Projeto que altera a Lei da Arbitragem é alvo de críticas

Plenário da Câmara dos Deputados. Foto: Divulgação/Câmara dos Deputados

Advogados e representantes do agro têm se manifestado contra o Projeto de Lei (PL) 3293/21, em tramitação na Câmara dos Deputados, que altera a lei que regulamenta a arbitragem no Brasil.

Modalidade extrajudicial de solução de conflitos, a arbitragem é o instrumento pelo qual as partes escolhem uma pessoa ou uma entidade privada para resolver divergências sem a participação do Poder Judiciário. Neste caso, a decisão do árbitro tem a mesma força da sentença judicial.

Segundo a Lei da Arbitragem, qualquer pessoa capaz e maior de idade, que tenha a confiança das partes, pode atuar como árbitro, representando o juiz de fato e de direito. Neste caso, a sentença que ele proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Judiciário.

O texto do PL 3293/21, de autoria da deputada Margarete Coelho, tem sido alvo de polêmicas e questionamentos na área jurídica por prever, por exemplo, a limitação da quantidade de arbitragens por um mesmo árbitro, e por alterar os princípios da confidencialidade e sigilo dos processos e das controvérsias.

“O Brasil já ocupa a segunda posição no ranking mundial dos países que adotam a arbitragem como relevante método de resolução de disputas nacionais e internacionais. Por isso, é preciso ter cautela na proposta de alteração sugerida pelo PL 3293 na Lei nº 9.307/96, que disciplina a Arbitragem”, advertiu o diretor jurídico da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), Frederico Price Grechi. “Não me parece que as propostas do PL cumpririam a função primordial de aprimoramento legislativo do importantíssimo instituto”.

Retrocesso

Eleonora Coelho, presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, admite que não há efeitos positivos no âmbito do Projeto de Lei.

“Ao contrário, além de não aprimorar (a Lei de Arbitragem), potencialmente poderá destruir o instituto de extremo sucesso em nosso país, significando um retrocesso de 40 anos, principalmente no que diz respeito à limitação indevida da autonomia privada quanto à livre escolha dos árbitros e ao alargamento ilimitado do seu dever de revelação”, disse. (Nota: no dever de revelação, para que as partes possam avaliar se o árbitro obedece aos atributos de imparcialidade e independência, é necessário que se tenha conhecimento de qualquer informação relevante para a análise desses aspectos).

“Isso gera apenas insegurança jurídica e margem para táticas de guerrilhas. Os parâmetros atualmente existentes se coadunam com as melhores práticas internacionais.”

A advogada lembrou que a Lei de Arbitragem brasileira foi elaborada com base na norma da Comissão de Direito Comercial da Nações Unidas, com o respaldo de práticas nacionais e internacionais. “Vale ressaltar, também, que não se trata de uma lei defasada, uma vez que foi pontualmente atualizada em 2015 por meio da Lei 13.129/2015, que agregou ao texto entendimentos corretos e pacíficos da doutrina e da jurisprudência.”

Princípios constitucionais

Para o advogado Olavo Vianna Alves Ferreira,  o PL “busca limitar a atuação do árbitro, prevendo vedações que afrontam o princípio da liberdade contratual, com fundamento na livre iniciativa, segundo o artigo 170, caput, da Constituição, e o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, já que a intervenção do Estado Legislador no âmbito da liberdade contratual é excepcional, restringindo o exercício da profissão de árbitro, de forma a inviabilizar a atividade econômica daqueles que se dedicam exclusivamente a tal finalidade”.

Para Vianna, o projeto “prejudica, sobremaneira, aqueles árbitros que se destacam e são indicados com maior frequência pelos profissionais do Direito. Se o árbitro é nomeado para mais de dez arbitragens e há identidade dos membros, significa dizer que a comunidade arbitral consagra a qualidade diferenciada do trabalho para decidir de forma célere e imparcial a demanda”.

Limite

O advogado Joaquim de Paiva Muniz criticou os pontos que julga negativos no PL, como o limite de dez arbitragens por árbitro. “Geralmente, cada lado escolhe um árbitro. Se as partes exercem esse direito de forma a nomear árbitros com mais de dez arbitragens, é porque ainda assim os julgam os mais competentes. Aliás, esse limite de dez arbitragens mostra-se altamente aleatório. A restrição a dez indicações só serviria para estreitar as opções das partes”.

Segundo Paiva, “o problema mostra-se ainda mais agudo no agribusiness, em que poucos advogados realmente entendem o negócio. Se o PL passar – espero que não -, acabaremos sendo obrigados a nomear árbitros sem conhecimento do agro.”

Dever de revelação

Quanto ao dever de revelação, salientou o jurista, “o critério passaria a ser a existência de ‘dúvida mínima’, em vez de ‘dúvida justificada’. Dúvida mínima é um critério genérico demais. Significa que o árbitro deve revelar qualquer coisa, por menor que seja, mesmo que não possua qualquer relevância”.

“Isso também carece de qualquer lógica”, disse Paiva. “Por exemplo, se o árbitro foi em um jantar na casa do advogado vinte anos atrás, por causa de algum evento do agronegócio, ele deveria revelar? O PL diria que sim, o que seria um absurdo. Na prática, o árbitro nem vai se lembrar.  Trata-se, mais uma vez, uma armadilha a ser plantada na arbitragem para girar uma máquina de ações anulatórias”.

“A expressão ‘dúvida mínima’ representa um critério subjetivo arbitrário, sem fundamento lógico razoável”, reforçou Grechi.

“Em última análise, a adoção deste parâmetro importaria conferir uma ‘arma processual’ a partes ardilosas para questionar astuciosamente a validade e a eficácia da sentença arbitral com a consequente geração de insegurança jurídica para os agentes da cadeia produtiva do agronegócio que, como se sabe, é formada por contratos coligados verticais e horizontais”, disse.

Abrangência

Sobre a abrangência desse dever, o jurista entente que a questão que deve ser tratada caso a caso. “Se uma parte for do agribusiness e o árbitro for advogado de outra empresa do agro, mas que não for relacionada à parte, deve revelar? Entendo que não. Quanto mais complicações inventarem para nomear árbitros, mais difícil será encontrar julgadores que entendam do nosso negócio. O PL é um tiro no pé e vai contra o espírito do mundo agro”.

O partido União Brasil ingressou, em março, com uma ação para que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare quais são os critérios constitucionais do exercício do dever de revelação pelos árbitros previstos na Lei de Arbitragem para afastar interpretações que fujam a esse entendimento.

Publicidade

Por fim, o advogado se manifestou contra a obrigação de tornar públicas todas as arbitragens no Brasil. “Isso fará com que as partes mudem o local da arbitragem para o exterior, aonde inexiste publicidade. No fundo, essa regra reflete um certo ‘voyeurismo’, disse.

“Você quer que todo mundo saiba que você está brigando com um parceiro e que tenha conhecimento da sua ‘roupa suja’? Algumas instituições já resolvem o problema de forma mais professional do que o sugerido pelo PL, mediante publicação de trechos das decisões arbitrais, retirando os nomes das partes e outros elementos sensíveis”.

 

 

Por Equipe SNA
Fontes: Agência Câmara de Notícias/ Migalhas/Jota
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