Resíduo da castanha-do-Brasil pode virar bioplástico

O bioplástico originado a partir das cascas do fruto e das sementes da castanha-do-Brasil é uma alternativa escalável e de baixo carbono ao plástico derivado do petróleo. E, o melhor, poderá começar a ser produzido no Amazonas já em 2024, contribuindo para responder a um dos maiores desafios ambientais contemporâneos, que é a substituição do produto tradicional e não biodegradável, intensivo em emissões de carbono desde o início de sua produção até o fim do ciclo de vida.

A Fundação WTT (World Transforming Tecnologies) estima que a produção de bioplástico na Amazônia poderá resultar em receita de R$ 20 milhões nos três primeiros anos. De acordo com a instituição, o novo o produto tem potencial de gerar renda de R$ 4,8 milhões para as comunidades envolvidas e redução de mais de 300 toneladas de CO2 emitido na cadeia de valor da castanha no mesmo período.

Numa previsão conservadora, a WTT prevê que o bioplástico pode substituir até 18% da produção de polipropileno convencional produzido no Brasil já no terceiro ano de sua chegada ao mercado, informa a instituição ao Carbon Report.

O projeto

A WTT, o Programa Prioritário em Bioeconomia (PPBio) e o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) estão entre as instituições que desenvolvem o projeto “Bioplástico – formação de cadeia produtiva para pré-processamento de resíduos orgânicos para uso na produção de bioplástico”. A iniciativa está em curso há cerca de um ano, por meio de uma parceria inovadora entre empresas, ONGs e pesquisadores de universidades, e entra agora na fase montagem da cadeia de produção.

O maior obstáculo para a fabricação de bioplásticos ainda é o fato de a matéria-prima natural custar até o triplo da que é utilizada na fabricação do plástico convencional. A biodiversidade da região amazônica pode, no entanto, ser a chave para a solução desse problema e mecanismo para o desenvolvimento de um bioplástico inovador e com melhor impacto socioambiental.

Teste da bioindústria

Começa agora a formação da primeira cadeia estruturada de utilização do chamado ouriço da castanha para a produção de bioplástico. O ouriço é uma espécie de coco que armazena as sementes da castanheira, atualmente considerado um resíduo, sem aproveitamento dentro da cadeia produtiva. Apenas as sementes são comercializadas para consumo e o restante é descartado.

Para estabelecimento dessa bioindústria, os próximos passos são a consolidação do galpão para o processamento inicial do ouriço em uma associação de produtores agroextrativistas no município de Lábrea, assim como a validação da logística de transporte para Manaus. Além disso, serão adquiridos os equipamentos e feitas as adaptações para testes.

Posteriormente, deverá começar a produção do bioplástico em escala industrial, no Polo Industrial de Manaus. A previsão é de conclusão do projeto no início de 2024.

“Foi na cadeia produtiva da castanha que identificamos uma maior segurança de produção, de sustentabilidade ambiental e de retorno para as comunidades. Encontrar uma cadeia com essas características foi um desafio, porém foi gratificante porque a gente sabe que ela vai funcionar e vai trazer retorno para as comunidades ribeirinhas que já trabalham com castanha”, explica Marcus Biazatti, coordenador técnico do Idesam.

Cinco comunidades do município de Lábrea estão envolvidas na etapa inicial de coleta e beneficiamento, mas há mais de 30 interessadas em integrar o projeto.

A produção extrativista da castanha no Amazonas, em 2021, foi de 11,7 mil toneladas, liderada pelo município de Humaitá, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O manejo viabiliza geração de renda para os locais, enquanto promove conservação de grandes extensões de da floresta.

Guia de boas práticas

Para orientar o desenvolvimento da produção em escala comercial, o PPBio e Idesam acabam de lançar o “Guia de boas práticas para coleta e pré-processamento de resíduos orgânicos para uso na produção de bioplástico”. Nele, estão contempladas todas as etapas de produção no campo, na usina de beneficiamento e na indústria de biopolímeros. Em cada uma delas acontece um processo de tratamento ou beneficiamento para viabilizar o uso do ouriço como insumo na cadeia de produção de bioplásticos.

“O desenvolvimento de pesquisas disruptivas voltadas para bioprodutos valoriza a sociobiodiversidade da Amazônia, gera valor para negócios comunitários da floresta em pé e leva a matéria-prima local para a indústria em escala. Isso é fundamental para a geração de renda local e inclusão social”, destaca Joanita Karoleski, presidente do Fundo JBS pela Amazônia.

Existe uma gama de utilizações para o bioplástico: protetores, embalagens, tampas, alças, recipientes. Além disso, está inserido na perspectiva da bioeconomia, priorizando a conservação dos biomas e o desenvolvimento socioeconômico das comunidades amazônicas envolvidas na coleta e preparação do material.

“O biocompósito totalmente biodegradável é classificado assim devido à origem natural de sua matriz polimérica e de seu reforço, sendo biodegradável ao meio ambiente por microrganismos, enquanto o biocompósito parcial ainda tem a matriz derivada do petróleo”, explica o professor Roger Bello, um dos participantes da iniciativa.

Parceria inovadora

O PPBio foi instituído pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) como estratégia de diversificar e impulsionar investimentos no contexto da política de incentivos fiscais. Abrange soluções para o desenvolvimento econômico sustentável da biodiversidade, gerando novos negócios, produtos ou serviços para a bioeconomia amazônica.

A iniciativa é liderada pela WTT, organização latino-americana focada em inovações tecnológicas de impacto socioambiental que iniciou em 2022 o trabalho de campo, pesquisa e articulação entre organizações. Tem o suporte financeiro do Fundo JBS pela Amazônia, do PPBio e da política pública da Suframa coordenada pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam).

Enquanto o Idesam dedicou-se a mapear a cadeia produtiva adequada para a produção do bioplástico, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) esteve focada na pesquisa e desenvolvimento das formulações do bioplástico, de modo a garantir que ele atenda às demandas técnicas e econômicas da indústria.

No âmbito da pesquisa científica, os pesquisadores da UEA atuam no laboratório da Escola Superior de Tecnologia (EST) com uma equipe de docentes da universidade, bolsistas, voluntários e professores de outras instituições. O processo envolve a trituração e moagem do material para que, em seguida, possam ser feitos os testes experimentais com o objetivo de encontrar a quantidade exata de material necessária.

“Ao reduzirmos o consumo do plástico comum, estamos pensando na sustentabilidade. Esse projeto é interessante pelo fato de estarmos unindo quatro vertentes nesse esforço: a academia, o governo, a indústria e a comunidade. É um exemplo claro do conceito da hélice quadrupla de inovação”, explica o professor do curso de Engenharia de Materiais da UEA e coordenador de pesquisa do projeto, Roger Bello.

O projeto também conta com a participação da professora Michele Rigon Spier, pesquisadora da Universidade Federal do Paraná, e do professor Pedro Campelo, da Universidade Federal de Viçosa. A equipe foi reunida de forma a garantir a complementaridade de expertises.

No cenário da indústria, o projeto estabeleceu uma parceria estratégica e operacional para a produção em escala comercial do bioplástico com a TutiPlast, empresa localizada no Polo Industrial de Manaus e que há 25 anos atua em soluções de injeção plástica.

O Idesam realiza a gestão tecnológica, administrativa e jurídica dos projetos instituídos pelo PPBio, construindo pontes entre as empresas investidoras e o ecossistema de inovação em bioeconomia – negócios de impacto social e ambiental, startups e Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs) públicas e privadas – credenciados pelo Comitê das Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento na Amazônia (CAPDA).

A pegada de carbono do plástico tradicional

De acordo com o relatório Perspectivas Globais de Plásticos (Global Plastic Outlook), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Organisation for Economic Co-operation and Development – OECD), a poluição plástica está crescendo implacavelmente à medida que a gestão de resíduos e a reciclagem ficam aquém. A publicação calcula que a produção global de plásticos dobrou de 2000 a 2019, atingindo 460 milhões de toneladas, sendo responsável por 3,4% das emissões globais de gases de efeito estufa.

A geração de resíduos plásticos chegou a 353 milhões de toneladas no período, diz o relatório. Apenas 9% foi reciclado, 19% incinerado, 50% acabou em aterros sanitários e 22% ficou de fora dos sistemas de gerenciamento de resíduos, indo parar nos lixões. Nestes locais, o lixo plástico é queimado a céu aberto ou acaba em ambientes terrestres ou aquáticos. A estimativa da OECD é de que haja 30 milhões de toneladas de lixo plástico nos mares e oceanos, e outros 109 milhões nos rios.

Já o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) calcula que, entre 1950 e 2017, foram produzidas cerca de 9,2 bilhões de toneladas de plástico no mundo e mais de 75% já se tornaram lixo. Isso pode levar os plásticos a representarem de 10% a 13% do total de emissões de CO2 até 2050, o equivalente a 56 gigatoneladas de carbono, diz o relatório Afogamento em Plásticos – Lixo Marinho e Resíduos Plásticos Gráficos Vitais (Drowning in Plastics – Marine Litter and Plastic Waste Vital Graphics).

Por Mariza Louven
Fonte: Carbon Report
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