Produtores têm dificuldade para prorrogar pagamento de dívidas

Quase um mês depois de o governo federal anunciar regras para a prorrogação de parcelas de crédito rural para o enfrentamento de reflexos negativos da pandemia e da estiagem em algumas regiões do país nesta safra 2019/20, produtores ainda têm dificuldades para fazer valer o benefício.

Já era esperada a maior demora nas agências bancárias, mas há reclamações sobre outros problemas, inclusive burocráticos, que estão travando as rolagens. Apenas no Rio Grande do Sul, onde os efeitos da falta de chuvas foram mais severos, as renegociações podem chegar a cerca de R$ 5 bilhões.

No estado, onde a seca reduziu quase pela metade a produção de soja prevista para esta safra, a principal queixa é sobre o prazo de enquadramento dos municípios em situação de emergência reconhecida pelo governo estadual, condição necessária para a prorrogação das dívidas.

Resolução do Banco Central definiu que as prefeituras deveriam ter publicado decretos nesse sentido entre 1º de janeiro e 9 de abril, mas muitas perderam o prazo porque as colheitas ainda estavam em andamento.

No dia 9 de abril, havia 288 municípios gaúchos em situação de emergência decretada por causa da estiagem, segundo a Defesa Civil do Rio Grande do Sul. Nos últimos dias, o número de decretos aumentou para 361, dos quais 219 já foram reconhecidos pelo governo estadual. Há também o caso de três cidades que haviam decretado situação de emergência já em dezembro e, assim, não foram beneficiadas pela medida de apoio.

“A data estabelecida pelo BC foi errada. Os produtores de muitos municípios não tinham terminado de colher ainda. É lógico que tem de ter critério, mas não se pode deixar quem precisa de fora”, disse ao Valor o economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz.

A entidade pediu que a resolução seja alterada para incluir municípios com decretos publicados entre 20 de dezembro de 2019 e 30 de junho de 2020.

Calcula-se que 200.000 agricultores gaúchos prorrogarão suas dívidas. As reivindicações foram reforçadas em documento entregue pela Secretaria da Agricultura do Estado ao governo federal esta semana.

Ontem, a Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul informou ter chegado a um entendimento com o Banco do Brasil e o Banrisul para renegociarem as dívidas de produtores de municípios sem decreto de emergência nas mesmas condições da resolução.

Quem foi afetado por estiagem, não só no Sul, pode prorrogar parcelas de dívidas de operações de custeio com vencimento em 2020 por até sete anos, e jogar as prestações de operações de investimentos para até um ano após o fim do contrato.

Mas essas possibilidades não estão saindo do papel, segundo a Farsul. A maioria dos produtores, disse Antônio da Luz, pegou financiamentos em bancos que operam recursos equalizados do BNDES, que ainda não emitiu circular para autorizar a reprogramação pelas instituições. O motivo é a falta de recursos do Tesouro para fazer a equalização desse alongamento de prazo, o que poderá ser sanado com dinheiro de linhas de crédito com baixa demanda.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), por sua vez, reclama de uma “entrada” cobrada pelos bancos para realizar as prorrogações.

“Em estados como Espírito Santo e Rio Grande do Sul, o Banco do Brasil está condicionando a prorrogação ao atendimento de normas internas que determinam o pagamento de pelo menos 30% do valor da parcela do custeio ou do investimento”, informou a Contag, em nota.

Ao Valor, o diretor de Agronegócios do BB, Antônio Chiarello, disse que o banco faz a análise da capacidade de pagamento do cliente e avalia itens do contrato de financiamento, como a existência ou não de seguro para a área afetada, para determinar as condições da prorrogação. Mas o executivo não confirmou que esteja sendo exigida uma “entrada” de pelo menos 30% do valor da parcela a ser rolada.

Para Chiarello, as prorrogações serão feitas “com muita tranquilidade” em todo o País. Ele destacou que tanto as operações para agricultores afetados pela estiagem quanto para os prejudicados pela pandemia estão sendo operacionalizadas normalmente pelo banco, mas não revelou o número de produtores atendidos até o momento nem os valores renegociados.

Uma possível elevação de taxas de juros também preocupa o setor produtivo. As resoluções do BC determinam que os financiamentos de custeio ou investimento contratados com equalização de juros sejam reclassificados pelas instituições financeiras como fontes não equalizáveis, ou seja, com uso de recursos próprios para terem o prazo alongado. “Isso pode elevar as taxas para pequenos e médios produtores”, afirmou uma fonte.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) sustenta que a regra tem inviabilizado renegociações. A entidade solicitou ao Ministério da Agricultura alteração na resolução para que as condições pactuadas nos contratos originais sejam mantidas.

“As instituições financeiras estão se negando a fazer essa reclassificação das operações para fonte de recursos dos depósitos à vista, com o objetivo de reter liquidez para novas contratações”, afirmou o presidente da CNA, João Martins, em ofício enviado à ministra.

Outra mudança que a CNA defende é o prazo para prorrogação de quem foi atingido pela pandemia. A resolução do BC autoriza o remanejamento dos vencimentos das parcelas de custeio e investimento para 15 de agosto, mas a entidade considera o prazo muito curto.

“Vai atender setores que não estão precisando, mas para outros, como frutas, olerícolas, leite, borracha, não vai adiantar nada. Eles precisam de um ano”, disse Fernanda Schwantes, assessora técnica da Comissão Nacional de Política Agrícola da entidade.

 

Valor Econômico

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