Taxa argentina trava mercado de trigo

A retomada da estratégia argentina de taxar as exportações de produtos primários deixou a comercialização de grãos do país sem referência e travou os negócios. A paralisia ainda não provocou tremores nos mercados de soja e milho, por questões sazonais e pela relativa perda de relevância da Argentina no abastecimento global dessas commodities, depois de anos de “retenciones” praticadas pelos governos de Néstor e Cristina Kirchner.

No caso do trigo, contudo, se tornou motivo de preocupação para o Brasil, que traz do vizinho mais de 80% de suas importações, que cobrem 60% do consumo doméstico.

“Desde segunda-feira, não há preço do trigo argentino. Não sei se ficou mais caro ou mais barato”, disse Christian Saigh, presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Estado de São Paulo (Sindustrigo).

Acusado de “traidor” pelos agricultores argentinos que o apoiaram justamente pela promessa de retirada das tarifas de exportação, o presidente Mauricio Macri anunciou que os embarques de produtos primários passarão a pagar 4 pesos por dólar obtido, ao passo que os derivados desses produtos (farelo, por exemplo) serão onerados em 3 pesos por dólar.

As incertezas tumultuaram a vida inclusive das indústrias brasileiras que já haviam fechado contratos de importação de trigo argentino e estão apenas esperando pelo embarque. Ainda não está claro se o imposto sobre as exportações valerá para os embarques já licenciados, ainda que os exportadores sustentem que não.

Esses volumes têm como destinos, sobretudo países fora do Mercosul. Cargas de trigo argentino costumam chegar aos portos brasileiros o tempo todo, mas os picos de desembarques acontecem no início de cada ano, depois de comercializada a safra local.

“Há muita gente nessa situação. É o meu caso. Estou com trigo comprado para 60 a 90 dias”, afirmou Saigh, que também preside o Moinho Santa Clara. Antes de realizar o embarque, o exportador argentino precisa informar aos órgãos do governo volume, preço e país de destino. A partir da liberação, o exportador tem 90 dias para efetivar o embarque.

“O setor exportador da Argentina em geral não está fazendo nada. Licenças novas estão suspensas temporariamente até que se defina a nova metodologia”, disse Roberto Sandoli, analista da consultoria INTL FCStone.

Além de ser um país produtor importante, a Argentina prevalece como fonte de abastecimento de trigo do Brasil por não pagar Tarifa Externa Comum (TEC). No ano passado, as importações brasileiras de trigo argentino somaram quase US$ 1 bilhão.

Para Saigh, independentemente das políticas adotadas pela Casa Rosada, os moinhos brasileiros tendem a continuar precisando do cereal da Argentina, já que a oferta dos demais parceiros do Mercosul (Paraguai e Uruguai) não é suficiente para atender a demanda brasileira, e o produto de outras origens, como EUA, encara tarifas de importação.

“A falta de referência no mercado argentino também dificulta a formação dos preços do trigo brasileiro”, afirma o presidente do Sindustrigo. Como a colheita brasileira atende apenas uma parte da demanda dos moinhos, as cotações domésticas estão atreladas aos preços internacionais e às oscilações do dólar.

Nesse contexto, o segmento ainda não sabe avaliar se o seu custo de produção, que já vem em alta galopante por causa do câmbio, vai subir ainda mais. “De qualquer forma, a indústria continuará tentando repassar seu aumento de custos às empresas de alimentos e ao consumidor final”, disse Daniel Kümmel, presidente do Sindicato das Indústrias do Trigo do Paraná (Sinditrigo).

Para os argentinos, a transferência da alta de custos provocada pela taxação de Macri tem limite. A “barreira” é a cotação do cereal na Rússia, outro grande país produtor que, volta e meia, tenta ampliar as vendas ao Brasil.

Para Kümmel, o trigo russo é o maior concorrente do argentino atualmente no exterior. Segundo Sandoli, da FCStone, o preço do cereal estava em US$ 230,00 a tonelada até a semana passada na Argentina, e um repasse integral do imposto elevaria o valor a US$ 242,00. “Esse é o preço pelo qual a Rússia está vendendo o trigo dela. A Argentina já não conseguiria competir no Hemisfério Norte”, disse.

“Das 20 milhões de toneladas de trigo que a Argentina deve colher nesta safra, seis milhões devem ser consumidas no mercado doméstico, seis milhões tendem a ser destinadas ao Brasil e sobrarão mais oito milhões de toneladas para serem exportadas a outros destinos”, afirmou Sandoli.

 

Fonte: Valor Econômico

 

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp