Virando o jogo

Bagaço de uva, grande passivo ambiental, agora vira alimentos funcionais e matéria-prima para a indústria. Foto: Neide Furukawa
Bagaço de uva, grande passivo ambiental, agora vira alimentos funcionais e matéria-prima para a indústria. Foto: Neide Furukawa

Os extratos concentrados obtidos a partir dos bagaços de uva têm atividade antioxidante 50% maior que a polpa do açaí. Esta é a conclusão de uma pesquisa desenvolvida na Embrapa pela pesquisadora Ana Paula Gil Cruz, que integrou a equipe do projeto como bolsista de doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. A sua tese, que investigou a transformação de resíduos da uva em alimentos funcionais, ganhou o Prêmio Arikerne Sucupira, como melhor trabalho de pós-graduação, no 4º Encontro da Escola Brasileira de Química Verde.

Do trabalho, foi gerado um insumo proveniente do bagaço da uva com alto teor de compostos funcionais, que poderá ser utilizado em forma aquosa, ou em pó, pelas indústrias alimentícia, farmacêutica e cosmética.

Desenvolvido no âmbito de um projeto de pesquisa da Embrapa, em parceria com a UFRJ, a pesquisa obteve produtos de alto valor nutricional e funcional como barras de cereais e bebidas pró-bióticas, a partir de bagaço de uva, um coproduto geralmente descartado pela indústria. O aproveitamento, além de agregar valor, reduz o passivo ambiental e colabora para a sustentabilidade das cadeias produtivas do agronegócio. O projeto teve como foco as indústrias de suco de uva e vinho do Rio de Grande do Sul e contou com a parceria da Embrapa Uva e Vinho, localizada em Bento Gonçalves, RS.

 

PASSIVO AMBIENTAL 

O bagaço da uva possui uma rica composição nutricional e funcional, favorecendo sua utilização como ingrediente de novos produtos de interesse industrial. “Avaliamos a capacidade antioxidante e a concentração de polifenóis das cascas de diferentes variedades de uvas para geração de um extrato rico em compostos bioativos de grande interesse comercial. Desenvolvemos também produtos próbióticos de leite fermentado e suco de uva, a partir dos resíduos gerados pela produção de vinhos e sucos,” conta a líder do projeto, Lourdes Cabral. A pesquisadora, que é chefe-geral da Embrapa Agroindústria de Alimentos no Rio de Janeiro, RJ, disse que a equipe também testou um novo processo para a extração do óleo de sementes de uva.

Segundo a pesquisadora, a cada 100 litros de vinho processados, são gerados 30 quilos de resíduos (bagaço, gavinhas e borras), o que equivale a 210 mil toneladas por ano. “Hoje, a indústria paga a outras empresas para retirar o engaço da sua planta. Parte do resíduo é vendida ou doada como fertilizante. Algumas processadoras vendem o tartarato, composto que é formado na fabricação do vinho. Mas, de um modo geral, ainda não há um aproveitamento importante do bagaço”, afirma.

 

BEBIDAS FUNCIONAIS

A partir dos resíduos da fruta, as pesquisadoras avaliaram principalmente o potencial de aplicação do extrato e do resíduo sólido da prensagem do bagaço de uva como ingrediente para fabricação de bebidas funcionais. Associar bactérias pró-bióticas ao suco de uva ou ao leite fermentado de cabra gerou produtos com características diferenciadas voltadas à nutrição e saúde. “Aliamos os benefícios do leite de cabra, como baixo teor de gordura, elevada capacidade de digestão e menor potencial alergênico, à adição de compostos bioativos (polifenóis) derivados dos resíduos da uva. A bebida pró-biótica de leite de cabra adicionada ao extrato de uva possui cor e sabor aprovados em testes sensoriais, sendo altamente indicada para crianças e idosos”, explica a pesquisadora Karina Olbrich dos Santos, à época na equipe da Embrapa Caprinos e Ovinos, de Sobral, CE e agora na Embrapa Agroindústria de Alimentos.

O bagaço de uva também pode ser transformado em barrinhas de cereais, como apontou o trabalho da pesquisadora Renata Tonon. Pode ainda gerar um extrato rico em fibras solúveis para a indústria alimentícia, segundo avaliação em andamento, sob coordenação da pesquisadora Caroline Mellinger, ambas da Embrapa Agroindústria de Alimentos do Rio de Janeiro, RJ.

 

AGENTE ANTICORROSIVO

Outra aplicação testada — e aprovada — é o uso de extrato de uva como agente inibidor de corrosão pela indústria metalúrgica, devido à sua alta capacidade antioxidante. Os resultados foram gerados pela equipe do professor José Ponciano, da área de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, da Coordenação de Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ.

O bagaço contém outro coproduto de alto valor agregado: a semente, que gera óleo vegetal. Por esta razão, o projeto também definiu condições para a extração do óleo de sementes de uva, a partir de resíduos do processamento pelo método físico, ou seja, não utilizando solventes químicos derivados do petróleo. Os óleos obtidos a partir de resíduos da agroindústria apresentam, em geral, elevados índices de acidez, verificados durante o processamento pós-colheita do fruto.

A pesquisa coordenada pela professora Suely Freitas, da Escola de Química da UFRJ, identificou que a tecnologia de prensagem combinada com processos enzimáticos é uma alternativa para substituir o processo convencional, mantendo a eficiência de extração e a qualidade do produto final. “O refino tradicional pelo método da neutralização, além dos impactos ambientais, causa uma perda considerável de óleo neutro devido à formação de emulsão. O processo físico é uma alternativa sustentável para superar essas dificuldades”, comemora a pesquisadora Lourdes Cabral.

 

PROCESSOS INDUSTRIAIS ECOLOGICAMENTE CORRETOS

Tradicionalmente, a indústria utiliza reagentes químicos para a redução da acidez dos óleos vegetais para que possam ser comercializados. Esse procedimento gera efluentes que precisam ser tratados para não causar danos ao meio ambiente. Além da tecnologia de prensagem combinada com processos enzimáticos utilizada na produção de óleo de semente de uva já apresentada, outra alternativa ecologicamente correta para essa questão é explorada pelo projeto “Desacidificação de óleos vegetais por meio de tecnologia de membranas”, liderado pela pesquisadora Andréa Guedes da Embrapa Agroindústria de Alimentos. Trata-se de um método que pode ser utilizado nas indústrias de alimentos e de cosméticos, com maior eficiência energética e menor impacto ambiental.

Aprovado no Edital de Química Verde da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), a pesquisa visa a diminuir a acidez de óleos vegetais por meio da tecnologia de membranas, utilizando um método físico sem o uso de solventes químicos. “Utilizamos um sistema de separação para reduzir o teor dos ácidos graxos livres presentes nos óleos vegetais pela tecnologia de membranas, e assim identificar as variáveis que interferem no processo, buscando o melhor resultado possível”, explica a pesquisadora Andréa Guedes. Membranas podem ser definidas como barreiras seletivas que permitem tanto a remoção de compostos indesejáveis, como a recuperação de compostos de alto valor agregado.

 

QUÍMICA VERDE

Outra vantagem da aplicação dessa tecnologia é a preservação das propriedades, características sensoriais e compostos bioativos dos produtos. A aplicação dos processos de separação por membranas na indústria alimentícia ocorrem, frequentemente, em temperatura ambiente, permitindo a preservação das substâncias termossensíveis, que conferem sabor e aroma a estes produtos, além de conservar as propriedades vitamínicas.

O uso de resíduos da agroindústria está dentro do conceito de “Química Verde”, que prevê a redução da poluição nos processos químicos e o aproveitamento máximo da matéria-prima, minimizando ou eliminando a geração de poluentes. Mesmo sendo de fonte natural, a matéria orgânica gerada na decomposição do bagaço de uva pode se proliferar e contaminar o ambiente. “Além da grande quantidade de resíduos gerados, em torno de 16% do total de frutas processadas, eles são produzidos durante curto espaço de tempo (a safra da uva dura aproximadamente três meses) e apresentam características poluentes como baixo pH e elevados teores de compostos que resistem à degradação biológica”, explica Lourdes.

Por outro lado, de acordo com a pesquisadora, a composição é rica em fibras, proteínas e compostos fenólicos, com potencial de gerar produtos inovadores e funcionais. “O principal desafio desse tema é gerar processos tecnicamente viáveis, mas que sejam economicamente competitivos. Como consequência da demanda dos consumidores por produtos naturais, as indústrias são pressionadas a buscar alternativas aos aditivos químicos, incrementando o uso de aditivos naturais, que, por meio do conceito de aditivos multifuncionais, agregam valor a esses produtos”, destacou.

 

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Fonte: Revista A Lavoura – edição nº 706/2015

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