A bancada ruralista intensificou as articulações para dar novo impulso a uma proposta que provoca divisões no próprio setor do agronegócio: a regulamentação da venda de terras para estrangeiros.
A iniciativa consta de um projeto de lei apresentado em maio pelo senador Irajá Abreu (PSD-TO), que nas últimas semanas realizou um périplo na Esplanada dos Ministérios e no Palácio do Planalto para reduzir as históricas resistências de militares e outros setores do governo.
Embora a equipe econômica tenha uma orientação liberal, na campanha eleitoral o próprio presidente Jair Bolsonaro disse ser contrário à venda de terras para estrangeiros. Suas críticas se dirigiam principalmente à China. Agora, no entanto, entidades do segmento agropecuário estimam que a abertura desse mercado possa gerar investimentos de R$ 50 bilhões por ano.
“Esse projeto pode ajudar a agropecuária brasileira sem deixar janelas para que se tenha a invasão de fundos soberanos de outros países ou concentração de terras”, disse ao Valor a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que sempre apoiou a compra de terras por empresas estrangeiras.
“Tem gente que ainda não quer, mas o PL (projeto de lei) é conservador e traz limites para a compra. Agora vamos trabalhar para vencer as resistências que o GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República) nos levantou”.
Em estágio inicial de tramitação, o projeto está na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). Após a votação do parecer do relator, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a proposta seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa em regime terminativo.
Ou seja, se aprovada e não houver apresentação de recurso, seguirá diretamente para a Câmara dos Deputados, sem passar pelo plenário do Senado. Caso seja aprovado pela Câmara, o texto será então enviado para sanção presidencial.
Segundo o Valor apurou, até agora a liderança do governo no Senado ainda não foi orientada pelo Palácio do Planalto sobre o tema.
O senador Irajá Abreu, integrante da bancada do agronegócio, esteve recentemente com os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Infraestrutura, Tarcísio Freitas. Reuniu-se também com governadores e com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A ideia também foi apresentada ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e ao senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filhos do Presidente da República.
Na semana passada, foi levada pela ministra da Agricultura para uma audiência com o ministro do GSI, Augusto Heleno. “A reunião foi proveitosa e o objetivo foi atingido: discutir o tema e nivelar conhecimento. Isso ajudará a tramitação do projeto no Parlamento”, informou a pasta por meio de sua assessoria de imprensa.
Na reunião, o senador detalhou as “travas” que incluiu no texto com o objetivo de limitar a posse e a concentração de terras por empresas estrangeiras, proteger o bioma amazônico e a faixa de fronteira, além de restringir a atuação de fundos soberanos estrangeiros que tenham mais de 10% de participação acionária em empresas brasileiras. Em todos esses casos, será necessária uma aprovação do Conselho de Defesa Nacional.
De acordo com o texto, estrangeiros não podem possuir áreas rurais que ultrapassem 25% do território total de um município. E pessoas da mesma nacionalidade não poderão adquirir mais do que 10% da área rural.
“Há um interesse econômico grande no assunto por conta do momento de crise, e sentimos um ambiente governamental e político favorável ao projeto. Para comprar terra no Brasil, o estrangeiro terá de abrir empresa aqui, gerar empregos aqui e cumprir nossas leis trabalhistas”, destacou Irajá Abreu. “Essas travas são para não promover concorrência desleal com os produtores brasileiros”, complementou o senador.
Apesar da mobilização política, o tema ainda enfrenta obstáculos até dentro do próprio setor de agronegócios. Grandes empresas ou produtores de grãos, como o ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi, são contra.
Eles defendem limites para propriedades com cultivo de soja e milho, por exemplo, e temem o aumento do preço da terra, um impeditivo à expansão de seus negócios. Já pequenos produtores veem uma oportunidade para a valorização de suas propriedades e um potencial aumento de liquidez desses ativos.
Além do setor florestal em especial, que vislumbra grande aporte de fundos estrangeiros para investimento em áreas no Brasil, os bancos também são grandes defensores do projeto. As instituições financeiras estrangeiras reivindicam executar terras de produtores em caso de inadimplência de crédito rural, o que é vedado hoje pela legislação brasileira.
Em 2010, um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) praticamente inviabilizou a compra e o arrendamento de terras por estrangeiros no país. Mas desde 2015 os ruralistas intensificaram as articulações para destravar o tema no Congresso, mas resistências sobretudo do Ministério da Defesa travaram o andamento de projetos anteriores. O tema foi retomado agora por Irajá, filho da ex-ministra da Agricultura e também senadora, Kátia Abreu (PDT-TO).
Para o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), é preciso fazer um trabalho “muito benfeito” de convencimento dentro do próprio setor e junto ao Executivo para vencer possíveis resistências.
“Esse PL com algumas emendas é um belo instrumento para regulamentarmos a compra de terras de tal maneira que o capital estrangeiro não seja só dono de terras”, afirmou. “Se estrangeiro pode comprar hospital e montar fábrica no Brasil, por que o setor do agronegócio não? Não pode ter preconceito.”
Valor Econômico