Aquece a guerra sobre rótulo de transgênicos

Dois especialistas apresentam seus pontos de vista sobre se as fabricantes de alimentos devem ou não informar o consumidor se um determinado produto contém ingredientes modificados geneticamente. Um dos maiores debates hoje na indústria mundial de alimentos gira em torno dos produtos transgênicos.

Defensores dos consumidores pressionam por regras que forcem as empresas a indicar, no rótulo, que um alimento contém ingredientes que foram modificados por uma série de razões, como para torná-los mais resistentes a herbicidas. Recentemente, eleitores em alguns Estados americanos votaram contra a exigência desse tipo de rótulos. Outros Estados, porém, votaram a favor e a FDA, a agência que regula o setor nos Estados Unidos, informa ter recebido petições para exigi-los em todo o país. Ela ainda não se decidiu.

O argumento em defesa do rótulo basicamente diz respeito ao direito de saber: os consumidores, dizem os defensores, deveriam ser bem informados sobre o que há em sua comida. Além disso, argumentam, os alimentos transgênicos oferecem riscos e poucos benefícios. Os oponentes dizem que os temores são exagerados e que, de fato, eles são seguros e trazem muitas vantagens. Assim, dizem, colocar rótulos nesses alimentos daria a impressão errada.

Sim: Queremos saber o que há em nossa comida
Andrew Kimbrell*

O público consumidor tem o direito de saber o que há na comida que compra e serve para sua família. Isso inclui o direito de escolher entre comprar ou não alimentos produzidos através da engenharia genética. Consumidores em 64 países já têm esse direito.

Nos Estados Unidos, onde não há leis federais que exigem rótulos identificando produtos transgênicos, a maioria das pesquisas mostra que mais de 90% do público gostaria de ver essa identificação.

Por que usar os rótulos? Alimentos geneticamente modificados são materialmente diferentes de seus pares cultivados de forma convencional, e o público tem direito de saber disso. Na verdade, o DNA desses alimentos tem sido patenteado por empresas de biotecnologia como sendo completamente novo.

Os rótulos não estariam cerceando uma tecnologia que é benéfica para o público. Nenhuma lavoura geneticamente modificada que está sendo comercializada hoje aumenta a produtividade ou o valor nutricional do alimento de forma substancial. E há outros métodos mais baratos e comprovados que são mais eficazes no aumento da produção.

Na verdade, o principal uso da engenharia genética envolve a modificação de lavouras para que elas possam aguentar doses massivas de herbicidas (principalmente o Roundup, que foi classificado recentemente como possivelmente cancerígeno). E o uso crescente de herbicidas resultou em poluição do ar e da água, “ervas daninhas super-resistentes” e em mais resíduos tóxicos em nossos alimentos.

E há mais. A engenharia genética não é mais segura nem é mais eficiente ou mais previsível do que a reprodução tradicional. Lavouras modificadas geneticamente envolvem tentativa e erro, quase sempre resultando em fracasso. Mexer com o DNA pode tornar uma planta não tóxica numa variedade tóxica ou causar outros tipos de impacto não previstos. Sem os rótulos de identificação não podemos monitorar totalmente esses impactos.

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ARGUMENTO QUESTIONÁVEL

Ainda assim, empresas de químicos e alimentos dizem que elas não precisam usar rótulos de identificação porque não foi provado que os produtos transgênicos não são seguros. Mas todos os dias nos deparamos com rótulos que indicam o uso de aditivos ou processos de fabricação como o “feito com concentrado” que foram identificados como seguros.

As regras da FDA, a agência reguladora da indústria nos EUA, para os rótulos não dizem respeito ao risco que os alimentos podem oferecer. Em vez disso, elas requerem que o rótulo informe o consumidor sobre conteúdo novo ou mudanças que podem não ser óbvias e sobre as quais os consumidores poderiam ter interesse em saber.

Será que os alimentos transgênicos se enquadrariam nisso? Sim. Virtualmente todos os alimentos geneticamente modificados comercializados hoje têm bactérias, vírus ou outro DNA nunca visto antes em alimentos, com frequência criando novas proteínas também. Se a FDA testasse esses produtos, o que ela não faz, e concluísse que eles são perigosos, a agência não exigiria rótulos; ela simplesmente os recolheria das prateleiras dos supermercados.

Oponentes com frequência dizem que rotular alimentos geneticamente modificados seria muito caro para os produtores e consumidores. Porém, empresas de alimentos trocam seus rótulos o tempo todo. Adicionar “Produzido com engenharia genética” na embalagem teria um custo insignificante.

TAREFA SIMPLES

As indústrias de alimentos e seus defensores tentam argumentar que é difícil saber exatamente o que rotular. Mas temos hoje apenas quatro lavouras importantes que são geneticamente modificadas: milho, soja, canola e beterrabas para o açúcar. É quase certo que qualquer fabricante usando produtos derivados dessas lavouras estará usando ingredientes transgênicos. Então não há necessidade de testes. Além disso, as leis sobre os rótulos isentam enzimas modificadas e estabelecem um nível mínimo razoável para a presença acidental de materiais modificados geneticamente.

Então, por que indústrias químicas e de alimentos já gastaram mais de US$ 100 milhões para evitar a adoção de leis estaduais nos EUA exigindo os rótulos de identificação dos transgênicos? É simples. Depois de 30 anos e bilhões em pesquisa, elas ainda não criaram um só produto modificado geneticamente capaz de atrair os consumidores.

Ninguém levanta de manhã com o desejo de comprar um produto modificado geneticamente. Se os rótulos de identificação fossem exigidos, seria difícil que qualquer consumidor racional passasse por um saco de salgadinhos de milho não modificado para comprar um feito com produto transgênico, quando tudo que esse oferece é risco potencial. Talvez a exigência dos rótulos induza essas empresas a usar seus recursos financeiros e científicos para produzir um produto melhor para os consumidores.

Nos EUA, há atualmente uma petição nas mãos da FDA requerendo o uso obrigatório de tais rótulos em todo o país. No Estado de Vermont, uma lei sobre rótulos identificando produtos transgênicos entra em vigor em 2016 e outros Estados vêm trabalhando para adotar leis desse tipo. Já passou da hora de alimentos geneticamente modificados enfrentarem um mercado consumidor bem informado e de a FDA exigir esses rótulos.

*Kimbrell é diretor executivo do Centro para a Segurança de Alimentos. Ele pode ser contatado pelo e-mail reports@wsj.com.

 

Não: Informação seria inútil para o consumidor

Nina Fedoroff*

Exigir que as empresas usem rótulos de identificação em alimentos transgênicos é uma ideia terrível. Isso encareceria os produtos, mas não ofereceria informação útil aos consumidores.

Primeiro, a modificação genética — o uso da biologia molecular moderna para adicionar ou modificar genes — tem um bom e longo histórico. Cientistas descobriram que ela é a maneira mais segura de modificar plantas agrícolas, animais e micróbios. Métodos modernos causam menos perturbação genética do que a radioatividade e os químicos utilizados para o melhoramento das lavouras no século XX. Até mesmo os genomas eles perturbam menos do que os métodos convencionais de melhoramento de plantas utilizados durante séculos.

Os defensores dos rótulos querem que o consumidor acredite que a modificação genética não oferece benefícios nutricionais e tem riscos. Mas não é o caso.

UM EMPURRÃO À AGRICULTURA

As lavouras geneticamente modificadas elevaram a produtividade no campo em uma média de mais de 20% globalmente. (O aumento é maior para agricultores de áreas menores em países menos desenvolvidos do que para os grandes fazendeiros de países desenvolvidos porque os primeiros começaram de um nível de produtividade menor.) E não é verdade que outros métodos mais baratos e já provados sejam mais eficientes no aumento da produção. Em lugares onde só os métodos convencionais são utilizados, a produtividade das lavouras está estagnada.

A questão dos benefícios nutricionais é mais complexa. Ingredientes modificados geneticamente já se mostraram muito úteis na criação de alimentos. Por exemplo, a renina, uma importante enzima para a fabricação de queijo que costumava ser extraída do quarto estômago de bezerros jovens, agora é feita de microrganismos modificados.

Mas é verdade que há relativamente poucos alimentos modificados no mercado com benefícios nutricionais diretos para o consumidor, como uma batata que está para ser introduzida que não fica marrom quando cortada e que produz uma versão menos tóxica da acrimalida, que é produzida naturalmente na fritura da batata e é associada com o câncer. Dois de seus genes foram desligados.

Essa escassez é resultado em grande parte de um processo regulatório caro e da constante agitação dos ativistas, e não porque essas modificações genéticas são de alguma maneira perigosas. Essas dores de cabeça vêm segurando o desenvolvimento de uma série de lavouras que contêm óleos mais saudáveis, assim como o precursor da vitamina A, o betacaroteno.

Compare a resistência às lavouras transgênicas com os alimentos orgânicos. Uma meta-análise da Universidade de Stanford de estudos sobre o assunto publicados num período de 50 anos concluiu que não havia diferenças nutricionais significativas entre produtos orgânicos e produtos cultivados de maneira convencional. Entretanto, alimentos orgânicos são dez vezes mais propensos a sofrer um recall por causa de contaminação de bactéria do que alimentos convencionais.

Isso é um histórico muito pior que o dos alimentos transgênicos, que nunca causaram um problema de saúde por terem sido modificados. Mas não há furor em relação aos ingredientes orgânicos. E as alegações recentes sobre o glifosato, o ingrediente herbicida do Roundup? Agências reguladoras dos Estados Unidos e da Europa repetidamente concluíram que o glifosato é seguro, nem tóxico, nem carcinogênico. Lavouras tolerantes a herbicidas beneficiam a todos ao reduzir a perda de solo arável e as emissões de CO2 causadas pela aração e cultivo.

O fato é que adicionar “geneticamente modificado” ao rótulo do alimento sugere que ele pode causar problemas de saúde. E isso é exatamente o que os ativistas contrários aos transgênicos e os vendedores de alimentos orgânicos gostariam que você pensasse.

Ao mesmo tempo, usar tal identificação para um produto como o milho é uma iniciativa enorme e cara. Milho, soja e canola são commodities produzidas em quantidades muito grandes, armazenadas em silos e transportadas em caminhões ou navios. As safras modificadas geneticamente hoje têm exatamente a mesma aparência e valor nutricional das não modificadas.

O teste molecular necessário para diferenciá-las é caro. Além disso, muitos dos produtos derivados (açúcar, óleo) não têm nem a proteína nem o DNA detectados pelo teste.

Mas determinar que um alimento derivado de uma commodity não contém ingredientes modificados requer que as safras sejam mantidas separadas da lavoura até o garfo. Custa dinheiro separar a estocagem, o transporte, o processamento e a comercialização. Cada passo precisa ser monitorado e advogados precisam ser pagos quando erros forem cometidos.

Lembre-se, estamos falando em monitorar coisas que têm a mesma aparência, o mesmo gosto e o mesmo valor nutricional. Isso faz sentido?

*Fedoroff é professora emérita Pugh na Universidade Penn State. Ela pode ser contatada no e-mail reports@wsj.com 

 

Fonte: The Wall Street Journal

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