Depois de mais de 20 anos de pesquisas, foi concedido o registro oficial à primeira variedade de tangerina totalmente desenvolvida no Brasil. Batizada de Maria, ela promete reunir os melhores atributos de seus “pais”, a laranja-pera e a murcote, e vai concorrer diretamente com a tangerina poncã, que domina a preferência nacional nos meses de inverno.
Atualmente, todas as tangerinas vendidas nas gôndolas são cultivares introduzidas no Brasil ou desenvolvidas por seleção de variedades já existentes. A IAC 2019 Maria foi obtida pelo cruzamento da laranja-pera, de quem herdou a resistência à doença fúngica conhecida como mancha marrom, com a murcote, que agrada ao consumidor pela coloração intensa, sabor e doçura.
“Além de ser muito saborosa, ela é mais fácil de descascar do que a murcote e tem metade do número de sementes”, assegura a pesquisadora Mariângela Cristofani-Yaly, do Instituto Agronômico de Campinas, vinculado à Secretaria de Agricultura de São Paulo.
Do ponto de vista agronômico, o principal destaque da nova cultivar é a resistência à mancha marrom de Alternária (MMA), uma doença específica das tangerinas que reduz significativamente a produção do pomar. Essa qualidade resulta em menor impacto ambiental, por diminuir ou até eliminar a necessidade de pulverizações, feitas para atender, principalmente, ao mercado de exportação, onde o fruto manchado é recusado.
“A doença afeta as principais variedades de tangerinas comercializadas no Brasil, a poncã e a murcote. Há registros de produtores que fazem, por ano, até 25 aplicações de fungicidas”, disse Mariângela Cristofani-Yaly. Como nem todos os produtores conseguem fazer as pulverizações necessárias, muitos amargam as perdas decorrentes da alternaria, que envolvem queda do fruto, secamento de galhos e prejuízos para a produção do ano seguinte.
O pé de tangerina Maria é de menor porte do que o da murcote, o que, segundo os pesquisadores, permite instalar um maior número por hectare, aumentando a produtividade. Também é mais precoce, produzindo com até dois meses e meio de antecedência.
A cultivar produz de duas a três caixas de 40,8 kg, por planta, com frutos de maior calibre. “A ideia é produzir o máximo por hectare, com qualidade”, disse Marinês Bastianel, que também participou do desenvolvimento da variedade pioneira.
Concorrente difícil
Quando chegar ao mercado, o que ainda deve levar pelo menos dois anos, que é o tempo mínimo para uma nova planta começar a produzir, a tangerina Maria não terá vida fácil contra a poncã, concorrente que domina a preferência do consumidor.
“É difícil encontrar uma tangerina que seja superior à poncã em termos de aceitação da população”, diz Rui Pereira Leite, pesquisador de cítricos do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar). “A poncã é fácil de descascar, tem baixa acidez e um sabor bem equilibrado, que vai muito com o que o brasileiro gosta”.
Segundo o pesquisador, a murcote (cruzamento de tangerina com laranja) conseguiu boa aceitação porque entra no mercado numa época em que a poncã já está acabando, após o inverno. No entanto, já estão sendo feitos alguns plantios comerciais de poncãs tardias, que alongam o período de oferta para o consumidor.
O agrônomo responsável pela área de fruticultura no Departamento de Economia Rural da Secretaria de Agricultura, Paulo Andrade, destaca que o isolamento da região do Vale do Ribeira, longe de áreas de cultivo e rodeada de florestas, “é um fator que impulsiona a produção de tangerinas, porque mantém afastada a pressão de pragas e doenças comuns em outras regiões”. Além disso, a variação térmica acentuada entre noite e dia favorece a produção de uma fruta mais adocicada.
As tangerinas têm apenas 3% de participação na fruticultura nacional, enquanto suas “primas” laranjas reinam no setor, respondendo por 42% de todo o volume produzido no país. O município paranaense de Cerro Azul, no Vale do Ribeira, é o maior produtor nacional, com 9% do total no país e 45% da produção paranaense.
Fonte: Correio do Povo