SOLSTÍCIO, A VOZ ORACULAR DOS CÉUS. Por Evaristo de Miranda

 

Na sinagoga de Beth Alfa na Galiléia, um mosaico do século VI representa o zodíaco com seus doze meses e as quatro estações envolvendo o carro do sol. Cada povo tem sua maneira de medir o tempo. Nos tempos bíblicos não havia um calendário universal como nos dias de hoje. Havia sim, solstícios e equinócios. E hoje, por aqui, é tempo de solstício de inverno.

O ritmo do ano solar é o mesmo em toda a terra com variações conforme os países, latitudes, climas e estações em cada lugar. Variações espaciais e temporais a serem contempladas e não ignoradas. Como contemplar hoje a natureza e os céus? Como, a exemplo dos reis magos do Evangelho, ser capaz de ver no firmamento os sinais de Deus? O homem urbano nunca necessitou tanto de referencial cósmico e de tempo para sua contemplação.

Em Roma, as quatro estações – primavera, verão, outono e inverno – são bem diferenciadas. Em Israel, praticamente só existem duas estações: passa-se rapidamente da estação seca e quente (verão) para a estação úmida e fria (inverno) (Gn 8,22). Em boa parte do Brasil tropical, a temporalidade é parecida, duas estações bem definidas: uma seca e mais fria (inverno) e uma quente e úmida (verão).

As implicações dessa temporalidade sobre o calendário litúrgico e as festas religiosas são muito grandes. O cálculo do tempo sempre esteve ligado a religião e às suas festas. A base desses calendários sempre foi o caminhar do carro solar nos céus, tanto na sinagoga de Beth Alfa e em tantas catedrais e igrejas cristãs. Um ano solar corresponde ao período decorrido até o nascer do sol ocorrer de novo exatamente no mesmo ponto extremo na linha do horizonte de onde se distanciara. Esses pontos são conhecidos como solstícios (sol estaciona).

A riqueza simbólica dos eventos celestes acompanha o calendário agrícola, o ritmo da vida e da natureza, inspira festas e eventos religiosos. O solstício de inverno é o dia mais curto: 21/22 de junho no hemisfério sul, associado à fogueira e à festa de S. João. O de verão apresenta o dia mais longo: 21/22 de dezembro, associado ao nascimento de Cristo (triunfo da luz).

Pode-se introduzir, entre essas duas datas, dois momentos cosmológicos nos quais a duração do dia é igual a da noite: os equinócios (equi-noite, noite igual). O equinócio da primavera ocorre em 23 de setembro, associado a S. Mateus. O do outono, em 21 de março, associado a festa de S. José, o homem justo e equilibrado. Nesses dias de absoluto equilíbrio, em qualquer ponto da terra, o dia e a noite duram exatas doze horas. Quem reflete sobre essas datas nos dias de hoje?

No livro do Eclesiastes, um dos capítulos mais conhecidos é evoca o inexorável caminhar cosmológico do tempo: “Existe um momento para tudo e um tempo para cada coisa sob o céu. Um tempo para nascer e um tempo para morrer; um tempo para plantar e um tempo para arrancar a planta.” (Ecl 3,1). Essas certezas cosmológicas, constatadas empiricamente a partir dos ciclos solares e lunares levaram a tradição judaica e cristã a construir certezas espirituais e a ver no cosmos os sinais de Deus, como uma fala oracular permanente.

Em todas as civilizações os homens buscaram em modelos cosmológicos a sustentação para suas experiências de vida. Assistiam na terra e projetavam nos céus. A perfeição e beleza do Cosmos (da mesma raiz deriva cosmética!) se tornou, graças a uma matemática repetição dos sinais celestes (dia/noite; estações; fases da lua etc.), uma garantia de resultados para determinados processos pessoais e sociais. “Enquanto a terra durar, semeadura e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite nunca cessarão” (Gn 8,22).

Autor: Evaristo de Miranda, doutor em Ecologia, ex pesquisador da Embrapa e membro da Academia Nacional de Agricultura da SNA (https://evaristodemiranda.com.br/)
Edição de texto e imagem: Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb 13.9290)

 

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