“Houve um grande aumento nos desembolsos e números de projetos do programa ABC aprovados no primeiro semestre deste ano, ainda no ano-safra 2012-2013, o que gerou boas expectativas quanto ao cumprimento das metas até 2020. Contudo, os números do ano safra corrente até setembro indicam uma desaceleração do ritmo de aprovação de projetos em relação a igual período do ano anterior, sinalizando que é preciso estimular mais o Programa”, afirmou Ângelo Costa Gurgel, coordenador do Observatório ABC, iniciativa do GVAgro da FGV de São Paulo e do Mestrado Profissional em Agronegócio do GVAgro.
Em dezembro de 2009, o Brasil assumiu compromisso voluntário de reduzir emissões de gases do efeito estufa em 36,1% a 38,9% até 2020 durante a 15ª Conferência das Partes (COP- 15) da Convenção do Clima das Nações Unidas, em Copenhague.
Segundo Gurgel, o aumento considerável no número de contratos e desembolsos no primeiro semestre de 2013, que corresponde à segunda metade do ano-safra 2012/2013, superaram os R$ 2,8 bilhões, dos 3,4 bilhões disponíveis. No ano-safra anterior, apenas R$1,5 bilhão foi captado, sendo que o montante disponível era de R$3,15 bilhões. “Logo, as adesões cresceram bastante de um ano para o outro. Contudo, as adesões diminuíram de julho a outubro deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado (de 936 milhões para 647 milhões, apesar do montante disponível para o programa ter aumentado de 3,4 bilhões para 4,5 bilhões)”, explicou.
Ele chama a atenção para um ponto importante a ser resolvido, que diz respeito à necessidade de avaliar a qualidade dos projetos e contratos do ABC, ou seja, se estes estão realmente atingindo o objetivo maior do programa, que é a redução de emissões de gases de efeito estufa na agropecuária. Segundo Gurgel, “o problema é que ainda não existe em funcionamento um sistema de monitoramento capaz de comparar a quantidade de carbono antes e depois do projeto, tornando difícil avaliar se os projetos em curso estão realmente reduzindo as emissões. É preciso criar e implantar um sistema de monitoramento para que se possa mensurar de fato se as metas serão atingidas”.
Burocracia
Na opinião do especialista, a apresentação de projetos de financiamento do ABC ainda é um desafio para o produtor rural. Mas, afirma, à medida que o Programa ABC for se tornando mais conhecido pelo produtor, pelos agentes financeiros e pelos técnicos e extensionistas rurais, a prática deve tornar a preparação e aprovação do projeto mais fácil.
“Acredito que haja espaço para reduzir a burocracia por trás desse processo. Mas é preciso considerar que a agricultura de baixa emissão de carbono tem suas peculiaridades, uma vez que sua lógica é o financiamento de sistemas produtivos, e não de itens isolados. Por isso, o treinamento de todos os envolvidos é importante, para que seja mais fácil formular um projeto dentro da lógica de sistema produtivo e também mais fácil para os técnicos dos bancos entenderem e analisarem com segurança esses projetos”, observou o coordenador do Observatório ABC.
Esse pode ser um dos vários fatores que explicam a menor aplicação dos recursos do ABC no Norte e Nordeste brasileiros. Entre eles, indica Gurgel, o menor conhecimento e menor tradição dos agricultores e agentes financeiros dessas regiões em lidar com o crédito rural, especialmente com o programa ABC; o estágio menos avançado da implantação dos Planos ABC estaduais; a possibilidade de captação de recursos de outras fontes do crédito rural que possuem taxas de juros mais atrativas, como o FNO, o FCO, o FNEe o PRONAF, ou requerem projetos mais simples e fáceis de serem preparados.
Segundo ele, “no caso da região Norte, destacam-se problemas fundiários que se traduzem em menor número de propriedades regularizadas, com título de posse da terra, e maiores custos dos insumos devido ao problema de menor oferta destes e maiores custos de transportes para disponibilizá-los”.
Melhor governança
Ângelo Gurgel diz que O Plano e o Programa podem ser aperfeiçoados em vários aspectos. Para ele, “a implementação dos mesmos carece de uma melhor governança, ou seja, uma melhor cadeia de tomada de decisões e cobrança de resultados dentro do governo. A disseminação do plano está aquém do planejado e do esperado, bem como o treinamento de técnicos. Vários estados ainda não produziram ou não estão implementando a contento os Planos ABC Estaduais. O sistema de monitoramento ainda é inexistente. Outros programas de financiamento agrícola competem com o ABC por possuírem taxas de juros mais atrativas ou menores entraves. Complicações burocráticos na tomada de crédito podem ser reduzidas. Enfim, existem várias possibilidade de aperfeiçoar o Plano para que, além de atingir as metas, o mesmo contribua para uma agropecuária mais eficiente e sustentável no país”.
Como relação à comunicação, pesquisa, indústria e campo e a possibilidade da participação do setor privado para os comitês gestores do Plano ABC, Gurgel esclarece que, no Brasil, existe um ótimo sistema de geração de conhecimento através da pesquisa, que inclui a Embrapa, as universidades públicas, os institutos e centros de pesquisa públicos e privados e as empresas privadas do agronegócio. “As grandes empresas privadas possuem um sistema eficiente de comunicação capaz de levar os resultados das pesquisas para o campo, transformando-os em aplicações práticas e adoção de tecnologias modernas. As cooperativas também conseguem fazer isso quando possuem acesso às novas tecnologias. Contudo, o sistema público de extensão rural parece não possuir a mesma eficiência, e precisa ser melhorado.”
Para ele, a participação do setor privado nos comitês gestores do Plano ABC é bem-vinda, mas só isso não basta. “É necessário melhorar o sistema de assistência técnica e extensão rural público, bem como dar mais capilaridade ao plano e ao programa pelo treinamento e engajamento de diversas instituições e agentes que lidam com a agropecuária, como escritórios de assistência técnica e extensão rural; sindicatos rurais; cooperativas agropecuárias; escolas superiores e técnicas das áreas de ciências agrárias; e até unidades da Embrapa. Em conjunto, esses agentes possuem capacidade de abranger praticamente todos os municípios do país”, acentua.
Reconhecimento internacional
Gurgel acentua que existem entidades e organizações que reconhecem o potencial do plano como estratégia de redução de emissões, e buscam contribuir para que o Brasil desenvolva a agricultura de baixa emissão de carbono. Como exemplos, ele cita a Embaixada Britânica, que possui um projeto com a CNA para a difusão do Plano e do Programa ABC; e a Aliança para o Clima e Uso da Terra (Climateand Land Use Alliance – CLUA), um consórcio de Fundações Internacionais, que é apoiadora do Observatório do ABC.
De acordo com ele, isso demonstra que há algum reconhecimento internacional do enorme potencial que o Plano ABC possui de reduzir as emissões do setor agropecuário brasileiro e aumentar a produtividade e a sustentabilidade ambiental e econômica do setor. Mas, ressalta, “para aumentarmos essa visibilidade e dar credibilidade internacional ao Plano, precisamos criar um sistema de monitoramento capaz de mensurar e avaliar as mudanças em emissões ao longo do tempo. Esse sistema está previsto no Plano ABC, mas ainda não foi implementado. Então, para que entidades internacionais e governos estrangeiros conheçam e acreditem no Plano ABC, temos de ser capazes de comprovar os seus resultados e benefícios. Com isso, tenho certeza que outros países reconhecerão e aplaudirão os nossos esforços, sem falar nas possibilidades futuras de criação de sistemas de remuneração dos serviços ambientais proporcionados por uma agricultura de baixa emissão”.
Por Equipe SNA/SP