Transgênicos existem há séculos e não há evidência de que fazem mal (pelo contrário)

Artigo traduzido de Jane E.Brody (The New York Times)

 

Parece que é da natureza humana resistir a mudanças e temer o desconhecido; assim, não é surpresa que a engenharia genética de alimentos seja condenada por muitos consumidores, que parecem tão apavorados de comer uma maçã com um gene antiescurecimento ou um abacaxi geneticamente enriquecido com antioxidante quanto eu tenho de usar carros autônomos.

Caminhando pelos corredores de um supermercado dos Estados Unidos é possível encontrar muitos produtos classificados como “livre de transgênicos”, mas é muito mais difícil detectar pequenas letras informando que aquele alimento é “parcialmente produzido por engenharia genética” – resultado de uma lei federal americana de 2016 que obriga a rotulagem uniforme de todos os produtos alimentares que contenham ingredientes geneticamente projetados.

A exigência surgiu em resposta à pressão pública e a uma série de leis estaduais confusas. Apesar de eu apoiar o direito do público à informação e a rotulagem honesta de todos os produtos, é importante ter em mente que isso pode ser enganoso.

Agricultores e cientistas modificam geneticamente os alimentos há séculos, por meio de programas de reprodução que resultam em uma troca descontrolada de material genético. O que muitos consumidores podem não perceber é que há décadas, além de cruzamentos tradicionais, cientistas agrícolas utilizaram radiação e produtos químicos para induzir mutações gênicas em culturas comestíveis, na tentativa de atingir características desejadas.

A engenharia genética moderna difere em dois pontos: apenas um ou alguns novos genes com uma função conhecida são introduzidos em uma lavoura; às vezes a novidade provém de uma espécie diferente. Assim, um gene para adicionar tolerância a geadas ao espinafre, por exemplo, poderia vir de um peixe que vive em águas geladas.

Desde que os alimentos geneticamente modificados começaram a chegar ao mercado, décadas atrás, nenhum efeito adverso para a saúde dos consumidores foi registrado, o que não quer dizer que não exista. O fato é que, por mais que os adversários da tecnologia procurem, nenhum foi definitivamente identificado.

Embora 90% dos cientistas acreditem que os transgênicos sejam seguros – visão apoiada pela Associação Médica Americana, a Academia Nacional de Ciências, a Associação Americana para o Avanço da Ciência e a Organização Mundial de Saúde, pouco mais de um terço dos consumidores compartilha dessa crença.

Não é possível provar que uma comida seja segura, apenas por dizer que não há perigo aparente. O medo dos transgênicos ainda é teórico, assim como a ideia de que inserir um ou mais genes em um alimento poderia ter um impacto negativo sobre outros de seus genes naturais.

As preocupações mais comuns, que não foram claramente demonstradas, são mudanças indesejadas nos valores nutricionais, a criação de alérgenos e efeitos tóxicos em órgãos.

De acordo com uma entrevista na revista Scientific American, com Robert Goldberg, biólogo molecular botânico da Universidade da Califórnia em Los Angeles, tais receios não foram suprimidos, apesar das “centenas de milhões de experiências genéticas envolvendo cada tipo de organismo na Terra e os bilhões de refeições feitas por todos, sem que haja algum problema”.

Estabelecer a segurança em longo prazo exigiria décadas de estudos caros, com centenas de milhares de consumidores de transgênicos e de não transgênicos.

Enquanto isso, vários benefícios impressionantes já foram estabelecidos. Por exemplo, uma análise de 76 estudos publicada em fevereiro, no periódico Scientific Reports, elaborada por pesquisadores de Pisa, na Itália, constatou que o milho geneticamente modificado tem um rendimento maior e contém menos toxinas comumente produzidas por fungos.

Esses efeitos provavelmente derivam de uma modificação genética feita para que as plantas resistam a pragas causadas por insetos, que danificam as espigas e permitem que os fungos floresçam. Os pesquisadores disseram que a alteração teve pouco ou nenhum efeito sobre outros insetos.

Ao desenvolver essa resistência, os agricultores puderam usar menos pesticidas e aumentar o rendimento, garantindo sua segurança e a do meio ambiente, ao mesmo tempo em que reduzem o custo dos alimentos e ampliam sua disponibilidade. Safras de milho, algodão e soja aumentaram entre 20% e 30% com o uso da engenharia genética.

Todos os anos, bilhões de animais são criados nos EUA com rações que contém ingredientes transgênicos, sem evidência de nenhum mal. Na verdade, o desenvolvimento e a saúde desses animais melhoraram com os alimentos geneticamente modificados, de acordo com um artigo de 2014 no Journal of Animal Science.

Uma utilização mais abrangente da engenharia genética, especialmente em países africanos e asiáticos que ainda não possuem a tecnologia, poderia aumentar de forma significativa a oferta de alimentos. E precisamente em áreas onde a mudança climática exigirá cada vez mais que as plantações possam se desenvolver em solos secos e com alta incidência de sal e tolerar temperaturas extremas.

Ainda me incomoda a resistência ao arroz dourado, uma cultura geneticamente modificada para fornecer mais vitamina A do que o espinafre, e que poderia evitar a cegueira irreversível e mais de um milhão de mortes por ano.

Mesmo assim, cientistas estão se concentrando cada vez mais no desenvolvimento de benefícios para a saúde em alimentos comuns. Além do abacaxi que contém licopeno (antioxidante), os tomates estão sendo modificados para incluir o pigmento roxo do mirtilo, rico em antioxidantes.

As populações de países em desenvolvimento, que enfrentam fome e desnutrição, são as maiores beneficiadas das tentativas de aumentar a quantidade de proteínas, vitaminas e minerais nas culturas alimentares. Isso não quer dizer que tudo feito em nome da engenharia genética seja saudável.

São muitas as controvérsias em torno do uso de sementes geneticamente modificadas de soja, milho, canola, alfafa, algodão e sorgo, tornadas resistentes a um herbicida amplamente utilizado, o glifosato, cujos efeitos na saúde ainda não são claros.

Recentemente, foi criada a resistência a um segundo herbicida, o 2,4-D. Embora o produto da combinação, o Enlist Duo, tenha sido aprovado em 2014 pela Agência de Proteção Ambiental, já foi associado ao aumento de casos de linfoma não Hodgkin e alguns distúrbios neurológicos, relataram pesquisadores no International Journal of Environmental Research and Public Health.

Moral da história: os consumidores preocupados com a crescente utilização de transgênicos nos alimentos devem encarar o fato de forma mais sutil que a oposição cega. Em vez da rejeição por atacado, devem se dedicar a aprender o funcionamento da engenharia genética e os benefícios que ela pode oferecer agora e no futuro, conforme a mudança climática vai prejudicando cada vez mais a oferta de alimentos.

É preciso também avaliar o apoio a esforços que resultam em produtos seguros e apresentam melhorias em relação ao original, focando sua oposição sobre os menos desejáveis.

 

Fonte: Gazeta do Povo /AgroNegócio

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