Por Marcelo Sá
Equipe SNA
Um dos momentos mais delicados numa empresa de agricultura familiar é a transferência de poder, quando os gestores decidem se aposentar e delegar a seus sucessores os bens e decisões do negócio. Além dos desafios de ordem prática, como trâmites burocráticos e questões financeiras, há nuances de ordem pessoal que podem afetar essa transição, muitas vezes porque há diferenças culturais, de idade e experiência. Várias providências podem ser tomadas para que, na hora necessária, a passagem de bastão ocorra sem maiores sobressaltos, nem impacto negativo na produtividade.
Para começar, às vezes a força das circunstâncias impede um planejamento adequado. Tanto em pequenas propriedades quanto em conglomerados estabelecidos, o falecimento de figuras-chave faz com que o núcleo imediato de colaboradores assuma, às pressas, as atividades. Nas famílias, a falta do pai se mistura com a premência de tocar a produção, o que pode comprometer seriamente as perspectivas de êxito. Em grupos maiores, já há toda uma estrutura que acaba amortecendo aspectos alheios ao trabalho, bem como diretrizes de governança que amenizam a ausência ou afastamento dos gestores.
A tendência tem sido a de pequenos e médios produtores adotarem cautela semelhante, seja escolhendo e preparando com antecedência seus sucessores, seja modernizando seus métodos, de modo que gerações mais jovens já encontrem pelo caminho um cenário mais próximo de sua realidade. Registrar e organizar dados também dá ao futuro administrador uma dimensão clara e precisa da produtividade. Cabe, portanto, levantar todas as informações necessárias nesse sentido. O embasamento técnico e prático necessário para permanecer competitivo no campo é cada vez maior.
Tornou-se bastante comum que descendentes de agricultores, com a prosperidade arduamente conquistada por seus pais e avós, estudem nos grandes centros de pesquisa e fomento das principais metrópoles, para em seguida voltar às suas cidades natais e implementar os avanços que testemunharam. Assim, a tendência de êxodo rural, comum por décadas, passou por uma leve reversão em tempos recentes. As propriedades que entravam em declínio com o envelhecimento ou morte de seus pioneiros, sem que ninguém lhes sucedessem, hoje progridem com a energia e conhecimento dessa preparada juventude.
Cabe salientar também o aumento progressivo da presença feminina no setor, embora já fosse habitual que algumas assumissem as tarefas quando ficassem viúvas ou em outras situações específicas. Mas atualmente há profissionais capacitadas e com metas ambiciosas, que ajudam os pais no trabalho e, quando adultas, querem dar continuidade ao projeto, após se aprofundarem nos estudos. A tecnologia também tornou o maquinário mais acessível a elas, já que os equipamentos modernos já não demandam a força bruta de outrora.
O diálogo, contudo, segue como elemento chave, pois representa a boa comunicação entre os membros da família, que podem externar seus objetivos de integrar ou não o negócio. A longo prazo, os objetivos de cada um podem mudar, e é salutar que se respeite essa dinâmica, pois o próprio dia a dia de uma propriedade também está sujeito a ajustes.
A mudança de paradigma do que se convencionou chamar de agricultura familiar também contribuiu para que a sucessão se tornasse uma preocupação mais forte. Antigamente, essas propriedades eram conhecidas pela atividade-fim de subsistência. Com o tempo, passaram a obter um lucrativo excedente, que é reinvestido na cadeia produtiva e na educação das crianças que, como já dito, assumem o lugar dos pais. A preocupação em preservar e expandir o patrimônio aumenta de uma geração para outra, e consequentemente isso exige planejamento.
A participação desses núcleos no montante total do agronegócio brasileiro é substancial, muitas vezes servindo de incubadoras para inovações de plantio, adubo e manejo de rebanhos. Assim, tão natural quanto inevitável é que a sucessão deixe de ser assunto evitado para figurar nas conversas de milhares de famílias Brasil afora, como uma forma segura e planejada de garantir o bom andamento dos trabalhos, dentro e fora das porteiras.