Em uma das fronteiras mais pressionadas pelo desmatamento na Amazônia, ambientalistas e agroindústria se uniram para promover o cultivo de cacau, original do bioma, para substituir pastos degradados por floresta.
Um projeto da ONG The Nature Conservancy (TNC) foi abraçado pela Olam International, de Cingapura e uma das principais processadoras de cacau do mundo, e pela americana Mondelez, dona de marcas como Lacta e Oreo, e deve ampliar e fortalecer instrumentos de estímulo ao cultivo em sistemas agroflorestais no sudoeste do Pará.
O projeto Cacau Floresta, da TNC, existe desde 2013 e atende 122 famílias em 500 hectares nos municípios de São Félix do Xingu e Tucumã, promovendo apoio técnico para o cultivo de cacau em consórcio com outras árvores e culturas. Agora, o plano é expandir o projeto para 250 famílias e plantar, até agosto de 2020, mais 750 hectares, atualmente ocupados por pastagens, além de remanejar as áreas já recuperadas.
Da nova área a ser reflorestada, 500 hectares deverão ser plantados com floresta nativa, sobretudo em áreas de proteção permanente (APPs) e em algumas áreas de reserva legal. Os demais 250 hectares de expansão serão feitos com o plantio de cacau em sistema agroflorestal.
A TNC já reuniu os 128 produtores interessados em participar da nova etapa. A maioria, hoje, é formada por pequenos pecuaristas, com propriedades de 80 a 100 hectares, em média.
Segundo Rodrigo Freire, vice-gerente da estratégia de restauração florestal na TNC Brasil, tanto o sistema de cacau em agrofloresta como a recuperação de matas nativas favorecem a renda dos produtores, que já sentem os efeitos de rios e nascentes secando após desmates. “As APPs têm relação com a qualidade de vida do agricultor, que sofre cada vez mais sem água”, disse.
São Félix do Xingu aparece com frequência entre as líderes em desmatamento na Amazônia. Dados do Prodes do último ano (encerrado em julho de 2018) mostram que o município, o sexto maior em área do país, foi o mais desmatado do período no Pará e já perdeu 22,20% de sua floresta nativa.
O município foi o segundo principal alvo de queimadas neste ano, com 3.686 hectares afetados até ontem, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Já Tucumã perdeu “apenas” 190 hectares nos 12 meses encerrados em julho de 2018, porém, 91% de sua cobertura vegetal já foi desmatada.
Tanto para a recomposição das APPs como para o plantio e manejo do cacau em consórcio com outros cultivos, uma empresa contratada pela TNC e técnicos da Olam e da Mondelez vão oferecer assistência para cada produtor. O apoio técnico e outros custos do projeto serão financiados pelas duas companhias, pelo programa do governo britânico Partnerships for Forests (P4F) e pelo Instituto Humanize.
A TNC também irá oferecer apoio para que os produtores busquem acesso às linhas do Pronaf ofertadas pelo Banco da Amazônia, como o Pronaf Mulher, o Pronaf Floresta e o Pronaf Eco. Segundo Freire, são linhas pouco acessadas, seja por falta de conhecimento dos produtores, ou por falta de estrutura no banco para projetos de commodities.
Porém, ele admitiu que, mesmo com o apoio, o acesso ainda será limitado. “Por inadimplência e falta de documentos, esperamos que 20% dos produtores acesse esses recursos.”
A implantação de um hectare de cacau em agrofloresta, sem contar o custo da mão-de-obra, pode ficar entre R$ 500,00 a R$ 1.000,00 o hectare, enquanto a restauração florestal pode custar até R$ 8.000,00 o hectare. Assim, os recursos que os produtores precisarão investir para garantir a meta para 2020 devem chegar a R$ 6.5 milhões.
Os ganhos de produtividade que o projeto promete entregar podem ser uma saída para a capitalização dos produtores, segundo Freire. No sistema agroflorestal, ele estima que a produtividade do cacau possa ir a 1,5 toneladas por hectare após seis anos de cultivo. Na Bahia, o índice está em 300 quilos por hectare.
“A Olam comprará o cacau desses produtores via Cooperativa Alternativa Mista dos Pequenos Produtores do Alto Xingu (Camppax) e Cooperativa Mista Agropecuária de Tucumã (Coopertuc). Não são todos os produtores que estão associados a elas, mas o projeto deve promover o cooperativismo”, disse Freire.
Além disso, a Mondelez, cliente da Olam, está lançando um projeto-piloto de pagamento de US$ 50,00 por tonelada acima dos preços internacionais aos agricultores atendidos pelo Cacau Floresta como forma de “reconhecimento” e que integra seu programa global Cocoa Life. Para 2020, o pagamento será reavaliado.
Valor Econômico