Um encontro virtual de ex-ministros, economistas e políticos em torno do ex-ministro Delfim Netto, organizado pela Sociedade Nacional de Agricultura, expôs, semana passada, a grande preocupação do establishment com as incertezas que cercam a manutenção do teto de gastos e da política de austeridade fiscal com a criação do Renda Brasil — e a própria permanência de Paulo Guedes no governo.
Não houve, entre representantes do setor produtivo e do mercado, uma só voz contrária à criação do programa de renda — o que, há alguns anos, seria inimaginável — mas a defesa de que ele precisa “caber no teto” foi unânime.
Delfim Netto alertou: “No primeiro momento em que se romper o teto, as expectativas vão sofrer uma mudança dramática. Voltaremos à hiperinflação.” Para ele, o valor dos pagamentos do Renda Brasil não pode passar de R$ 300. “Se não tivermos a inteligência e a coesão social para enfrentar isso, com uma regra para o renda básica que caiba no orçamento, vamos entrar num sistema de absoluto descontrole”.
Ex-presidente do Banco do Brasil no atual governo e coordenador do debate, o economista Rubem Novaes questionou o risco de desorganização das contas públicas, observando que o presidente Jair Bolsonaro “parece
estar gostando da popularidade” trazida pelos programas sociais. “Há um temor de que se perca o que foi conquistado até o momento em relação à baixa nas taxas de juros”.
O sempre discreto ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira também expressou preocupação: “Estou vendo uma grande discussão sobre o montante do Renda Brasil. Repetir em tempo de normalidade os pagamentos emergenciais de R$ 600, razoáveis em tempos muito difíceis como os que passamos, é absolutamente inviável.
Escutamos também algumas fofocas sobre afastamento do ministro da Economia, o que no momento seria extremamente negativo. Tenho esperanças de uma melhoria na situação, mas acho, ao mesmo tempo, que há um risco muito alto.”
Delfim conectado
Aos 92 anos, Delfim Netto aderiu às lives e continua analisando a conjuntura com olhar agudo e observações afiadas. Impressões recentes:
“Essa semana vi o presidente (Bolsonaro) falar uma barbaridade sobre a proposta do Guedes de renda básica: ‘Esta eu não levo ao Congresso’. Ele não entendeu que não é para proteger quem ganha mais”.
“Não creio que estamos preparados para realizar uma reforma tributária hoje. Essas propostas que estão aí não vão a lugar nenhum, precisam ser muito mais discutidas. Até porque reforma tributária não é coisa para economista, é para grandes tributaristas. No que temos que nos concentrar agora é na reforma do Estado. Esta é urgente”.
“Essa proposta é muito interessante. Tem cara de CPMF, cheiro de CPMF e dizem que não é CPMF. Então eu não entendo o que é. Mas parece que ela tem todos os defeitos da CPMF”.
“Ela é uma ministra sensacional. Estamos vendo a maior confusão, todo mundo brigando, mas a agricultura vai em frente, suavemente, deslizando. Há uma grande briga na sala, mas ela está lá no seu cantinho, tomando champanhe” (sobre a Ministra da Agricultura, Tereza Cristina).
“O Trump nunca deu a menor confiança para o Bolsonaro, não deu nem uma balinha, nem um docinho para o Brasil. O que ele nos deu de benefícios? Nada. Vivemos uma desmoralização internacional, estamos abaixo de pau de galinheiro. Não muda nada” (sobre a possibilidade de vitória de Joe Biden nos Estados Unidos).
“O ministro Salles é uma tragédia. Mesmo quando faz a coisa certa, parece que está errada” (sobre o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles).
Acesse aqui a análise “À Deriva”.
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