Os primeiros bovinos chegaram ao Brasil no período da colonização, com raças ibéricas trazidas pelos europeus. Com o passar do tempo, estes animais tiveram de se adaptar ao clima, às condições sanitárias e de manejo, nem sempre adequadas. De lá para cá, o cenário mudou e, hoje, o País figura entre os cinco principais produtores de gado do mundo.
Para alcançar várias experiências de sucesso, foram necessárias inúmeras pesquisas, especialmente na área de melhoramento genético. De olho nisto, diversas instituições estatais e empresas privadas vêm investindo em programas de genética para obter rebanhos, tanto de corte quanto de leite, mais potentes, produtivos e lucrativos para os produtores rurais.
Uma recente pesquisa comandada pela Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro (ABCGIL), em parceria com a Unesp Jaboticabal (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”) e a Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio (APTA), por exemplo, comprovou que a vaca da raça Gir Leiteiro produz leite com quase 100% de beta caseína A2, a proteína que não causa alergia. O trabalho foi coordenado pelo médico veterinário Aníbal Eugênio Vercesi Filho, da ABCGIL, com a colaboração de pesquisadores da Unesp e APTA.
Conforme a Associação, já existe um rebanho quase pronto para a produção de leite tipo A2, obtida a partir da genética gir leiteira. Outra raça que produz leite tipo A2 é a Guernsey, mas este tipo de rebanho ainda é muito restrito no Brasil. Já as raças leiteiras europeias mais conhecidas, como a Holandesa e a Jersey, já produzem leite (50% e 75%, respectivamente) com proteína A2. Por causa disto, seu consumo ainda é contra-indicado para pessoas alérgicas ao leite.
PROGRAMA A2
Outra experiência que vem ganhando notoriedade, no setor de melhoramento genético de bovinos, faz parte do “Programa A2”, apresentado pela Semex Brasil. “Nosso objetivo é definir claramente, aos pecuaristas de leite, quais são os touros que possuem a genética A2A2”, informa o médico veterinário e diretor técnico de Raças Leiteiras da empresa, Cláudio André da Cruz Aragon.
“Rebanhos ao redor do mundo estão buscando animais com a genética A2A2, uma vez que já são comprovados os benefícios do leite produzido por animais com o alelo A2. Antecipando este movimento por parte de produtores e indústrias, a Semex elaborou e lançou seu Programa A2, visando à oferta de reprodutores com capacidade de transmissão deste importante alelo”, relata.
O foco na genética A2A2 veio a partir da identificação da beta caseína, uma proteína que aparece no leite de todos os mamíferos. Para explicar melhor, Aragon conta que o leite é composto por vários sólidos, incluindo gordura, lactose, minerais e proteína. Ainda existem três principais caseínas dentre as proteínas do leite: alpha, kappa e beta-caseína.
“Temos diversas variantes da beta-caseína e as mais comuns são a A1 e A2, da mesma forma que a variante B, entre outras consideradas mais raras. Algumas pesquisas relatam que todos os bovinos possuíam a variante A2, mas a A1 apareceu mais fortemente, por causa da mutação em rebanhos europeus, há alguns milhares de anos”, comenta o médico veterinário.
Segundo ele, a variante A1 é mais facilmente observada em raças de origem europeia, mas foi introduzida, no Brasil, por meio de cruzamentos em espécies não europeias. “Hoje, estimamos que as variantes A1 e A2 surjam em iguais quantidades na população de vacas da raça Holandesa. Na Jersey, por exemplo, o alelo A2 é ligeiramente mais predominante”, destaca Aragon.
DIGESTÃO
O especialista destaca que, em pesquisas preliminares, as proteínas do leite A1 e A2 apresentaram comportamentos diferentes durante o processo de digestão, devido à variação em aminoácidos: “A beta caseína A2 tem melhor digestibilidade e tolerância na digestão, quando comparada à A1. Algumas pesquisas nos levam a acreditar que a beta caseína A1 está relacionada a algumas afecções, incluindo intolerância láctea e dificuldades digestivas”.
Aragon ressalta alguns benefícios para a saúde humana, relacionados à ingestão de leite com as proteínas A2A2, porque a beta-caseína A2 não ocasiona a liberação de enzimas que podem provocar desordens neurológicas. “Além disto, outros estudos também demonstram que animais com genótipo A2A2 produzem leite com maior conteúdo de teor de gordura e proteína, resultando em maior rendimento nos processos industriais.”
DEMANDA
A partir destas observações, a Semex Brasil notou a crescente demanda do mercado por touros A2 homozigotos e, como resposta, desenvolveu a marca A2A2, com o intuito de auxiliar os produtores a facilmente identificar os touros que carregam esta característica, para que possam incorporá-los em seus programas genéticos.
“Os touros Semex com a marca A2A2 são geneticamente testados como portadores homozigotos dos alelos A2A2 e, por isto, garantem a transmissão do alelo A2 para a progênie. Estes animais cobrem uma enorme variedade na bateria da empresa, incluindo vários que são Immunity+ e muitos com altas provas em GTPI (avaliação genômica e de filhas)”, garante Aragon.
No momento, a Semex não tem ainda produtores e laticínios trabalhando na produção do leite tipo A2, para o mercado consumidor. “Estamos na fase de preparação de rebanhos para que, no futuro, o Brasil passe a fornecer este tipo de lácteo”, diz o médico veterinário.
BETA CASEÍNA A2
“A beta caseína A2 é uma proteína presente no leite de todos os mamíferos. Hoje, não podemos dizer ainda que esta proteína traz benefícios e, sim, que a beta caseína A1 pode trazer problemas à espécie humana”, alerta o médico veterinário Luís Felipe de Mello, gerente técnico de Raças Leiteiras da Semex Brasil, especialista em reprodução de bovinos e transferência de embriões.
Ele reforça o que Aragon já comentou: que “a beta caseína A2 é uma proteína presente no leite e que obtemos ao ingerir o leite de vacas que tenham genoma para produção desta proteína (A2A2)”.
“Em outras palavras, as melhores vacas leiteiras são aquelas que não descendem de animais que foram sofrendo mutações, iniciadas há dez mil anos, e passaram a produzir a beta caseína A1 ao invés da A2. Alguns países mais desenvolvidos, como a Austrália, já comercializam o leite A2”, informa o especialista.
Mello informa que a beta-caseína A1, quando degradada no trato gastrointestinal humano, origina um peptídeo chamado beta-casomorfina 7: “Alguns estudos indicam que este peptídeo é o causador da alergia do leite que alguns seres humanos apresentam. Assim, em tese, se o leite a ser consumido não tivesse beta caseína A1, ele não seria alergênico. O leite que possui somente beta caseína A2 é chamado de leite A2”.
INTOLERÂNCIA À LACTOSE
O médico veterinário diz que, infelizmente, a proteína A2 não pode ajudar ainda pessoas com intolerância à lactose: “A alergia por intolerância à lactose tem caráter genético, que aparece em pessoas portadoras que não produzem a enzima lactase, enquanto a alergia ao leite, adquirida ao ingeri-lo com a beta caseína A1, é uma reação puramente imunológica”.
O único benefício do leite A2 para pessoas alérgicas à beta caseína, segundo Mello, é a não apresentação do episódio alérgico ao ingerir leite “e, obviamente, assim permitir que pessoas possuidoras deste tipo de alergia venham a ingerir o leite, normalmente”.
Por equipe SNA/RJ