Carnes produzidas em laboratório, a partir de células e tecidos extraídos de animais, estão se tornando uma alternativa de consumo de baixo impacto ambiental, em um processo que envolve menores quantidades de terra e de água, garantindo a redução das emissões do efeito estufa.
A chamada “proteína alternativa” é considerada por especialistas uma inovação que atende as atuais tendências de consumo e agregação de valor. A tecnologia permite a ampliação da capacidade de se produzir proteína, a partir de fontes diversificadas, gerando produtos como hambúrgueres, embutidos, almôndegas, filés, bifes, entre outros.
“Estima-se que atualmente existam no mundo aproximadamente 80 empresas que pesquisam a produção de carne cultivada em laboratórios”, informou a diretora técnica da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), Sylvia Wachsner.
A consultora McKinsey prevê que o setor, em 2030, terá um valor de mercado de aproximadamente de US$ 25 bilhões. Nos Estados Unidos, a Memphis Meats/Upside Foods, que espera comercializar almôndegas de carne, peito de frango, pescado e pato, é uma das principais empresas desse mercado, que hoje tem como principal desafio diminuir os custos de produção em benefício do consumidor final.
Singapura
A EatJust foi a primeira empresa que recebeu, em 2020, em Singapura, autorização para comercializar carne cultivada. Seu produto de estreia foram os nuggets feitos com 70% de células de frango e outras proteínas vegetais. “Até o momento, Singapura é o único país do mundo que permite a comercialização deste tipo de proteína animal”, destacou Sylvia.
“A israelita Aleph Farms tem a expectativa de comercializar nos próximos meses, também em Singapura, e a holandesa Mosa Meats, da equipe que produziu a primeira carne no laboratório, está pronta para colocar no mercado aproximadamente 396.000 libras anuais de carne bovina cultivada, após receber a aprovação regulatória europeia”.
Inovação brasileira
No Brasil, a Embrapa Suínos e Aves, em Santa Catarina, está liderando um estudo pioneiro para o desenvolvimento de carne de frango cultivada em laboratório. O novo produto, que é semelhante ao sassami, no formato de protótipos de filés de peito de frango desossados, deve estar pronto para análises nutricionais e sensoriais até o final de 2023.
A escolha da Embrapa pela carne de frango foi motivada pelo fato de o produto ser consumido em todo o País, e por constituir um alimento completo no campo da nutrição. Além disso, a empresa conta com um grande banco genético de dados sobre aves.
Legislação
No âmbito legislativo nacional, ainda não há normas que orientem o setor. Porém, o Plano Nacional de Proteínas Alternativas (PNPA) está em processo de criação pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
A iniciativa contempla alimentos e seus ingredientes de base proteica provenientes de plantas, insetos, fungos, algas e outras fontes alternativas obtidos pelos métodos estabelecidos de produção, processos fermentativos, cultura de células e processos inovadores.
Expectativa
No entanto, a diretora da SNA reconhece que os preços desses produtos ainda são muito elevados em relação à carne convencional, mas, segundo ela, as empresas estimam que, nos próximos anos, com uma produção maior, os custos deverão diminuir.
“Uma produção em escala requer grandes investimentos em instalações, tecnologia, equipamentos laboratoriais e energia elétrica para que se mantenha tudo em funcionamento. Fundos de investimento milionários como Bill Gates e Richard Branson, e empresas como Softbank, Temasek, Cargill, JBS, BRF, Cellva, dentre outras, já estão começando a contribuir com pesquisas para o crescimento desse mercado”, ressaltou Sylvia.
Questionamento
Por outro lado, esse tipo de produção também tem levantado várias discussões sobre segurança alimentar, impactos na saúde no médio e longo prazos e uso apropriado de energia elétrica.
Pesquisa realizada pela Embrapa Suínos e Aves no início do ano passado sobre a percepção dos consumidores no pós-pandemia, revela que os respondentes consideram a carne de laboratório uma “tendência positiva” e se mostram dispostos a experimentá-la. Porém, foram registradas dúvidas em relação à segurança alimentar, modo de produção, valor nutricional, sabor e textura.
“Que tipo de pessoas estariam dispostas a consumir esses produtos, que podem parecer pouco naturais, e quanto pagariam a mais sobre o preço da carne convencional? Carne cultivada em laboratório poderá coexistir ao lado da carne animal?”, questiona a diretora da SNA.