Exposta pela greve dos caminhoneiros de 2018 e, em todas as suas cores, pela atual pandemia do novo Coronavírus, a dependência das metrópoles brasileiras de alimentos cultivados em regiões muitas vezes localizadas a milhares de quilômetros de distância, pode ser amenizada. Mas, para tal, é preciso fortalecer a produção local a partir de políticas públicas com incentivos a ações articuladas capazes de garantir uma oferta sustentável e canais apropriados para seu escoamento.
É nesse sentido que o Instituto Escolhas, associação civil sem fins lucrativos com sede em São Paulo, elaborou o estudo “A produção de alimentos nas metrópoles brasileiras”, e o está encaminhando a candidatos e candidatas que disputarão as próximas eleições municipais. Coordenado por Jaqueline Ferreira, gerente de projetos e produtos do Escolhas, e com participação de Sergio Leitão, diretor da associação, e dos pesquisadores Fernando de Mello Franco, Marcela Ferreira, Vitória Leão, do Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole (URBEM), o trabalho realça que já há casos de sucesso nesse campo e que, com financiamento, assistência técnica e acesso a água e a áreas públicas disponíveis, outras experiências podem ganhar corpo.
Segundo Jaqueline Ferreira, o “policy brief’ mostra que já há uma produção significativa próxima das metrópoles (ver infográfico), mas levanta condições necessárias para que ela ganhe mais volume e capilaridade e seja melhor percebida pelos consumidores. Jaqueline disse que a agricultura urbana e periurbana é formada basicamente por pequenos produtores e tem foco sobretudo em cultivos que demandam áreas menores, como os hortifrútis, e reforça que as recomendações do Escolhas privilegiam modelos sustentáveis, sem uso de agrotóxicos, com regeneração dos solos e usos sustentáveis da água.
Nesse contexto, atenta a coordenadora do trabalho, é preciso que nos municípios os zoneamentos urbanos garantam espaço a essa produção, até como forma de contornar a especulação imobiliária comum nos grandes centros. No que se refere à distribuição, o estudo destaca a importância da redução do número de intermediários ao longo da cadeia, e prega o desenvolvimento de ações para a eliminação de resíduos e desperdício. Criação ou fortalecimento de feiras de produtores locais e de regras para que as compras públicas municipais de alimentos privilegiem, quando possível, essa oferta (na merenda escolar, por exemplo) também estão na pauta.
“A produção local está na agenda da FAO [braço das Nações Unidas para agricultura e alimentação] e muitas cidades do mundo estão caminhando nessa direção. No Brasil, há experiências interessantes em metrópoles como Belo Horizonte e Curitiba. Mas é grande o potencial de crescimento, inclusive em cidades médias”, disse a coordenadora do “policy brief’. Ela concorda que a proliferação de ferramentas digitais durante o isolamento social imposto pela pandemia serviu para aproximar agricultores de consumidores, e que essa aproximação pode ajudar muito a produção local.
Em Belo Horizonte, aponta o estudo do Instituto Escolhas, prefeituras da região metropolitana estão criando um Sistema Participativo de Garantia (SPG) voltado à produção agroecológica, que busca orientar e certificar agricultores e dar a eles visibilidade e poder de articulação. Já em Curitiba, a prefeitura inaugurou em 2020 uma fazenda urbana pública voltada a práticas de agricultura urbana sustentável. Um estudo mais amplo, com foco em São Paulo, será divulgado pelo Escolhas em novembro.
Ipsis Litteris
O fortalecimento da produção local não significa a eliminação do comércio de alimentos entre regiões distantes, destaca o estudo do Instituto Escolhas. “Isso não seria possível e, em certos casos, tampouco seria desejável, especialmente se considerarmos as vantagens comparativas de preços e modos de produção entre as regiões. Pelo contrário, se trata do reconhecimento das fragilidades desse sistema alimentar globalizado, da tentativa de mitigá-las, tornando o sistema alimentar mais resiliente”.
Valor