‘Saída Norte’ gera mudanças em Paranaguá

A migração de parte do escoamento de grãos do Centro-Oeste para a chamada “Saída Norte” do país deflagrou um processo de reavaliação de posições e ativos em Paranaguá, segunda mais importante porta de saída para as exportações brasileiras de soja, depois de Santos. A expectativa é que o porto paranaense registre queda expressiva no volume de grãos embarcados quando toda a infraestrutura logística prevista para o Pará e para o Maranhão estiver completa. A tendência é de queda também no porto paulista, mas menos impactante.

Segundo o diretor-presidente da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa), Luiz Henrique Dividino, a intenção de sua gestão é se antecipar ao aumento da concorrência e partir para a especialização – um caminho que, ele acredita, deverá ser adotado também por outras administrações portuárias. “Já estamos nos preparando para uma eventual migração, ainda que não seja tão grande quanto estão falando”, afirmou ele ao Valor. “Nosso futuro está na especialização e em produtos de valor agregado”.

Um mapeamento logístico estratégico para a Amazônia Legal, realizado pela consultoria Macrologística a pedido do governo federal, mostra que a inclusão de um eixo de transporte para o Norte mexerá de forma significativa com os volumes de grãos escoados para Sul e Sudeste. Só Paranaguá perderia 6 milhões de toneladas no intervalo de dez anos. “Nossa estimativa é que haja um recuo das 17 milhões de toneladas de grãos da safra 2012/13 para 11 milhões em 2022/23”, disse Renato Pavan, diretor da Macrologística. No caso de Santos, a queda estimada é de 23 milhões para 21 milhões de toneladas na mesma comparação.

O presidente da Appa, porém, reiterou que esse efeito não ocorrerá. Dividino lembrou que só 18% da soja movimentado por Paranaguá – foram 7,4 milhões de toneladas em 2013 – vem de Mato Grosso e 10% do total chega de Mato Grosso do Sul. “Da soja que embarcamos, 72% é do Paraná”. Ao mesmo tempo, disse, o espaço aberto por essa alteração de rotas traria o efeito colateral positivo de permitir uma melhor administração de armazenagem, algo impossível quando se opera no limite.

Uma das principais apostas é a segregação de produtos. Especificamente farelo de soja, de acordo com o rebanho de destino – bovino, caprino ou para salmão, todos com diferentes padrões de proteína e umidade. “O que interessa mais: exportar soja em grão ou farelo de soja? Farelo. Custa US$ 1.300 a tonelada e tem mercado garantido”. Para 2014, a Abiove, entidade que representa indústrias de óleos vegetais instaladas no país, estima que o preço médio dos embarques de soja em grão ficará em US$ 500 e prevê US$ 450 para a mesma quantidade de farelo.

Dividino afirmou que Paranaguá deverá ganhar importância também em açúcar, cujas exportações pelo porto somaram 3,5 milhões de toneladas em 2013. Ainda que Paranaguá não vá desbancar Santos como maior canal de escoamento de açúcar – Cargill e Copersucar, agora juntas em uma joint venture que as alavancou para a liderança no comércio global da commodity, estão fortemente posicionadas ali -, especialistas concordam com Dividino. “Estimamos que o açúcar poderá crescer 50% nos próximos 20 anos em Paranaguá. Será um porto com vocação ‘açucareira'”, diz Rodrigo Paiva, da Mind Estudos e Projetos. Paranaguá também tende a elevar a movimentação de contêineres no futuro, já que está perto de polos de itens industrializados.

Considerado atualmente o melhor filão para investimentos portuários, o Norte brasileiro tem atraído a atenção da iniciativa privada, que deverá injetar até R$ 5 bilhões em estações de transbordo de carga nos rios amazônicos, na expansão e criação de novos terminais marítimos e, ainda, em armazenagem.

Grandes grupos do agronegócio se posicionaram em Miritituba, às margens do rio Tapajós, e nos portos públicos de Barcarena, no Pará. Há grandes expectativas também no rio Tocantins. No Maranhão, um novo terminal portuário deverá ser inaugurado em janeiro e somará uma capacidade anual de escoamento de 10 milhões de toneladas de grãos para atender ao nordeste de Mato Grosso e à região conhecida como “Mapitoba” (Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia).

“É natural que os investimentos estejam focados lá, porque é onde está a nova fronteira agrícola. E a competição com os demais portos vai aumentar e forçá-los a se modernizar para ganhar eficiência”, disse Wilen Manteli, diretor -presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP). A eficiência será crucial. Entre outras coisas, significa acesso terrestre e marítimo facilitados e boa infraestrutura geral, de modo a atrair empreendimentos e compensar uma redução prevista de 34% nos custos do frete pelo Norte devido ao percurso mais curto.

Por ora, Paranaguá ainda preserva grandes vantagens. A mais importante delas talvez seja o frete de retorno de fertilizantes, que gera economia nos custo de transporte. Paranaguá movimenta uma média de 10 milhões de toneladas de fertilizantes ao ano e tem capacidade estática de 3 milhões de toneladas.

Nilson Hanke Camargo, assessor técnico e econômico da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Paraná (Faep) e membro do conselho de administração de Paranaguá, disse que os portos do Norte não terão condições de trazer grandes volumes de fertilizantes nos próximos 15 anos. “Em Paranaguá, temos dois berços de atracação só para fertilizantes, correias que reduzem o tempo de descarregamento dos produtos e estrutura de armazenamento específica. Tudo isso leva tempo para ser feito e custa caro”, afirmou.

E Dividino, da Appa, reforçou que investimentos continuam sendo feitos em Paranaguá. “Estamos fazendo a lição de casa, independentemente do governo federal”. Ele citou a expansão do pátio para carretas e a construção de mais armazéns, que acrescentará 380 mil toneladas à capacidade de armazenagem do porto paranaense. Enquanto isso, Paranaguá aguarda uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a construção de um pier para atender o corredor de exportação. Se sair do papel, outros quatro berços de atracação serão construídos.

Tudo isso para enfrentar o futuro que se aproxima, disse ele, e, quem sabe, atrair de novo os sojicultores do Paraguai, que preferiram a calmaria do rio da Prata e sair para a China via Argentina.

 

Fonte: Valor Econômico

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