Cereal conhecido por sua utilização na alimentação animal, o sorgo pode se tornar uma rica matéria-prima para fabricação de produtos alimentícios para humanos. Pesquisa realizada pela Embrapa Milho e Sorgo (MG) e parceiros selecionou genótipos (variedades) do cereal com grãos que contêm altos teores de ferro, zinco, proteínas, fibras e vitamina E, além de detectar a presença de compostos fenólicos com alta capacidade antioxidante, os quais podem auxiliar no combate a doenças crônicas como a obesidade, o diabetes e o câncer.
O sorgo (Sorghum bicolor L. Moench) é uma cultura utilizada como base alimentar em muitas partes do mundo. Na América do Sul, nos Estados Unidos e na Austrália, este cereal é utilizado basicamente na alimentação animal. Já na América Central, na Ásia e na África, seus grãos são usados também na alimentação humana para produção de farinha e de amido industrial, na fabricação de pães e biscoitos.
A nutricionista Valéria Aparecida Vieira Queiroz, pesquisadora da Embrapa Milho e Sorgo, ressalta que, embora o sorgo seja usado basicamente na alimentação animal no Brasil, ele vem despontando como alternativa altamente viável também na alimentação humana.
Alimentos sem glúten e corante natural
“Entre outras vantagens, por ser livre de glúten e possuir sabor mais suave, o sorgo poderá substituir o trigo na produção de alimentos gluten free e beneficiar indivíduos que têm algum grau de intolerância a essa proteína, especialmente, os celíacos. Adicionalmente, o sorgo é um cereal cujos grãos possuem diversas cores de pericarpo (camada que envolve a semente), do branco ao marrom, por isso, em algumas preparações, como nos produtos à base de chocolate, por exemplo, utilizando-se farinha de grãos de pericarpo marrom, pode-se dispensar o uso de corantes artificiais”, pontua a cientista.
Nutrição e saúde humana
Além desses benefícios, a pesquisadora chama atenção para o fato de algumas cultivares de sorgo possuírem altos teores de nutrientes e de compostos bioativos, com elevada capacidade antioxidante, que poderão contribuir com a promoção da saúde. Dentre esses compostos, podemos citar, além das fibras, as antocianinas, os ácidos fenólicos, os taninos e o amido resistente.
“Resultados de estudos científicos têm demonstrado que compostos isolados do sorgo, principalmente os fenólicos, modulam parâmetros relacionados às doenças crônicas não transmissíveis, como a obesidade, o diabetes, as dislipidemias, as doenças cardiovasculares, o câncer e a hipertensão”, explica Valéria.
A produção no campo também é vantajosa. Uma lavoura de sorgo demanda menor custo de produção e menor utilização de defensivos agrícolas que as de outros cereais convencionais, como o trigo e o milho. Esse fato poderá permitir redução dos custos para a indústria, além de favorecer a obtenção de grãos com menor contaminação com resíduos químicos.
Resultados das pesquisas
Em 2008, pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo iniciaram uma linha de pesquisa para estudar o potencial do sorgo como alimento humano. Em 2010, foi aprovado o projeto de pesquisa “Sorgo para alimentação humana: caracterização de genótipos quanto a compostos de interesse para a nutrição e a saúde humana e desenvolvimento de produtos sem glúten”.
A pesquisadora Valéria Queiroz ressalta que nesse primeiro projeto foram analisadas 100 linhagens de sorgo. Os resultados revelaram uma grande variabilidade quanto às características nutricionais e aos compostos bioativos do sorgo. Para todas essas características foram identificados genótipos com teores mais elevados de alguns nutrientes, como proteínas, fibras, vitamina E, ferro e zinco, bem como de amido resistente. “Foi verificada, também, uma elevada capacidade antioxidante, provavelmente em função dos altos teores de compostos fenólicos (taninos, ácidos fenólicos e antocianinas), amido resistente e aminas bioativas detectados em diversos genótipos. Esses genótipos estão sendo utilizados pela Embrapa Milho e Sorgo em cruzamentos visando o desenvolvimento de cultivares de sorgo com alto valor agregado que possam contribuir na promoção da saúde humana”, diz a cientista.
Segundo Valéria, atualmente, estudos com cobaias e intervenção com humanos, visando avaliar o efeito modulador do consumo de dietas contendo sorgo sobre processos relacionados a doenças crônicas não transmissíveis, estão em andamento na Universidade Federal de Viçosa. Resultados preliminares vêm comprovando o potencial desse cereal como ingrediente na indústria de alimentos funcionais.
Nesse primeiro projeto, foram desenvolvidos diversos produtos sem glúten, à base de sorgo, ao longo dos oito anos de pesquisa. São exemplos pães, bolos, biscoitos, barras de cereais, massas, bebidas funcionais, massa para salgados, doces, entre outros. “Esses produtos foram testados tanto em públicos de celíacos como em não celíacos e mostraram alto grau de aprovação entre os provadores. O resultado comprovou o potencial do sorgo na produção de alimento sem glúten”, ressalta a pesquisadora da Embrapa.
O trabalho foi iniciado há oito anos e conta com parceria da Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ), Embrapa Agroindústria Tropical (CE) e Embrapa Clima Temperado (RS), e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Viçosa (UFV), de São João del-Rei (UFSJ), de São Paulo (Unifesp), a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Perspectivas do estudo
Em 2015, foi iniciado um novo projeto, “Sorgo para alimentação humana – fase II: estabilidade de compostos bioativos, propriedades sensoriais, nutricionais e funcionais de novos produtos sem glúten”. Nessa nova etapa são parceiros, além da Embrapa Milho e Sorgo, a Embrapa Agroindústria de Alimentos e as universidades federais de Viçosa (UFV), de Minas Gerais (UFMG), de São João del-Rei (UFSJ), de São Paulo (Unifesp), a Universidade de Brasília (UnB) além da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Segundo Valéria Queiroz, essa nova fase da pesquisa pretende desenvolver, otimizar e avaliar novos produtos sem glúten, de elevada qualidade nutricional, sensorial e tecnológica, à base de sorgo integral, bem como avaliar a estabilidade e o potencial funcional de compostos bioativos de grãos integrais de sorgo em ensaios in vitro e in vivo. “As ações desse novo projeto visam confirmar o potencial dos grãos de sorgo na promoção da saúde humana e na segurança alimentar e nutricional, bem como gerar impacto social e econômico”, afirma a cientista.
Sorgo no Brasil
No Brasil, a área cultivada de sorgo granífero na safra 2014/2015 foi de 722.000 hectares, com produção de 2.06 milhões de toneladas de grãos. A produtividade média nacional está em torno de 2.800 toneladas/ha, na safrinha, período de semeadura em fevereiro/março, após a colheita da soja.
Dessa área plantada, as regiões Centro-Oeste e Sudeste respondem por mais de 88% da produção nacional de sorgo, mesmo assim as regiões Sul e Nordeste também têm mostrado investimentos em pesquisa e divulgação da cultura. Goiás é o principal estado produtor, com 41% da produção nacional, seguido por Minas Gerais (29%) e Mato Grosso (14%), de acordo com dados da Conab, em 2015. Veja na Figura 1 os principais estados produtores de sorgo granífero no Brasil, safras 2010 a 2012.
Segundo o pesquisador Cícero Beserra de Menezes, do Núcleo de Recursos Genéticos e Cultivares da Embrapa Milho e Sorgo, essa produtividade pode ser aumentada, se o agricultor seguir as recomendações técnicas de manejo, entre elas plantar na data certa, escolher bem a cultivar, usar adubos e defensivos. “Muitos produtores tecnificados colhem cinco toneladas por hectare, na safrinha. Além disso, se o sorgo for plantado no período entre outubro e novembro, a produção pode ser de até dez toneladas por hectare”, afirma Menezes.
Figura 1. Principais estados produtores de sorgo granífero no Brasil. Safras 2010 a 2012. Fonte: Conab, 2013.
No que se refere ao mercado de sorgo granífero, no País, os números são bem mais modestos, na safra 2014/2015, foram produzidos 2,055 milhões de toneladas (Conab). “Na África, o sorgo granífero é um componente importante da dieta alimentar humana, mas de forma geral o cereal é mais utilizado para alimentação animal ao redor do globo. No Brasil, o sorgo é utilizado quase exclusivamente para alimentação animal”, afirma o economista Rubens Augusto de Miranda, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo.
Por outro lado, a demanda para a produção de alimentos com sorgo para consumo humano, no Brasil, é incipiente. “Porém, o mercado já conta com o apoio técnico das pesquisas realizadas pela Embrapa e seus parceiros e com empresas privadas que já investiram neste segmento de produção de alimentos funcionais com o sorgo”, explica o analista Marcelo Dressler, da Embrapa Produtos e Mercado – Escritório de Negócios Sete Lagoas (MG).
Segundo Dressler, a oferta de grãos de sorgo beneficiados para a indústria alimentícia tende a crescer, bem como a oferta de farinha de sorgo. “A farinha de sorgo é uma interessante opção no mercado de alimentos funcionais, que beneficiam a saúde. Existe potencial de crescimento do seu mercado, com capacidade produtiva para atender a demanda e expectativa de valores acessíveis aos consumidores. Assim, a oferta e o consumo tendem a aumentar na medida em que houver mais divulgação dos produtos, tornando-os conhecidos e apreciados”, afirma o analista.
A empresária Luana Stein, da Farovitta, identificou no sorgo um grande potencial. “É um cereal sem glúten, altamente nutritivo e de fácil utilização na culinária”, considera. A empresa é parceira da Campofert e é alicerçada em pesquisas da Embrapa e de outros órgãos internacionais.
Fonte: Embrapa