Julia Guerra//
Enquanto a Câmara dos Deputados adia a decisão de autorizar a compra de terra por grupos estrangeiros, a presença desses investidores no país é cada vez mais efetiva, e isso vem tendo impactos reais no modelo de gestão do agronegócio. Um exemplo claro está ocorrendo na área de seguros. Mostra que qualquer esforço por abertura no país precisa ser mais amplo e observar as cadeias de negócios como um todo, e não apostar apenas em soluções pontuais.
Por anos, agentes do setor vem tentando mudar a cultura que colocou o seguro agrícola como mera contrapartida, empurrada aos produtores na mesa do gerente bancário, no momento da assinatura do financiamento da próxima safra. Nem produtos com custo mais baixo, cobertura mais ampla e aspectos inovadores, como cláusulas de indenização por questões climáticas, foram capazes disso. A mudança está ocorrendo na esteira da chegada dos estrangeiros.
Grandes tradings, principalmente de países asiáticos, e fundos de investimentos estrangeiros entram nas operações não por meio da compra de terras, mas com participações em sociedades de propósitos específicos. No mercado de capitais, soluções como os Certificados de Recebíveis Agrícolas (CRAs) também têm sido mais valorizadas à medida que incorporam soluções de seguro que dão mais garantias aos investidores.
Independentemente do modelo, o certo é que esses novos investidores requerem um modelo operacional muito mais sofisticado. Geram um apetite por seguro no agronegócio que não havia no Brasil e que vamos ter de correr para suprir.
Um exemplo emblemático é o gargalo que está surgindo no ramo de risco de crédito para o agronegócio. Apenas uma seguradora no Brasil opera com esse tipo de produto. Como as primeiras demandas surgiram justamente dos maiores clientes, rapidamente toda a capacidade dessa seguradora, que não é pequena, foi ocupada.
Ficaram sem alternativa não apenas médios e grandes clientes do setor que começam a perceber a importância desse tipo de proteção, mas também tradings chinesas, empresas russas, enfim, muitos dos novos players que estão chegando ao mercado brasileiro.
A solução que existe é a de buscar capacidade também no exterior. Essa capacidade existe. A despeito da crise econômica que o Brasil enfrenta, e do risco de quebra de safra em algumas culturas por razões climáticas, o agronegócio brasileiro é um dos mais vigorosos do mundo e atrai interesses de investidores em todas as suas etapas.
O desafio é modelar soluções que atendam às regras do mercado brasileiro de seguros e resseguros.
Mesmo com a capacidade tomada, a existência de uma solução local acaba por impor restrições à busca de outras alternativas, calcadas em capacidade e modelagem externa. É preciso abrir canais entre o agronegócio e os reguladores do setor de seguros e resseguros para viabilizar soluções a fim de eliminar esses gargalos que, no limite, podem até afetar o interesse dos investidores estrangeiros pelo setor no país.
*Julia Guerra é médica veterinária com MBA em Business Management, mestre em agronegócio pela Fundação Getúlio Vargas, bacharel em Propaganda e Marketing e diretora de agronegócio da JLT Brasil.
Fonte: Globo Rural