Após ter experienciado um período de bonança no início da década passada, quando se discutia a possibilidade de a economia estar se aproximando do chamado pleno emprego, mais recentemente, o desemprego voltou a assolar a população brasileira. Pode-se dizer que esta é uma constatação amplamente reconhecida pelo público em geral, em vista de sua ampla veiculação, mas, principalmente, de seus efeitos sobre o consumo e bem-estar, que se fizeram sentir diretamente pelas famílias.
Concomitantemente, no mercado de trabalho brasileiro, viu-se o crescimento da importância de uma figura: o trabalhador por conta própria. Atualmente, a categoria é composta por cerca de 25,2 milhões de trabalhadores. Essa categoria costuma ser associada aos autônomos e aos trabalhadores empreendedores.
Contudo, muito se discute sobre os elementos que suscitam o recente crescimento de sua participação na economia. Enquanto, de um lado, se tem uma parcela que se lança ao empreendedorismo a partir da percepção de oportunidades de negócios, outra recorre ao empreendedorismo por necessidade (ou por sobrevivência). Além disso, entende-se que mudanças institucionais, como aquelas promovidas pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), e estruturais, a exemplo do advento de tecnologias que criaram um novo modelo de negócios – que despertaram um debate acerca do chamado fenômeno da “Uberização” – também exercem influência sobre o crescimento do contingente de trabalhadores por conta própria”.
Conhecer o perfil desses trabalhadores é uma tarefa relevante. Tem-se, nisso, uma importância socioeconômica. Aqui, busca-se cumprir esta tarefa, contudo, estabelecendo um recorte específico: trabalhadores por conta própria cuja atividade principal esteja ligada à agropecuária brasileira – o segmento primário ou “dentro da porteira”. Esse grupo é formado por aproximadamente 3,6 milhões de pessoas, o que representa cerca de 18% do total de trabalhadores do setor.
Seis atividades reúnem mais de 75% dos postos de trabalho por conta própria, com destaque para a atividade classificada como “Outras lavouras”, que responde por pouco menos de um terço do total. Nesta atividade estão reunidas diversas culturas de menor representatividade na produção agrícola total, como mandioca e banana, entre várias outras. Em segundo lugar, está a bovinocultura, em que se alocam 25% dos trabalhadores, seguida da pesca, do cultivo de cereais, de hortifrutícolas e de café.
A partir das características sociodemográficas desses trabalhadores, é possível apontar um perfil médio: homens nordestinos com ensino fundamental incompleto. Dito de outra forma, essa síntese releva a predominância dessas características nesta população. Do total de trabalhadores, cerca de 83% são homens, 34% estão no Nordeste e 56% não chegaram a concluir o ensino fundamental.
Regionalmente, percebe-se outra característica interessante: enquanto os trabalhadores do Norte e do Nordeste atuam majoritariamente na atividade denominada “Outras lavouras”, no Sul e no Sudeste predominam bovinocultura, fumicultura, sojicultura, cafeicultura.
Outra característica que chama a atenção é o baixo grau de instrução ou escolaridade desses trabalhadores: os indivíduos sem instrução formal e com ensino fundamental incompleto representam, juntos, pouco mais de dois terços do total. É razoável supor que a essa atuação surja como uma alternativa ao desemprego. É possível, ainda, que esses trabalhadores destinem parte de sua produção para o consumo próprio e de seus familiares, o que é bastante comum na agropecuária. Por outro lado, este não deve ser o caso daqueles que têm maior grau de escolaridade – e, portanto, melhores condições econômicas.
Em geral, essas informações sugerem que, tal como se verifica no restante do mercado de trabalho do País, existem desigualdades consideráveis no acesso a recursos e a informações, nas condições de trabalho e, principalmente, nos rendimentos destes indivíduos. Considerando os dados mais recentes, os rendimentos da categoria situam-se, em média, em torno de R$ 1,7 mil, sensivelmente abaixo dos rendimentos dos empregadores, cuja média é de aproximadamente R$ 8,3 mil, segundo última divulgação do Cepea.
Apesar disso, comparativamente aos anos anteriores, a média de rendimentos cresceu – em 2016, por exemplo, era de R$ 1,4 mil (a preços de fev/2023). Essa tendência aconteceu, inclusive, entre 2020 e 2021, quando do recrudescimento da pandemia da covid-19. Paralelamente, o grau de concentração desses rendimentos se intensificou. Em outras palavras, o crescimento dos rendimentos se deu desproporcionalmente entre os trabalhadores. Para se ter uma ideia, no início deste ano, cerca de 10% desses trabalhadores (aproximadamente 360 mil pessoas) ganhavam até R$ 200 por mês.
Essas caracterizações, ainda que preliminares, levam a outro questionamento: estes trabalhadores são empreendedores por ambição ou por imposição? O que se entende, no entanto, é que esta resposta irá depender das condições de cada trabalhador, pois, ainda que se defina um recorte específico, como neste caso, ainda haverá grande heterogeneidade, que requer investigações detalhadas. Significa, portanto, que o perfil dos trabalhadores por conta própria da agropecuária é plural.
Por Gabriel Costeira Machado
Fonte: CEPEA