Na manhã da quarta-feira, 4 de abril, horas antes de a cúpula da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) anunciar que iria se posicionar abertamente a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, fez uma última tentativa de reverter a decisão da entidade máxima de representação do agronegócio no país. E ligou para o seu sucessor à frente da instituição, o baiano João Martins, aliado durante os oito anos em que ela presidiu a Confederação – Kátia está licenciada.
Para surpresa da ministra, o dirigente não atendeu a ligação e se recusou desde então a falar com ela, ferrenha defensora de Dilma, de quem é amiga. O episódio irritou profundamente a ministra, que já comenta nos bastidores ter sido vítima de uma traição. E reflete bem o recrudescimento da crise política, que levou a Câmara a abrir o processo de afastamento de Dilma e, no caso de Kátia, pôs em xeque sua condição de maior liderança do agronegócio do país.
É comum hoje ouvir entre presidentes de entidades, empresários do segmento, representantes do que já foi sua base, e parlamentares da bancada ruralista, que Kátia cometeu “suicídio político” ao insistir em permanecer no governo de Dilma e do PT, a quem se opôs no passado e que defende causas contrárias às do agronegócio.
A CNA acabou oficializando um comunicado contra o governo Dilma, aprovado por 26 das 27 federações de agricultura e pecuária vinculadas à rede sindical da entidade. Apenas a federação do Tocantins, Estado por onde Kátia foi reeleita senadora, não se manifestou.
O quadro reflete a insatisfação geral do segmento agropecuário, que promete esvaziar a cerimônia do Plano Safra 2016/17, agendada pela ministra para quarta-feira. “Nós produtores não vemos mais a senadora como uma pessoa da casa”, afirmou João Martins ao Valor. “Se eu fosse ela pedia uma licença por algum tempo e começava a reconstrução da vida política. Talvez ela consiga isso no Estado [Tocantins], porque nacionalmente ela não tem mais sustentação”, acrescentou.
Como reflexo da decisão que tomou de apoiar Dilma, Kátia não tem frequentado feiras agropecuárias, sofre a ameaça pública de ser afastada do comando da CNA e ainda enfrenta um processo de expulsão dentro do seu partido, o PMDB, que desembarcou da base aliada e recomendou a todos os ministros da legenda que deixassem seus cargos.
O esgarçamento dessa relação tem raízes na própria estrutura de poder da CNA, onde Kátia Abreu começou a sofrer oposição de algumas federações, como a do Paraná e a do Mato Grosso, e enfrentou um processo judicial contra sua reeleição para presidente da instituição em 2014.
Uma fonte próxima da ministra lembra que antes de se tornar ministra em 2015, Kátia, foi “tolerada” por sua base de sustentação política, que representa o PIB do agronegócio. Como não conseguiu manter esse apoio, caminha para “jogar sua biografia no lixo”, e voltar ao Senado sem partido, saindo do governo “menor do que entrou”. “Estamos afastados dela”, diz o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Marcos Montes (PSD-MG).
Antônio Alvarenga, presidente da Sociedade Nacional da Agricultura (SNA), pondera que Kátia fez um excelente trabalho no ministério, após abrir mercados internacionais para as carnes brasileiras e vencer uma queda de braço com a Fazenda para abaixar juros do Plano Safra 2015/16. Entretanto, “consumiu seu capital político” ao ter duas oportunidades de sair do governo e não o fazer: quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva Lula retomou seus laços com o governo, e quando um dirigente da Contag, representante dos trabalhadores, ameaçou invasões de fazendas em discurso no Planalto.
“Ela já foi alertada por nós a sair do governo, mas hoje posso dizer que acabou nossa simpatia e o respeito pelo governo e pela ministra também”, diz Almir Dalpasquale, presidente da Aprosoja Brasil.
“A ministra tomou uma decisão na minha opinião completamente equivocada, ela abandonou a história dela e o apoio do setor, a partir do momento em que passou a ter um projeto pessoal à frente do ministério”, argumentou Gustavo Diniz, presidente da Sociedade Rural Brasileira.
Em resposta às críticas, a ministra Kátia disse ao Valor que não poderia demonstrar ingratidão a Dilma “por tudo que ela fez pelo setor”. E que em sua gestão, a Agricultura “foi colocada pela presidente no primeiro escalão da Esplanada”. “Posso perder tudo, só não consigo viver com minha consciência me assombrando. Não existe liderança ou futuro honra (…) popularidade vai e volta, mas não conheço a palavra covardia ou deslealdade.”
Fonte: Valor Econômico