Revista Oeste: O Brasil pode se livrar da dependência externa de fertilizantes?

Congressistas e membros do Executivo discutem a possibilidade de o Brasil diminuir sua dependência das importações de fertilizantes e defensivos agrícolas essenciais para as atividades do agronegócio. Analistas ouvidos por Oeste dizem ser possível reduzir essa dependência a longo prazo, mas não será viável acabar com ela durante a crise atual.

O debate ocorre em meio à crise global de fertilizantes, que pode tornar o preço dos alimentos ainda mais alto no Brasil em 2022 e causar desabastecimento e fome em países mais vulneráveis economicamente.

Atualmente, as importações de fertilizantes atendem a 76% da demanda nacional a um custo aproximado de R$ 56 bilhões ao ano, segundo relatório de outubro da consultoria Cogo, especializada em agronegócio.

Entre os maiores exportadores de fertilizantes para o Brasil estão China, Rússia, Marrocos, Arábia Saudita, Catar e Estados Unidos. A China já restringiu as exportações desses produtos para impedir a alta de preços dos insumos em seu mercado interno. A Rússia estuda adotar a mesma medida.

Os preços de fertilizantes com base em potássio, fósforo e produtos nitrogenados vêm batendo recordes no mercado internacional devido a fatores como o aumento do preço da energia, a crise nos transportes marítimos e sanções econômicas impostas pelas potências ocidentais a Belarus — um dos grandes produtores mundiais de potássio.

Por causa disso, parlamentares e o governo brasileiro cogitam a possibilidade de aumentar a produção local. O tema foi debatido na última quinta-feira, 28, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado. A ideia é criar um Plano Nacional de Fertilizantes para fazer com que o país, uma das maiores potências mundiais no agronegócio, não fique dependente de fornecedores estrangeiros em crises como a atual.

Mas será possível acabar com a dependência de fornecedores externos? Analistas ouvidos por Oeste disseram acreditar que não. Porém, eles afirmaram ser benéfico incentivar a produção local para reduzir essa dependência.

O Brasil não possui minas de potássio e fósforo necessários para atender à demanda interna por insumos agrícolas. As reservas que eventualmente poderiam suprir o consumo estão localizadas na Região Amazônica, onde há uma série de restrições para mineração, segundo Felippe Serigati, coordenador do mestrado profissional em agronegócios da Fundação Getulio Vargas.

Já os chamados fertilizantes nitrogenados são feitos a partir de derivados do petróleo — que o Brasil produz. O governo do presidente Jair Bolsonaro foi criticado na atual crise de fertilizantes pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) e por parte da imprensa porque a Petrobras desativou a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen), que funcionava no Paraná. O fato ocorreu em 2019, antes da crise, como parte da política da Petrobras para focar esforços na área de combustíveis.

A operação da Fafen estaria dando prejuízos. Outra planta de fertilizantes em Sergipe foi arrendada para a iniciativa privada.

Fertilizantes podem incentivar mercado de gás natural

A produção dos fertilizantes nitrogenados está vinculada à disponibilidade de gás natural barato. Segundo economistas ouvidos por Oeste, em teoria a alta nos preços dos fertilizantes poderia ser usada como um estímulo para o mercado de gás natural do Brasil.

Para o economista Luciano Losekann, da Universidade Federal Fluminense, as usinas termelétricas consomem esse tipo de gás de forma significativa no Brasil, para a geração de energia. Um aumento na produção de fertilizantes nitrogenados poderia favorecer o crescimento do mercado de gás.

O economista Márcio Fortes, professor da Faculdade Ibmec Rio e diretor da Sociedade Nacional de Agricultura, afirmou que atualmente o Brasil passa por um processo de abertura dos serviços de transporte de gás natural, que antes eram monopólio da Petrobras.

“Você pode reduzir os preços do gás com a concorrência de empresas privadas e isso pode ser um incentivo para a produção de fertilizantes nitrogenados no Brasil”, afirmou.

Mas os dois analistas concordam que esse tipo de medida tem um tempo longo de maturação e não vai resolver a crise atual. O lado positivo seria deixar o Brasil menos dependente desse insumo. “Nenhuma proposta resolve o problema agora. Nós continuaremos dependentes de importação”, afirmou Fortes.

Os analistas ouvidos pela reportagem disseram também que só será possível produzir fertilizantes de qualquer tipo no Brasil se os custos de produção forem competitivos em relação ao mercado internacional, pois se trata de uma commodity cujo preço é estabelecido nos mercados estrangeiros.

Aumento do ICMS pode elevar ainda mais os custos da produção agrícola

Outro ponto que vem preocupando parlamentares e entidades ligadas ao agronegócio é a perspectiva de elevação do imposto ICMS para fertilizantes a partir do ano que vem. Ela ocorrerá devido a mudanças no chamado Convênio 100/97, uma medida que reduzia impostos para a comercialização interestadual de insumos agrícolas.

Segundo Renato Conchon, coordenador do Núcleo Econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a comercialização interestadual dos insumos será taxada de forma escalonada em 1% no ano que vem, atingindo o patamar de 4% até 2025.

Na prática, a medida é um estímulo à produção nacional, pois o imposto também vai encarecer as importações de fertilizantes. As empresas misturadoras de fertilizantes já pagavam 4% de imposto de importação e terão de pagar mais 4% para vender o produto em diferentes Estados.

Ele afirmou que a CNA é favorável ao estímulo à produção local, mas não a partir da oneração das importações. “Estamos preocupados com essa alteração. Pode parecer que é um aumento pequeno, mas o que preocupa é o momento atual de alta dos preços dos fertilizantes e desvalorização cambial.”

O governo já possui um grupo de trabalho interministerial em atividade desde o início do ano para criar um Plano Nacional de Fertilizantes — documento que o governo federal prometeu apresentar em breve.

O senador José da Cruz Marinho, o Zequinha Marinho (PSC-PA), autor do pedido de audiência pública realizada na quinta-feira 28, afirmou que a intenção dos parlamentares é pressionar o governo por um programa de produção local de insumos, tanto para fertilizantes como para defensivos agrícolas — que também já sofrem com escassez no mercado internacional.

Os analistas afirmaram ser improvável que o Brasil enfrente um cenário de escassez de alimentos, mas os preços de insumos agrícolas e alimentos devem subir ainda mais em 2022.

“O Brasil é autossuficiente em alimentos, é capaz de alimentar 20% da população do mundo. A questão é como os produtores exportadores vão lidar com isso”, disse Fortes.

Segundo ele, os produtores rurais tenderão a exportar sua produção para lucrar com preços elevados dos alimentos no mercado internacional. Por causa disso, os preços internos devem subir e, para controlá-los, possivelmente o governo vai ter de reduzir impostos de importação de alimentos.

 

Revista Oeste

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