O clima era de festa na fazenda de Jader Bergamasco na tarde de 3 de fevereiro. As chuvas que caíam naquele sábado em Campo Verde, no sul de Mato Grosso, não esfriavam o ânimo da família do produtor, que cultiva grãos e algodão. Das potentes caixas de som de uma caminhonete 4 x 4, sucessos sertanejos de todos os tempos embalavam um churrasco que certamente iria longe.
Depois de finalizar a colheita da soja que cultivou na temporada de verão desta safra 2017/18, os Bergamasco refizeram as contas e viram que, apesar das margens mais apertadas do ciclo anterior, foram recompensados por mais uma safra recorde da oleaginosa em suas terras, a segunda consecutiva. E o crescimento foi garantido pela produtividade das lavouras, que subiu de 60 sacas por hectare para 64, um patamar difícil de ser alcançado.
Mas não foi apenas na propriedade de 1.600 hectares dos Bergamasco que a produção de soja surpreendeu. Tanto que a Agroconsult, que realiza em 2018 a 15ª da expedição técnica Rally da Safra, a convite da consultoria, o Valor participou do trecho identificado no mapa abaixo, já considera provável que a colheita nacional supere em 2017/18 o recorde de 2016/17 (114.1 milhões de toneladas). Na época do plantio, as projeções sinalizavam queda.
O aumento, se confirmado, acontecerá a despeito do atraso generalizado na semeadura e de problemas atualmente provocados pelas chuvas nos trabalhos de colheita em alguns polos do país. “Aqui não adianta eu querer achar problemas. Sou agricultor, não posso culpar o clima ou a falta de apoio do governo ou do sindicato se algo dá errado na minha lavoura. Neste ano a safra foi muito boa”, disse Jader Bergamasco naquele sábado chuvoso e festivo do início de fevereiro.
Há 18 anos Jader deixou sua terra natal, Foz do Iguaçu (PR), e arrendou os 1.600 hectares onde está até hoje em Campo Verde. Não se arrependeu do negócio fechado “entre uma consulta e outra” com um médico de São José do Rio Preto (SP). Nem sempre as coisas caminham bem, mas os últimos anos têm sido positivos.
O agricultor Marco Antônio Campos não teve a mesma sorte. Enfrentou mais percalços, mas também não se queixa. Ele cultiva soja e milho e tem uma granja em Mineiros, no sudoeste goiano, região que responde por 42% da produção de soja do Estado, e acredita que a produtividade média de suas lavouras deverá cair de 61 sacas por hectare, em 2016/17, para 58.
“A gente vê que a soja está com um porte menor. Tivemos muitos dias nublados. Mas isso não quer dizer que vou produzir menos”, disse Marco Antônio. Apesar dos dias nublados, Cristiano Palavro, consultor técnico da Federação de Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), afirmou que o clima em geral foi favorável e que a produção estadual de soja deverá se manter em torno de 10.8 milhões de tonelada em 2017/18.
“Estamos com um leve atraso na colheita, mas o clima colaborou e acredito que a produtividade ainda tem espaço para crescer. Se isso acontecer, vamos revisar esse número da produção”, disse Palavro.
Nos últimos dias de janeiro, o Valor visitou fazendas do sudoeste de Goiás e do sudeste do Mato Grosso, onde predomina o plantio de soja precoce, e constatou que boa parte das plantações estava com soja “verde”, em uma época em que o normal seria ver as colheitadeiras em ação. A culpa foi do atraso do plantio.
Em boa medida, o arsenal tecnológico à disposição dos produtores facilita a superação de adversidades climáticas. E nos grandes polos do Centro-Oeste os grandes produtores estão capitalizados e são cada vez mais profissionais.
Jader Bergamasco e Marco Antônio Campos fazem parte desse grupo. Apostam na eficiência de suas propriedades, e para isso investem em infraestrutura e pesquisas para identificar a melhor variedade a ser plantada. Seus radares dizem quando vai chover, softwares os ajudam a identificar pragas. E os preços praticados nos principais mercados estão na palma da mão, em seus celulares.
Diluem-se as perdas e maximizam ganhos, os investimentos dos agricultores têm servido para amenizar eventuais sobressaltos nas economias locais provocados por supersafras ou quebras. E nos municípios que o Valor esteve a convite do Rally da Safra 2018, era perceptível que essa “profissão agricultor”, movida a tecnologia, está valorizada.
Com mais uma safra cheia, as oficinas mecânicas estavam lotadas de máquinas para manutenção ou reparos e o movimento em lojas, hotéis e restaurantes era intenso. “E quem não encontra lugar para trabalhar na cidade está doido por um empreguinho na fazenda. Meu telefone não para de tocar”, disse um produtor de Mato Grosso que preferiu não se identificar para não receber ainda mais ligações.
“Agora, meu principal objetivo nesse negócio é não depender mais de dinheiro de banco. Só assim vou poder me livrar dos custos altíssimos na minha propriedade”, disse Pedro Bravin, produtor em Primavera do Leste (MT) que faz parte da Cooaprima, cooperativa que reúne agricultores da região.
Bravin está entre os médios e grandes produtores do Centro-Oeste que querem tomar cada vez menos financiamento em bancos, indústrias ou revendas de insumos e ganhar poder de barganha na compra de insumos e na venda da produção. Essa tendência tem se revelado, por exemplo, na expansão dos silos mantidos em fazendas, comuns ao longo de 90 quilômetros da BR-364 entre Rio Verde e Jataí, maior polo produtor de grãos de Goiás.
No caso dessa maior procura por projetos de armazenagem, o crédito rural colocado à disposição pelo governo nas linhas do Programa de Construção de Armazéns (PCA) foi bem-vindo. Tanto que os desembolsos dobraram nos sete primeiros meses da safra 2017/18 (julho do ano passado ao último mês de janeiro), para R$ 437 milhões.
Mas nem tudo são flores. Uma das principais preocupações diz respeito ao escoamento da produção. Já há problemas da BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), e nos trechos mais esburacados da rodovia houve filas de caminhões que transportam grãos na semana passada.
“O atraso na colheita vai concentrar muito caminhão na rodovia, e a safra poderá ser bastante tumultuada no recebimento e expedição de grãos este ano”, disse o executivo de uma grande operadora logística coma atuação em Mato Grosso.
Outro problema é que, se para a soja em geral haverá retorno para os investimentos, para o milho safrinha, cultivado em áreas ocupadas pela soja na temporada de verão, o sinal é amarelo, em parte por causa do atraso da colheita da oleaginosa.
Márcio Andrade, gerente comercial da Tropical Sementes, da região da Serra da Petrovina, nos arredores de Rondonópolis (MT), afirma que a empresa até vai manter a área plantada com o cereal em 2018, mas usará menos fertilizantes. “Não vamos usar semente de milho de ponta. Por mais que a gente tenha uma margem apertada, às vezes até no vermelho, agronomicamente falando temos que plantar, mas neste ano só vamos começar em março”, disse.
Fonte: Valor