Vinte dias após o fim da greve dos caminhoneiros, que paralisou o mercado de combustíveis do país na segunda metade de maio, impedindo as vendas de cerca de 300 milhões de litros de etanol hidratado, o consumo do biocombustível segue aquém do esperado por analistas e participantes desse mercado.
A lentidão desta retomada é ainda mais frustrante para os produtores de etanol porque o biocombustível está consideravelmente mais competitivo que a gasolina nas bombas dos principais polos consumidores pelo menos desde o fim de abril. O etanol torna-se mais vantajoso para a média da frota brasileira de veículos flex quando é vendido nos postos por um valor abaixo de 70% do preço da gasolina.
Antes da paralisação dos caminhoneiros, quando o consumo de etanol vinha registrando níveis bem maiores do que em 2017, a consultoria INTL FCStone estimava que o volume das vendas do produto em maio seria de 1.36 bilhão de litros e, em junho, de 1.4 bilhão de litros. Agora, João Paulo Botelho, analista da consultoria, avalia que, embora os volumes sigam acima do ano passado, a projeção para maio certamente não foi alcançada, enquanto a tendência é que os motoristas não consumam todo o volume previsto para este mês.
Um trader, que prefere não se identificar, esperava antes que as vendas de etanol hidratado fossem alcançar ao menos 1.5 bilhão de litros neste mês, mas agora acha que “dificilmente” esse volume será alcançado. Para maio, ele esperava vendas de 1.6 bilhão de litros, mas acredita que o número ficou em 1.3 bilhão de litros.
Apesar do arrefecimento, essas vendas, se confirmadas, ainda serão maiores do que em 2017. A base de comparação, porém, é fraca, já que houve mudanças na tributação dos combustíveis em julho do ano passado que favoreceram a competitividade do etanol.
O dado das vendas de maio será divulgado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) no fim de junho.
Uma das explicações para a dificuldade de retomar e acelerar a venda de etanol é a mudança do comportamento do consumidor, segundo um trader. Ele compara a recente crise de abastecimento de combustíveis às já vividas no país com energia elétrica e água, que “mudaram o padrão de consumo da população”.
Já Tarcilo Rodrigues, presidente da comercializadora Bioagência, pondera que a mudança do comportamento dos consumidores ocorreu de forma mais concentrada no fim da greve, no início de junho, quando os motoristas correram aos postos para abastecer seus tanques com gasolina. “Os motoristas que usavam etanol, por falta do produto, abasteceram com gasolina e ficaram com o tanque cheio”, disse.
Para Botelho, mesmo os donos de carros flex, que tinham opção, preferiram inicialmente abastecer com gasolina porque esta rende mais do que o etanol.
Outro fator que deve atrasar a retomada das vendas é a Copa do Mundo, segundo um trader. Ele estima que, nos meses de junho em que ocorre o campeonato, quando muitas empresas reduzem a atividade e chegam até a dar folga aos funcionários, o consumo de etanol caia 3% ante a média dos mesmos meses dos anos anteriores.
Rodrigues acredita que as vendas de etanol devem se normalizar nesta segunda metade de junho e, no mês, devem superar as vendas de abril, uma vez que o produto está mais competitivo do que a gasolina do que dois meses atrás.
Já Botelho avalia que a retomada do ritmo de vendas deve ser observada em julho, com a perspectiva de que o etanol ganhe mais competitividade nos postos nas próximas semanas. Na semana passada, o indicador Cepea/Esalq para o etanol hidratado (recebido pelas usinas paulistas) caiu 2,8%, para R$ 1,6491 o litro, revertendo cinco semanas de valorização. Essa queda, avalia, deve levar duas a três semanas para chegar nas bombas.
Para Leonado Gadotti, presidente da Plural (associação que representa as maiores distribuidoras de combustíveis do país), a retomada do consumo de etanol após a greve é mais lenta porque “a economia toda está dando uma parada”. “As expectativas para o PIB estão menores e isso tem reflexo no consumo e renda das famílias, que é o que movimenta as vendas de combustível”, disse Gadotti.
Comercialização direta gera divergência
A venda direta de etanol das usinas aos postos é vantajosa em uma análise regional, principalmente em São Paulo, onde tanto a produção quanto o consumo do combustível são elevados. No entanto, em diversas regiões do país, a necessidade de investimentos para as usinas chegarem a pontos de venda seria muito alta e inviabilizaria a venda do etanol. A avaliação é do coordenador do Grupo Esalq-Log, José Vicente Caixeta Filho, em artigo sobre as propostas legislativas que querem permitir a venda direta aos postos.
Um estudo do coordenador técnico da Esalq-Log, Thiago Guilherme Péra, divulgado no começo do mês, mostrou que a venda direta do etanol em São Paulo poderia reduzir os custos logísticos em 30%.
Mas Caixeta observa, no artigo, que São Paulo não é o retrato do país. “As usinas não têm logística suficiente para chegar aos milhares de postos espalhados pelo Brasil, não há infraestrutura para muitas regiões, como dutos, ferrovias e bitrens”, disse.
Segundo ele, das 341 unidades produtoras de etanol em 292 municípios do país, 47% ficam em São Paulo, 17% em Goiás e 10% em Mato Grosso. O resto é residual. Segundo ele, “a necessidade da cadeia de suprimentos do etanol ter o envolvimento efetivo do agente de distribuição é importante para o ganho de eficiência em escala nacional”. Isso porque há fatores como gestão de estoques do etanol, eficiência na alocação da frota e economia de escala na contratação de fretes. Além disso, disse, muitas distribuidoras têm instalações que se integram com canais de distribuição de outros combustíveis, possibilitando economias de escala no transporte.
Ele também observa que a dependência do transporte rodoviário mostrou-se preocupante recentemente, com a greve dos caminhoneiros. Assim, defende, o ideal seria o país investir em dutovias. Em 2017, foram movimentados cerca de 2 bilhões de litros de etanol nas dutovias, apenas 8% da produção total.
O sistema dutoviário para o transporte de etanol no Brasil está em operação desde 2013. A dutovia começa em Uberaba (MG), passa por Ribeirão Preto (SP), Paulínia (SP), Barueri (SP), Guarulhos (SP), Guararema (SP), Volta Redonda (RJ), Duque de Caxias (RJ) e termina em Ilha d’Agua (RJ).
Caixeta destaca que o modelo de distribuição de etanol vigente no país, que consiste na comercialização usina-distribuidora-posto, tem características importantes, como negociações em grandes volumes, otimização de fretes e relacionamento comercial.
Com um cenário de venda direta, admitindo-se que o consumo de cada município ficasse estável, cada usina deveria assumir o papel de distribuidora e atender 123 postos na média em 15 municípios diferentes, disse Caixeta.
Defensor da possibilidade de venda direta de etanol aos postos, Alexandre Lima, presidente da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana), diz que a medida também beneficiaria o Nordeste e estima uma redução de ao menos R$ 0,20 por litro no preço final do etanol hidratado na região.
Renato Cunha, presidente do Sindaçúcar/PE, argumenta que a maior parte das usinas da região está próxima ao litoral, onde também está concentrado o consumo de combustíveis, o que reduziria o custo com frete para os postos.
Lima afirma ainda que a venda direta não necessariamente ocorreria em toda a safra. Na época de entressafra, o abastecimento da região poderia continuar a partir de Goiás e São Paulo, hoje os principais Estados fornecedores, disse.
Fonte: Valor