QUANTAS PESSOAS JÁ VIVERAM NA TERRA? Por Evaristo de Miranda

A agricultura foi essencial ao sucesso da humanidade. Com a expansão da agricultura, da disponibilidade de alimentos e o surgimento das primeiras vilas, veio o crescimento populacional. Foto ilustrativa: Pixabay
“Se seu único instrumento é um martelo,  tudo parece um prego”                                                                    Provérbio japonês

Como foi calculado o total da humanidade?

Neste planeta já nasceram mais de 117 bilhões de seres humanos, incluindo os 8,1 bilhões vivendo hoje na Terra. Os cálculos são deToshiko Kaneda e Carl Haub, demógrafos do PopulationReference Bureau (PRB) dos EUA. A agricultura foi essencial ao sucesso da humanidade. Não existe um registro civil global com a lista de todas as pessoas nascidas desde a existência da humanidade. Óbvio. Como foi calculado esse total de humanidade? E como a agropecuária está associada a esses números?

Para estimar quantas pessoas já viveram neste planeta é preciso determinar três fatores: o tempo da presença humana na Terra; o tamanho médio da população em diferentes períodos da história e o número de nascimentos por 1.000 habitantes em cada um desses períodos. Essa estimativa não depende do número de mortes.

Quando surgiu a humanidade? Os hominídeos mais antigos surgiram há 7 milhões de anos. As primeiras espécies do gênero Homo surgiram há mais de 2 milhões de anos. Evidências atuais apontam o aparecimento do Homo sapiens há pelo menos 190.000 anos. Essa data foi a considerada para começar as estimativas, com uma população inicial de duas pessoas. Cerca de 140 mil anos depois, 8 bilhões de humanos já haviam existido na Terra. Há 50 mil anos, a população mundial foi estimada em 2 milhões de pessoas. O Homo sapiens originou-se na África e vários grupos viveram em diferentes locais durante os primeiros dois terços da história humana.

Os alimentos

Por volta de 8.000 a.C., a população mundial era de aproximadamente 5 milhões de indivíduos e já haviam nascido e existido quase 9 bilhões de humanos. Foram 40.000 anos para passar de 2 para 5 milhões de habitantes. Em plena Revolução do Neolítico, os humanos já cultivavam grãos como trigo, cevada, arroz e feijão, desenvolviam diversas técnicas e tecnologias e haviam domesticado o cão, o carneiro ou a cabra. Humanos passaram de nômades a pastores, horticultores e agricultores, com o conceito de propriedade privada. Surge a economia de produção: os humanos do Neolítico sabem produzir os alimentos necessários à sua sobrevivência, graças à criação de animais e ao cultivo da terra.

Com a expansão da agricultura, da disponibilidade de alimentos e o surgimento das primeiras vilas, veio o crescimento populacional. Em 1 d.C., a cifra era de 300 milhões de habitantes no planeta e 55 bilhões já haviam existido. Foi ainda um aumento populacional lento ao longo de 8.000 anos, resultado de uma taxa de crescimento baixa: 0,05% ao ano.

Sobre essas estimativas há dados divergentes. As populações humanas tiveram períodos de crescimento e declínio, foram atingidas por epidemias, guerras, fomes, catástrofes, alterações climáticas etc. O aumento da população nunca foi regular ou uniforme. A aceleração recente deve-se essencialmente ao surgimento e à expansão da Agricultura. Metade de todos os humanos já existentes nasceram nos últimos 2.000 anos. O sucesso do processo civilizatório da humanidade deve-se ao êxito da Agricultura. Hoje, 140 milhões de pessoas nascem a cada ano e 60 milhões morrem. Daí o aumento acentuado da população mundial. E da demanda por alimentos.

Rápido crescimento

Foram 190 mil anos para atingir o total de 55 bilhões de humanos sobre o planeta. E bastaram menos de 2.000 anos para duplicar este número. O limiar dos 110 bilhões de seres humanos já nascidos foi ultrapassado por volta de 1950, resultado do desenvolvimento da agricultura, artesanato, indústria e comércio. No século XX, os avanços na medicina, na saúde pública e na nutrição, reduziram a mortalidade e prolongaram o período durante o qual cada ser humano é capaz de se reproduzir.

O rápido crescimento da população mundial nas últimas décadas levou a um aumento na proporção de humanos atualmente vivos em comparação com quem os antecedeu. Os 8 bilhões de pessoas vivas hoje representam 6,8% de todos os humanos já nascidos. É a maior porcentagem em 200.000 anos. De acordo com as projeções do PRB, em 2050, 121 bilhões de humanos terão vivido e 9,7 bilhões estarão vivos, ou 8,1%. A proporção de pessoas vivas, portanto, continuará a aumentar! Mesmo com a queda acentuada do número de nascimentos por cada mil habitantes. Passou de 80 no início da Era Cristã para cerca de 15, nos dias atuais.

QUANTAS PESSOAS JÁ VIVERAM NA TERRA?

AnoPopulaçãoNascimentos por 1.000Número dos já nascidosPorcentagem dos já nascidos
190.000 a.C.280
50.000 a.C.2.000.000807.856.100.0020
8000 a.C.5.000.000808.993.889.7710,1
1 d.C.300.000.0008055.019.222.1250,5
1200450.000.0006081.610.565.1250,6
1650500.000.0006094.392.567.5780,5
1750795.000.0005097.564.499.0910,8
18501.265.000.00040101.610.739.1001.2
19001.656.000.00040104.510.976.9561.6
19502.499.000.00031-38107.901.175.1712.3
20006.149.000.00022113.966.170.0555.4
20106.986.000.00020115.330.173.4606.1
20227.963.500.00017117.020.448.5756.8
20358.899.000.00016118.779.027.4647,5
20509.752.000.00014120.847.437.0728.1

Fontes (novembro de 2022): Toshiko Kaneda, Charlotte Greenbaum e Carl Haub,2022 World Population Data Sheet(Washington, DC: PopulationReference Bureau, 2022); Nações Unidas, Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais,World Population Prospects: The 2022 Revision(Nova York: Nações Unidas, 2022); comunicação pessoal com Dudley L. Poston Jr., Professor de Sociologia e George T. e Gladys H. Abell, Professor de Artes Liberais, Texas A&M University.

Com inovações tecnológicas, a agricultura moderna satisfez a crescente procura de produtos vegetais e animais. A população mundial duplicou entre 1960 e 2000. A disponibilidade de alimentos e os níveis de nutrição melhoraram significativamente e cresceram ainda mais. Os preços do arroz, trigo e milho, principais alimentos básicos do mundo, caíram cerca de 60% nesse período, com ganhos de produtividade. Essa queda dos preços também indica: a oferta não só cresceu e atendeu à procura, ela a excedeu.

Narrativas simplistas associam a paz à disponibilidade de alimentos e a guerra à sua falta. Talvez tenha sido assim nas Guerras Púnicas e outras, séculos atrás. Não mais nas guerras recentes e atuais. É o contrário: os conflitos causam fome. Guerras no Vietnã, Coréia, Cambodja, Ucrânia, Faixa de Gaza, Golfo Pérsico e alhures não têm origem na falta de comida e sim em razões geopolíticas e históricas complexas, próprias a cada caso.

Processo produtivo

Desde a Segunda Grande Guerra, a produção agropecuária teve um crescimento extraordinário, o clima ajudando ou não. Foi resultado da revolução verde, da mecanização, da incorporação constante de inovações tecnológicas ao processo produtivo e das indústrias agroalimentares. O preço dos alimentos caiu de forma constante. Isso foi particularmente verdadeiro no Brasil(Revista Oeste, Edição 239).

Em 2007, pela primeira vez, a população urbana ultrapassou a rural no planeta. Mais da metade dos humanos vive em cidades, não produz alimentos e deve ser alimentada pelo campo. Nas Américas e Europa mais de 70% da população é urbana. Na África e Ásia, cerca de 40%. Em 2030, mais de 60% da população será urbana (Revista Oeste, Edição 182).

Em 20 anos, um acréscimo populacional de mais 2 bilhões de pessoas virá do Congo, Etiópia, EUA, Índia, Indonésia, Nigéria, Paquistão, Tanzânia e Uganda. Além de produzir, o mundo urbano precisará de um fluxo de bilhões e bilhões de toneladas de alimentos diversificados, de qualidade, a baixo preço e entregues e disponíveis em lojas e supermercados próximos às residências. Isso não resultará de hortas urbanas, sementes crioulas ou arranjos produtivos locais e sim do mercado globalizado de alimentos.

Quantas pessoas viverão ou poderão viver na Terra daqui 100 anos?

Seja qual for a estimativa, a necessidade de alimentar a todos é passível de ser atendida. A crescente segurança alimentar não resultará do retorno a hábitos e saberes do Neolítico ou anteriores à Era Cristã, nem de catilinárias contra a Agricultura moderna, o agronegócio e a industrialização de alimentos. Abundância e segurança de alimentos para a população são fruto de ciência e tecnologia. Não faltará comida aos bilhões de habitantes adicionais, vindo pela estrada do futuro. O agro garante. Podem vir.

 Evaristo de Miranda é pesquisador, doutor em Ecologia e membro da Academia Nacional de Agricultura da SNA. https://evaristodemiranda.com.br/
Texto originalmente publicado na revista Oeste e gentilmente cedido à SNA pelo autor.
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