplicando os conceitos de bem-estar animal na doma do rebanho e usufruindo dos benefícios desta tecnologia.

Para implantá-la na propriedade, o Grupo Cialne contou com a assessoria de Nilson Dornellas de Oliveira, instrutor de cursos de doma de bovinos certificados pela ABCZ (Associação Brasileira de Criadores de Zebu), que realizou o treinamento em doma racional na equipe da fazenda e nos animais.

Montezuna conta que o primeiro passo deste treinamento é fazer com que o animal fique tranquilo e não se sinta ameaçado com a presença humana.

“Sendo o manejador uma pessoa calma, que faça gestos lentos e chegue perto dos animais chamando pelo nome ou emita algum sinal específico (cantos, falas e assobios, por exemplo), ou seja, que possua uma sensibilidade para entender o comportamento dos animais, a reação deles já é mais tranquila”, destaca.

Ele ainda acrescenta que os bovinos, “embora pareçam animais lerdos e insensíveis, respondem bem aos carinhos, erguendo a cauda, mantendo-se parados, ruminando, com olhar tranquilo e orelhas relaxadas com pouca movimentação”.

“As ações do domador devem ser gradativas e agregadas, ou seja, ele deve trabalhar como se cada dia fosse um novo começo. Se no primeiro dia foi realizada a correta, a abordagem aos animais, no segundo dia esta etapa já deve ocorrer de forma um pouco  mais rápida. Um dia após o outro, o domador vai agregando ao trabalho do dia anterior e assim por diante”, orienta.

O PROCESSO

Faz parte do processo de doma racional a utilização de cordas, cotonetes gigantes e escovas. Com os animais em um cercado, são jogadas cordas em várias direções, fazendo a aproximação até que os animais aceitem o contato com a corda.

“Esta etapa é essencial para reduzir o medo do animal. Jogando-se a corda progressivamente mais próximo dele, fica claro que aquele objeto não representa nenhuma ameaça e não promove nenhuma sensação dolorosa. Com isso, a desconfiança diminui, facilitando a evolução do treinamento para um segundo passo, que é jogar a corda sobre seu dorso, com a finalidade de reduzir a sensibilidade cutânea ao instrumento”, detalha.

O uso de cotonetes gigantes feitos com um cabo de madeira e um saco na extremidade funciona como uma extensão do braço da pessoa e tem como objetivo interagir mais com os animais, facilitando a aproximação, sem assustá-los com a excessiva aproximação.

“O domador pode friccionar inicialmente a garupa das vacas, passando para o dorso, costado dorso-lateral, ventre e, por fim, o restante do corpo. É um mecanismo que visa a ganhar a confiança.”

Em ordem cronológica do treinamento, o último instrumento a ser utilizado é a escova, depois que o animal tiver passado por outras técnicas de aproximação. De acordo com Montezuna, neste momento o animal deve estar bem adaptado não só à presença humana, mas também ao seu contato direto.

“Escovar a base da cauda, costado, pernas e ventre gera uma sensação prazerosa para o animal”, comenta o veterinário.

Ele ainda afirma que o comportamento do animal, em resposta a cada desafio, é o fator que dita a velocidade de evolução entre uma etapa da doma e outra. Alguns sinais indicam o incômodo e a perturbação, dentre eles Montezuma destaca a movimentação intensa do corpo, olhos arregalados, narinas abertas com respiração ofegante, movimentação intensa das orelhas e cauda, ameaças contra o domador ou até mesmo ao ato de amuar (deitar e não levantar).

Contrariamente, ele salienta que há sinais indicadores da aceitação, tais como a diminuição da movimentação do corpo, o olhar suave (calmo), ruminação na presença do domador, movimentação da língua pelo espelho nasal e busca de aproximação com o homem.

“Em casos de extrema docilidade e confiança, o animal chega a cheirar e a lamber o tratador.”

TREINAMENTO

A doma racional também inclui o treinamento nos centros de manejos, que visa adequar os animais já em processo de doma às futuras instalações onde serão manejados, como bretes, salas de ordenha, picadeiros onde são conduzidos com o uso de cabresto, etc.

Conforme explica o veterinário, na passagem e manejo de novilhas pela sala de ordenha, durante a fase de pré-parto, é interessante que elas sejam adequadas à rotina, aos sons, à manipulação de suas glândulas mamárias e inclusive adaptadas aos futuros ordenadores, facilitando o manejo na fase posterior.

O Grupo Cialne, com sede em Fortaleza (CE) e unidades em quatro Estados da região Nordeste, tem 49 anos de atividade e se destaca principalmente na avicultura de criação de gado e de ovinos. Também possui um grande projeto voltado para a pecuária leiteira, localizado em Ceará, sendo o quinto do ranking nacional, com mais de 32 mil litros por dia, e primeiro em rebanho Girolando.

A base dos animais é formada por Gir Leiteiro PO e Girolando meio  sangue e três quartos de sangue. Ao todo, são 2 mil vacas em lactação, com média superior a 17 litros de leite por dia, criadas no sistema de pastejo rotacionado de sequeiro e irrigado.

“A empresa beneficia parte do leite com marca própria – Sabor & Vida – e está em processo de otimização das áreas, adquirindo outras também, visando aumentar a produção e produtividade por área e por animal”, relata Montezuma.

Por equipe SNA/SP

 

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