Exigências e concessões
Nas últimas semanas, agricultores franceses ocuparam estradas com seus tratores e caminhões, num protesto que se espalhou pelo país, inclusive ameaçando bloquear acessos à capital, Paris. O presidente Emmanuel Macron vem enfrentando resistência em suas tentativas de implementar novas diretrizes de produção, como cortar subsídios ao setor e estipular metas rigorosas para reduzir a emissão de gases poluentes.
Diante das manifestações, o governo cedeu e anunciou que seguirá custeando parte do diesel agrícola, uma das exigências apresentadas pela liderança do movimento. Os combustíveis sempre representam uma indexação sensível a qualquer cadeia produtiva, não só para a manutenção das atividades como no cálculo do preço final, que inclui o frete.
Mas os ânimos parecem seguir exaltados, e um dos motivos tem a ver, indiretamente, com o Brasil. Macron é um opositor ferrenho do acordo de livre comércio que a União Europeia fechou com o Mercosul, o que pode ser um entrave sério na implementação do tratado, cuja negociação durou anos.
Os agricultores franceses temem a forte concorrência de produtos latino-americanos, disponíveis em maior número e a preços mais competitivos. Também pleiteiam flexibilização de regras ambientais e liberação de alguns defensivos.
Um continente insatisfeito e dividido
O que acontece na França pode ser também observado em outros países europeus, como Holanda, Alemanha, Bélgica, Romênia e Polônia. Vem prevalecendo a percepção de que os governos locais estipulam regras de descarbonização, aumentam impostos e cortam subsídios sem dialogar com os representantes do setor, levando à indignação de produtores que exigem melhores condições de trabalho e respeito à atividade agrícola, tida por eles como essencial no fornecimento de gêneros alimentícios para todo o continente.
De fato, essas nações enfrentam um dilema, já que suas autoridades são ardorosas defensoras de uma transição para a “economia verde”, mas o fazem sem considerar que as medidas propostas impactam severamente a cadeia agrícola de seus territórios, sobretudo no aumento dos custos de produção. O desafio da demanda global por sustentabilidade e energia limpa não é um equilíbrio simples, uma vez que o encarecimento dos produtos costuma ser o resultado inevitável das taxações e cortes de subsídios, geralmente adotados pelos governos como forma de forçar os produtores a acelerarem sua adaptação às novas diretrizes.
O diálogo não vem rendendo frutos, e são cada vez mais comuns cenas de equipamentos pesados bloqueando a passagem ou cercando prédios públicos. Na Holanda, onde as manifestações começaram em 2022, a insatisfação dos agricultores influenciou inclusive a recente vitória de um partido mais direitista nas eleições gerais, além do êxito de uma legenda formada por produtores rurais no pleitos regionais. Os interesses do setor acabam mobilizando as atenções e promessas de candidatos em vários países, mexendo no já complicado tabuleiro da política.
A vantagem brasileira no contexto
O descompasso entre as decisões das cúpulas administrativas e a realidade das lavouras não é estranha ao Brasil, mas, de certa forma, o país vem conseguindo lidar melhor com a transição para um futuro de maior responsabilidade ambiental e climática. Em que pesem atritos pontuais com gestões menos simpáticas ao agronegócio, a atuação de frentes parlamentares e entidades de defesa do setor vem garantindo, ao longo de décadas e sucessivos governos, o aperfeiçoamento de todo o arcabouço técnico e orçamentário para que a agricultores brasileiros possam se adequar às novas demandas e tecnologias, independentemente da sua localização, tipo de cultivo ou tamanho das propriedades.
Com efeito, são raras por aqui as cenas de confusão como as que ocorrem atualmente na Europa. Produtores, encarregados logísticos e autoridades geralmente chegam a um consenso rápido para evitar maiores desgastes e manter a competitividade nacional, sem prejuízo dos ajustes naturais e necessários, sempre com a supervisão e auxílio de corpos técnicos qualificados como Embrapa e Sebrae, entre outros.
Assim, o desafio de migrar para as novas práticas vem acompanhado dos debates e instrumentos que se fazem necessários para atenuar efeitos adversos das mudanças e incluindo os agricultores na esfera digital, que é hoje um imperativo das atividades do campo, para além da preocupação em preservar mais e poluir menos, mantendo o patamar produtivo que fez do Brasil um gigante do ramo.