Sob crítica, Embrapa prepara lançamento de feijão transgênico

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), estatal vinculada ao Ministério da Agricultura, pretende lançar ainda em abril o primeiro feijão transgênico do país, o que promete render mais polêmica de uma novela que já dura cerca de 15 anos.

Mesmo com o apelo econômico de elevar a rentabilidade dos agricultores, a semente geneticamente modificada enfrenta resistência no campo e nas cidades.

Produtores rurais e indústrias empacotadoras alegam que os consumidores terão receio de comer um produto transgênico destinado ao consumo final, diferentemente de soja e milho, que em larga medida são usados na ração. O setor produtivo também teme perder mercados no exterior.

A intenção da Embrapa é lançar uma oferta pública para selecionar parceiros que possam multiplicar a semente transgênica (BRS FC 401 RMD) no inverno deste ano para atender ao mercado na terceira safra de 2019/20, que começa a ser plantada em outubro.

Mais conhecida como RMD, a semente transgênica de feijão carioca, variedade mais comum no prato dos brasileiros, oferece como vantagem a resistência ao mosaico dourado, doença provocada por um vírus transmitido pela mosca branca. Quando infecta as lavouras, pode dizimar toda a produção.

O Brasil produz praticamente todo seu consumo de feijão. Na última safra (2017/18), foram colhidas 3.1 milhões de toneladas, sendo 60% da variedade carioca.

Por conta do potencial destrutivo do mosaico dourado, a Embrapa é enfática ao defender o grão transgênico. “O principal método de controle dessa doença é o uso de inseticidas químicos, com até 20 operações por safra, nem sempre com resultado satisfatório”, disse André Ribeiro Coutinho, chefe-adjunto de transferência de tecnologia da Embrapa Arroz e Feijão, ao Valor.

Cada aplicação de inseticida no feijoeiro chega a R$ 100,00 por hectare e espreme a margem dos produtores.

Entre os consumidores, porém, o termo “transgênico” é temido, indicou uma pesquisa global divulgada em janeiro pelo Instituto Ipsos. No mundo, metade dos consumidores afirmou ser contra alimentos geneticamente modificados. E 54% deles dizem que não comeriam transgênicos se pudessem. No caso brasileiro, 41% fizeram essa mesma afirmação. Para fazer a pesquisa, o Ipsos entrevistou 20.700 pessoas, sendo 1.000 no Brasil.

Por conta da resistência da população, um grupo de produtores representado pelo Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe) pressiona a Embrapa para evitar o lançamento comercial da cultivar.

“Será que as pessoas vão querer consumir? Não temos nada contra a biotecnologia, mas hoje não existe uma boa aceitação para esse produto. Muito pelo contrário. A tendência é que as pessoas busquem alimentos não transgênicos, de preferência orgânicos”, disse Marcelo Lüders, presidente do Ibrafe.

Em defesa do feijão transgênico, a Embrapa argumenta que a variedade teve seu genoma alterado para estimular uma reação da planta à infecção pelo vírus, mas nenhum gene estranho ao feijoeiro foi introduzido.

É uma situação diferente, por exemplo, da soja transgênica, que recebeu o gene de uma bactéria extraída do solo (Agrobacterium). “Isso precisa ser esclarecido ao consumidor. É seguro para a dona de casa, para o bebê, para todos”, defende Coutinho, da Embrapa.

Segundo o pesquisador, a variedade transgênica foi desenvolvida a partir do mecanismo do RNA interferente (RNAi) para inserir um fragmento de DNA derivado do vírus no genoma do feijão.

Quando o vírus transmissor da doença infecta a planta, esse gene interfere no processo de multiplicação viral, impedindo sua replicação e, por consequência, no aparecimento dos sintomas da doença. Como resultado, tem-se uma planta “vacinada”, disse o pesquisador.

Na avaliação do presidente do Ibrafe, porém, isso não é suficiente. Segundo ele, a semente de feijão desenvolvida pela Embrapa não é eficaz no controle do carlavírus, outro gênero de vírus que é transmitido pela mosca branca.

“A própria Embrapa já havia divulgado nota técnica admitindo”, disse Lüders. A Embrapa rebate a crítica dizendo que a carlavirose apenas ficou mais evidente nas lavouras após o combate ao mosaico e também defende que um bom manejo acaba com esse problema.

A descoberta do carlavirus, aliás, chegou a impedir, em 2016, o lançamento do feijão transgênico da Embrapa, que estava programado para o ano seguinte. Àquela altura, o RMD já havia obtido a aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). O aval do órgão que regula os transgênicos no país foi dado em 2011, após sete anos de trabalhos liderados por dois pesquisadores da estatal, Francisco Aragão e Josias Correia.

A partir da aprovação pela CTNBio, a Embrapa deu início às pesquisas para desenvolver uma variedade comercial, que ficou pronta em 2015. Dois anos depois, porém, os pesquisadores detectaram maior incidência de carlavírus e tiveram que abortar o lançamento das variedades. Na ocasião, 20 toneladas de sementes geneticamente modificadas estavam disponíveis para multiplicação, mas foram descartadas.

Além da baixa eficácia contra o carlavírus e da eventual resistência do consumidor brasileiro, o grupo de produtores de feijão liderado pelo Ibrafe avalia que a variedade transgênica pode frustar os planos de ampliar das exportações do país, ainda tímidas. Na safra passada, foram embarcadas 160.000 toneladas, cerca de 5% da produção.

Para Lüders, do Ibrafe, mesmo não exportando o feijão carioca, consumido apenas no Brasil, os importadores podem não aceitar.

“Não importa a variedade, é tudo visto como feijão brasileiro. E nossos concorrentes estão sempre esperando um erro para explorar”, disse ele, perguntando o porquê de produtores como Índia, China e Estados Unidos não terem se interessado em desenvolver o feijão transgênico, mesmo tendo as condições para tal.

Coutinho, da Embrapa, pondera que uma comunicação adequada faria os consumidores daqui e do exterior entenderem como foi feita a alteração genética e como estão preservadas as propriedades da semente e do grão.

 

Valor Econômico

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