Os senadores aprovaram, na terça-feira (19/6), decreto que autoriza a venda direta de etanol hidratado de usinas para os postos, por 47 votos a 2. O projeto de resolução foi apresentado pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), após a paralisação dos caminhoneiros contra a alta no preço dos combustíveis, e agora será analisado pela Câmara dos Deputados.
Para Alencar, a medida beneficiará o livre comércio, pois o produtor não precisará de uma distribuidora para vender o etanol, o que, na prática, vai baratear o preço do combustível para o consumidor. “O problema do alto preço do combustível é o monopólio. Esse cartel precisa ser quebrado”, defende. “Os distribuidores ganham em média R$ 0,20 por litro de etanol, que sai a R$ 1,75 da usina e na bomba custa quase R$ 3,50”, acrescenta o senador.
PONTO DELICADO
Segundo Maurilio Biagi, vice-presidente da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), o tema da distribuição é delicado e precisaria ser mais estudado, aprofundado e com muito mais tempo. “A distribuição sempre funcionou bem, daí a minha posição histórica contrária à liberação, principalmente agora que há dúvidas que ela possa prejudicar a implementação do RenovaBio”, diz ele.
“Nesse momento, em que todos enfrentam incertezas e dificuldades, o setor sucroenergético tem na aprovação do RenovaBio uma possibilidade de retomada inteligente, justa para a sociedade, moderna, inovadora, na direção dos interesses globais em relação ao meio ambiente, o que colocaria o País, novamente, na vanguarda dos combustíveis renováveis”, argumenta Biagi.
RISCOS
Segundo Plinio Nastari, presidente da Datagro e representante da sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), a venda direta apresenta riscos que precisam ser avaliados. Isso porque, no caso do etanol hidratado, há a segmentação entre os postos denominados de bandeira, e os de bandeira branca.
“Como a relação entre as distribuidoras e os postos de bandeira é definida em contratos entre agentes privados, a liberação da venda direta em grande parte do mercado não atingirá os postos de bandeira”, diz Nastari. “Assim, a venda direta, caso seja aprovada pela Câmara, tende a se aplicar num primeiro momento apenas aos postos bandeira branca, com volume muito limitado”, acrescenta.
Outro problema apontado por Nastari é a falta de infraestrutura, como frota, dutos, tanques, bases secundárias, instalações portuárias e sistema de cabotagem, para a distribuição em escala do produto. “É preciso avaliar o interesse empresarial em limitar a distribuição do etanol hoje disponível em boa parte do País, pelo sistema integrado das distribuidoras”, pondera.
OPINIÕES DIVIDIDAS
Enquanto a União Nacional da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) é contra a liberação de comércio direto de álcool hidratado entre produtores e postos, a Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana), que reúne os agricultores e tem forte influência no Nordeste, é favorável.
Segundo Nastari, os sindicatos que defendem a venda direta são, em sua maioria, representativos de produtores da região Nordeste, onde é baixo consumo de etanol hidratado.
Na safra 2017/2018, o consumo de etanol anidro no Norte-Nordeste deverá ser de 3,2 bilhões de litros, e o de etanol hidratado de 1,1 bilhão de litros. Para se ter uma ideia, no mesmo período, a região Centro-Sul, consumiu, respectivamente, 8,43 bilhões e 13,76 bilhões de litros de etanol anidro e hidratado combustível. Vale lembrar que o etanol anidro para ser misturado à gasolina precisa passar por um distribuidor.
Segundo a Unica, a aprovação vai exigir mudanças na cobrança de impostos hoje pagos pelas distribuidoras, como o PIS, o Cofins e o ICMS. De acordo com a entidade, atualmente, o produtor recolhe R$ 0,13 por litro de PIS e o COFINS sobre o álcool hidratado, enquanto o distribuidor recolhe R$ 0,11 por litro. Com a mudança, nas vendas que não passarem pelo distribuidor, a carga tributária seria cobrada das usinas ou dos postos.
Por essa razão, a entidade receia que a venda direta de etanol hidratado possa dificultar a implementação do RenovaBio, a Política Nacional de Biocombustíveis. Isso porque a mudança impactaria também no volume comercializado pelas distribuidoras que terão que cumprir as metas de descarbonização por meio da compra e venda de certificado de redução de emissões de carbono (Cbios).
A FAVOR
Em sua análise mensal sobre a cana, publicada no portal da União dos Produtores de Bioenergia (Udop), o professor titular da Faculdade de Administração da USP em Ribeirão Preto (SP), Marcos Fava Neves, afirmou que “sempre foi favorável a essa ideia, por permitir mais criatividade, liberdade econômica. E a convivência de distintos modelos de canais de distribuição seria um gerador de benchmarks, inovação e eficiência, apesar de apresentar riscos, como toda atividade”.
Para Neves, a distribuição direta tomaria o mercado, pois o elo distribuidor (atacadista) tem relevância em qualquer atividade, por sua escala, eficiência operacional e importância, além de contratos de exclusividade com suas bandeiras varejistas (postos).
“Ainda não debrucei para pensar em soluções para a forma de cobrança de impostos e da geração dos CBios para o RenovaBio, duas coisas que não podem ser ameaçadas de forma alguma”, disse na sua análise.
“Tenho certeza que há cérebros maravilhosos no setor para encontrar mecanismos que permitam a liberdade e a criatividade sem danos à arrecadação e principalmente, ao RenovaBio. Caso não exista solução, a distribuição direta deve ser sacrificada em nome do RenovaBio, com tristeza de minha parte”, lamentou.
EQUIPE SNA/SP