Tradings temem ‘passivo’ de incerteza com frete

As tradings que atuam no mercado brasileiro de soja podem estar acumulando um “passivo” bilionário enquanto perdura o embate jurídico em torno da nova tabela de preços mínimos de fretes para o transporte rodoviário de cargas no País.

Ocorre que o escoamento da produção da safra 2017/18, em grande parte destinada à exportação, evolui a pleno vapor, e, segundo fontes do segmento, boa parte dos contratos de transporte fechados para tal está com valores mais baixos que os previstos na primeira tabela de fretes divulgada pelo governo.

O tabelamento está sendo contestado na Justiça por entidades setoriais como Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e Associação Brasileira da Indústria Brasileira de Óleos Vegetais (Abiove).

O Valor apurou que uma das grandes tradings de grãos presentes no Brasil calcula que, em seu caso, essa diferença entre os preços praticados nas últimas semanas e os previstos na tabela que está na berlinda já chegou a cerca de R$ 200 milhões. Outra empresa projeta o montante em R$ 100 milhões.

As maiores tradings de soja estabelecidas no Brasil, que lidera os embarques globais do grão, são multinacionais. Estão no rol companhias como Cargill, Bunge, ADM, Louis Dreyfus e Cofco International, entre outras.

Consultado sobre esse problema, André Nassar, presidente da Abiove, preferiu não estimar valores, mas confirmou que a grande preocupação das associadas da entidade atualmente é de fato esse “passivo”.

“Como a questão dos fretes continua indefinida, as empresas temem operar na ilegalidade”, disse. O segmento espera que do imbróglio jurídico resulte uma nova tabela, com valores mais baixos e adequada à realidade do transporte de soja e outros produtos agrícolas.

Mas caso a tabela publicada inicialmente pelo governo para encerrar a greve dos caminhoneiros prevaleça, haverá problemas, porque transportadoras poderão apelar à Justiça para reaver valores eventualmente perdidos.

Nesse caso, a emenda sairá pior que o soneto para as tradings, já que a nova regulamentação dos fretes rodoviários prevê multas de 100% sobre eventuais valores praticados abaixo dos pisos definidos para os fretes rodoviários, que, segundo tradings, elevam os custos de transporte de soja em 50%, em média.

Como já informou o Valor, a enxurrada de questionamentos judiciais que se seguiram à publicação da primeira tabela fez o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspender todas as ações e convocar uma audiência pública sobre o tema para o próximo dia 27.

Nesse contexto, a versão que só depende da sanção do presidente Michel Temer para virar lei continua engavetada e a “neblina” que prejudica a visão dos players que movimentam o carro-chefe do agronegócio brasileiro vai ficando mais densa.

Um executivo observa que, diante da forte demanda externa pelo grão brasileiro, sobretudo por parte da China, que está em guerra comercial com os EUA, e dos bons preços das cargas, também inflados pelo câmbio, é impossível esperar por uma definição dos valores mínimos dos fretes.

Em julho, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/MDIC), os embarques brasileiros de soja em grão voltaram a superar a marca das dez milhões de toneladas e a render mais de US$ 4 bilhões. Embora essas barreiras tenham sido ultrapassadas também em junho, são patamares historicamente elevados, o que acabou por elevar o “passivo” potencial dos fretes.

Cálculos da Abiove sinalizam que as exportações de soja em grão do país baterão novo recorde neste ano. O volume total deverá alcançar 73.5 milhões de toneladas, com uma receita equivalente superior a US$ 30 bilhões.

“Ninguém quer trabalhar na ilegalidade, e é claro que a possibilidade de uma empresa ser multada pelas diferenças de valores de fretes praticados preocupa. Como essa empresa vai se defender se for acionada judicialmente?”, questiona Nassar.

Circulam no mercado informações de que o mesmo problema está acontecendo em outras cadeias do agronegócio e mesmo em outros setores, mas, no momento, é difícil encontrar outro produto nas estradas do país com tanta frequência como a soja.

 

Fonte: Valor Econômico

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