SNA debate sobre sementes orgânicas, sustentabilidade e Direito Agrário

Rogério Dias, coordenador de Agroecologia do Ministério da Agricultura; Sylvia Wachsner, coordenadora do Centro de Inteligência em Orgânicos (CI Orgânicos/SNA), e Luiz Carlos Demattê, coordenador de pesquisas da Fundação Mokiti Okada, no primeiro painel do Green Rio. Foto: Cláudia Dantas

Um debate sobre o mercado de sementes orgânicas reuniu autoridades e especialistas na Marina da Glória, na quinta-feira, 11 de maio, durante o primeiro dia da conferência Green Rio 2017, no Rio de Janeiro. O painel foi organizado pelo Centro de Inteligência em Orgânicos (CI Orgânicos) da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), em parceria com o Planeta Orgânico, realizador do evento. Na sexta-feira (12), a SNA participou do painel “Sustentabilidade e Direito Agrário”.

O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues abriu a conferência, falando sobre a inserção do agronegócio no contexto da Bioeconomia.

“O Brasil ocupa uma posição privilegiada frente às possibilidades do novo mercado da Bioeconomia. Sua potencialidade está ligada à produção agropecuária competitiva e sustentável, à abundância de recursos naturais, à produção avançada de combustíveis renováveis e à biotecnologia dinâmica, inclusive na agropecuária”, disse ele.

De acordo com o coordenador da FGV-Agro, a Bioeconomia pode ser considerada um movimento recente no Brasil. “As ações do setor ainda são relativamente isoladas e não existe uma coordenação interinstitucional para englobar e articular as várias iniciativas existentes”.

Diante desse quadro, Rodrigues afirmou que o desenvolvimento da Bioeconomia no país envolve alguns desafios, entre eles, a necessidade de investimentos; a modernização e desburocratização do marco regulatório e ações de impacto na ciência, tecnologia e inovação. Ao final da palestra, o ex-ministro falou sobre a importância do cooperativismo e suas novas metas.

Estiveram presentes à abertura do evento, entre outros, Christino Áureo da Silva, secretário estadual da Casa Civil; Antonio Alvarenga, presidente da SNA; e Maria Beatriz Martins Costa, coordenadora do Green Rio.

 

O ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, falou na abertura da conferência sobre a inserção do agronegócio no contexto da Bioeconomia. Foto: Cláudia Dantas.

 

DAS ORIGENS AO MERCADO

O primeiro painel da conferência foi mediado pela coordenadora do CI Orgânicos, Sylvia Wachsner. Rogério Dias, coordenador de Agroecologia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), iniciou o debate traçando um painel histórico sobre as sementes.

“Há 12 mil anos quando surgiu a espécie humana, tudo o que havia para ser consumido eram alimentos, e os grãos eram parte desses alimentos. Os homens descobriram que aquilo o que consumiam, se fosse cultivado, se transformava em uma nova planta, e as espécies de seu interesse podiam ser multiplicadas. No momento em que os homens perceberam que podiam trabalhar as sementes e multiplicar as plantas, passaram de nômades a sedentários”, explicou Dias.

 

ADAPTAÇÃO

Em relação ao mercado atual de sementes orgânicas, o coordenador do Mapa salientou que hoje em dia há uma necessidade de investimento em sementes adaptadas, “pois são elas que podem dar uma resposta mais adequada ao sistema”. No entanto, segundo a legislação do setor, muitos produtores podem utilizar sementes convencionais para produzir orgânicos.

Participante do painel, Carlos Thomaz Lopes, diretor da Grãos Orgânicos, salientou que a utilização de sementes adaptáveis às regiões onde serão cultivadas favorecem o aumento da produtividade.

Ao abordar a questão da busca atual por alimentos mais saudáveis, Rogério Dias fez referência ao poder de escolha do consumidor, que, segundo ele, pode ter influência decisória no processo produtivo. Dias afirmou que hoje os consumidores podem ser considerados protagonistas no processo de produção e comercialização de alimentos.

 

De acordo com Luiz Rebellato, analista de agronegócios do Sebrae, “há grandes empresas produzindo sementes de forma não adequada às normas orgânicas”. Foto: Cláudia Dantas.

 

CENÁRIO

Ao traçar um quadro geral do setor de sementes orgânicas, Luiz Rebellato, analista de agronegócios do Sebrae, disse que “há grandes empresas produzindo sementes de forma não adequada às normas orgânicas”, acrescentando que “a legislação do setor às vezes atrapalha o processo de produção local, e a disponibilidade no mercado é restrita”.

“Quando se fala em sementes orgânicas, temos de levar em conta alguns aspectos importantes, como pesquisas, políticas públicas, assistência técnica, crédito e fomento à agricultura sustentável”, declarou Rebellato, que fez um breve apanhado da situação deste mercado em outros países.

“Nos Estados Unidos, se o produtor não tem acesso às variedades que ele precisa produzir, pode utilizar sementes não tratadas. Na Nova Zelândia o processo é parecido. Na Índia, apesar do alto custo e da baixa disponibilidade desses insumos, os agricultores familiares fazem um bom trabalho para produzir, selecionar e trocar suas próprias sementes”.

 

PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO

No caso do Brasil, Rebellato defendeu a criação de um banco de dados com informações sobre quem produz e onde encontrar sementes orgânicas. Além disso, afirmou que é necessário pensar como as pequenas empresas regionais, ou mesmo as entidades públicas, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por exemplo, podem atuar no processo de produção e comercialização de sementes.

Saber trabalhar o preço dessa produção é uma chave importante do mercado, afirmou o pesquisador científico Sebastião Tivelli, que atua como chefe de seção técnica na Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

“A partir da nova safra de milho orgânico que está sendo produzida este ano, ficou estabelecido que os preços de venda da semente convencional e da semente orgânica serão os mesmos. As sementes produzidas tanto por meio convencional ou orgânico passaram a ter tratamento orgânico”.

Para o pesquisador, é uma questão econômica. “O tratamento com terra de diatomáceas custa um terço do tratamento químico, e se mostrou tão eficiente quanto o não natural. Além disso, não oferece risco de contaminação para os funcionários. Percebo que esse equilíbrio entre mercado e preço é uma questão de tempo”, sinalizou.

 

Para o pesquisador científico Sebastião Tivelli, “saber trabalhar o preço da produção é uma chave importante do mercado”. Foto: Cláudia Dantas.

 

NOVA VISÃO

Custos à parte, na opinião de Rebellato, “é preciso também analisar como as empresas podem firmar parcerias para disponibilizar cada vez mais no mercado sementes de melhor qualidade, com preços justos e mais adequadas ao desenvolvimento da agroecologia e da agricultura orgânica”.

“Uma nova visão sobre o setor orgânico – que passa pelo interesse e comprometimento de empresas privadas, pela inserção de novos hábitos na sociedade e pelo incremento do número de produtores – tornará possível a implementação de iniciativas visando ao desenvolvimento do mercado de sementes orgânicas”, disse o analista.

 

PARTICIPAÇÃO EFETIVA

Por sua vez, Paulo Christians, coordenador do Comitê de Sementes e Mudas Orgânicas da Associação Brasileira do Comércio de Sementes e Mudas (ABCSEM), cobrou dos próprios produtores uma participação maior nas comissões de produção orgânica dos estados e em outros encontros do setor, para debater e propor mudanças na legislação.

Tivelli também concordou com a posição de Christians: “Não existe nada que funciona nesse país sem a pressão da sociedade, sem a participação dos produtores, dos consumidores e das instituições públicas. Precisamos também ocupar os espaços das universidades para que disponibilizem os bancos de sementes, que não estão sendo multiplicadas”.

 

POTENCIAL

Na visão de Luiz Carlos Demattê, coordenador geral do Centro de Pesquisa em Agricultura Natural da Fundação Mokiti Okada, a produção de sementes orgânicas é um grande desafio. “Temos um mercado em potencial, mas ainda longe de ser lucrativo. O que nos movimenta é essa brutal perda da biodiversidade dos sistemas convencionais de produção, em termos de oferta de variedades”.

Nesse sentido, a Fundação Mokiti Okada começa a comercializar sementes orgânicas certificadas. “A proposta é conscientizar os consumidores sobre as mudanças de hábito alimentar. Fazemos um trabalho focado nas decisões de compra, com o propósito de modificar a visão sobre os produtos adquiridos nos supermercados. A campanha ‘Horta Caseira’, por exemplo, incentiva a produção orgânica e natural”, explicou Demattê.

Por outro lado, o especialista reconhece que a legislação atual “apresenta uma série de conflitos e dificuldades para que o sistema orgânico de produção seja viabilizado”, mas também admite que as iniciativas e a participação dos envolvidos no processo de produção estão construindo um caminho para o setor, a fim de que os obstáculos sejam superados.

 

Frederico Price Grechi, presidente da Comissão de Direito Agrário e Urbanístico do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) destacou a importância do Sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Foto: Cláudia Dantas.

 

CONEXÃO

No segundo dia da conferência Green Rio, a ex-procuradora federal e diretora da Sociedade Nacional de Agricultura Maria Cecília Ladeira de Almeida; o advogado Frederico Price Grechi, membro do Conselho Fiscal da SNA e presidente da Comissão de Direito Agrário e Urbanístico do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), e Marcos Pavarino, coordenador-geral de biocombustíveis do ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), debateram questões relacionadas à sustentabilidade e ao Direito Agrário.

De acordo com a diretora da SNA, o Direito Agrário se conecta com a sustentabilidade ambiental de forma rigorosa. “A atividade agrária se realiza dentro de um ciclo agrobiológico, onde o homem sofre os ‘riscos correlatos da natureza’, e os efeitos que os caprichos da natureza impõem”.

Maria Cecília esclareceu que a legislação agrária sempre tangenciou a sustentabilidade ambiental, e citou como exemplos a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Terra e leis complementares. “Um dos quatro parâmetros da função social é a conservação dos recursos naturais. Os reflexos dessa conexão estão nos dispositivos sobre latifúndios, desapropriação para reforma agrária, zoneamento, tributação, colonização oficial, assistência social e contratos agrários”.

Frederico Grechi salientou que “é inerente à particularidade da disciplina do Direito Agrário a sua função social e econômica”, e que “na exploração da terra devem ser observados os princípios da produtividade, justiça social e proteção sustentável do meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

O advogado também chamou a atenção para o conceito de desenvolvimento sustentável, citado na resolução nº 41/128 de 4 de dezembro de 1986 como “um processo global, econômico, social, cultural e político que visa a melhorar continuamente o bem-estar do conjunto da população e de todos os indivíduos, embasado em suas participações ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na partilha equitativa das vantagens que daí decorrem”.

Nesse caso, explicou Grechi, “o ser humano é o sujeito central do direito ao desenvolvimento”.

 

SISTEMAS INTEGRADOS

A propósito da legislação, Grechi destacou ainda a lei 12.805, de 29 de abril de 2013, que instituiu a Política Nacional de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Entre outros objetivos, a lei melhora, de forma sustentável, a produtividade, a qualidade dos produtos e a renda das atividades agropecuárias, por meio da aplicação de sistemas integrados de exploração de lavoura, pecuária e floresta em áreas já desmatadas, como alternativa aos monocultivos tradicionais.

“Esta técnica pode ser aplicada aos produtores rurais, inclusive na agricultura familiar”, resssaltou o advogado.

 

Por equipe SNA/RJ

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp