Rondônia já tem o boi mais disputado do país

Reconhecimento de Rondônia como área livre de aftosa com vacinação estimulou instalação de frigoríficos
Reconhecimento de Rondônia como área livre de aftosa com vacinação estimulou instalação de frigoríficos

 

O boi mais disputado hoje do Brasil está pastando a quase 3 mil quilômetros de distância do porto de Santos, a principal porta de saída da carne bovina brasileira para o exterior. Ele fica em Rondônia, cravado no bioma amazônico, onde a disputa por cada cabeça tornou-se tal que o preço do animal abatido no Estado já é o que mais rápido se aproxima do valor cobrado no mercado-referência de São Paulo.

Com condições climáticas favoráveis à criação, terra mais acessível e declarada livre de aftosa com vacinação desde 2003, Rondônia consolidou-se na última década como um novo polo de investimento do setor. Há hoje no Estado 20 estabelecimentos frigoríficos com inspeção federal – grande parte com habilitação para exportação – e um rebanho que deverá ultrapassar novamente este ano as 12 milhões de cabeças.

Âncora da economia no processo de colonização do Norte, a madeira perdeu espaço para a pecuária em termos de importância para o Estado. Quase 40% do PIB de Rondônia depende da atividade. Com abertura do mercado externo, grandes frigoríficos como JBS, Minerva e Marfrig, entraram no território, em muitos casos comprando unidades locais já existentes.

“Rondônia era o pior lugar para vender boi, proporcionalmente”, afirma Maurício Palma Nogueira, sócio e coordenador de pecuária da Agroconsult. “Hoje, a densidade de frigoríficos é muito alta”.

“É certamente o boi mais disputado do país”, acrescenta Fernando Sampaio, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).

A pecuária não é uma atividade nova na região. No processo de ocupação da Amazônia, nos anos 70, a floresta era derrubada para incentivar a entrada do boi e, posteriormente, dos grãos – um capítulo da história brasileira norteado pela máxima do governo militar de “integrar para não entregar a Amazônia [aos estrangeiros]”.

Diferentemente de outros Estados produtores, Rondônia tem alguns atributos que chamaram a atenção da indústria de carne. Um deles é o clima favorável. As pastagens que entrecortam a floresta crescem aos borbotões devido à combinação de um período de chuvas que se estende por até dez meses do ano e ao calor, que apressa a fotossíntese do capim. Outra vantagem é a maior regularização fundiária – algo que o Pará, também grande produtor de bovinos do bioma amazônico, não tem. E isso, claro, aliado ao preço da terra – cinco vezes mais barata que no Sudeste.

“Se no Centro-Oeste a média pluviométrica é de 1.800 milímetros de chuva por ano, em Rondônia vai para 2.200, 2.500 milímetros”, afirma Leonel Almeida, gerente de Pecuária da Marfrig Global Foods, que em 2006 adquiriu duas plantas no Estado, em Chupinguaia e Rolim de Moura, com abate de 350 mil cabeças por ano. Não é insignificante para a Marfrig, diz o executivo. “Representa 15% do abate total da companhia”.
Nada disso faria diferença, no entanto, sem a inclusão de Rondônia na zona livre de aftosa com vacinação, em 2003, na esteira do que já vinha ocorrendo em outros Estados brasileiros desde 2000. A abertura para o comércio global foi vital para dar fôlego ao setor. Ao mesmo tempo, acirrou a competição com as demais regiões produtoras ainda não contempladas com a liberação para exportar – caso de algumas áreas do Pará.

A guinada da pecuária foi constante e quase homogênea. Mas em alguns municípios já há discrepâncias que saltam aos olhos. Segundo o IBGE, Jaru tem 55 mil habitantes e 436 mil cabeças de boi. Em Chupinguaia, onde a Marfrig está posicionada, a proporção é de 228 mil bois para 9,8 mil pessoas.

Toda essa movimentação acabou por estreitar o chamado “diferencial de base” do boi – o preço negociado nas principais praças do país. Segundo a Scot Consultoria, a arroba do boi gordo subiu de R$ 78,04 (valor médio) para R$ 122, 54 em São Paulo entre 2009 e 2014 (janeiro a agosto). No mesmo período, saiu de uma média de R$ 66,48, e para R$ 106,98 no Norte de Mato Grosso, de R$ 69,57 a R$ 110,10 em Paragominas (PA) e de R$ 67,17 a R$ 114,79 em Rondônia. Ou seja: o boi “rondoniense” se valorizou mais que os animais abatidos no restante da Amazônia Legal.

“De modo geral, os Estados mais distantes de São Paulo têm encurtado a diferença de preços”, diz Hyberville Neto, da Scot. E o que números mostram é que em Rondônia isso tem ocorrido mais rápido.

Em 2013, o Estado foi responsável por quase 9% de toda carne bovina exportada pelo Brasil – 70% do que foi abatido ali embarcou para 33 países. O restante abasteceu grandes mercados do Sudeste.

Com 12 milhões de cabeças de bois contabilizadas em 2013, Rondônia ainda está bem atrás de Mato Grosso (28 milhões) e Pará (18 milhões de cabeças). Mas especialistas acreditam que há forte potencial de expansão da atividade.

O que ambientalistas se questionam (e o setor de carnes tenta se cercar) é se essa expansão se dará de modo sustentável ou se a história econômica da região continuará a ser contada à custa da floresta.

Fonte: Valor Econômico

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp