Produção de trigo começa a ganhar fôlego no Cerrado

Considerada quase inviável no início desta década, a produção de trigo no Cerrado brasileiro é hoje uma realidade, e não apenas em terras irrigadas.

Em áreas secas de grande altitude, que não são tão difíceis de encontrar no bioma, o bom retorno financeiro registrado no ano passado para os poucos que se aventuraram nessa frente, incentivou mais produtores a apostar na cultura, concentrada no Sul do País. Em Goiás, a área é recorde em 2019, em Minas Gerais, aumentou 25% e na Bahia também há expansão.

O aumento do interesse dos produtores nos últimos anos se tornou possível porque a Embrapa conseguiu desenvolver sementes de trigo para panificação na região, e a inovação instigou os oito moinhos instalados no Cerrado a buscarem o cereal local. Além disso, o fato de ser o primeiro trigo disponível no País, já que a colheita na região acontece em junho e julho, tem garantido vendas imediatas para os agricultores.

Eduardo Elias Abrahim, vice-presidente da Associação dos Triticultores do Estado de Minas Gerais (Atriemg), disse que os produtores que plantavam trigo em 2018 conseguiram, líquido, entre R$ 500,00 e R$ 1.000,00 por hectare.

“Em meados de maio do ano passado, o trigo do Cerrado valia R$ 1.200,00 a tonelada, enquanto no Paraná o preço estava em R$ 600,00”. Hoje, o valor médio no Cerrado é R$ 1.100,00. “Ainda é uma cultura de inverno menos rentável que o milho, devido à desproporcionalidade da demanda, mas vem ganhando força”, afirmou Abrahim.

Além do retorno financeiro, Vanoli Fronza, pesquisador da Embrapa Trigo, disse que os produtores da região descobriram que alternar a palhada de trigo com a de milho eleva a rentabilidade da soja na safra seguinte e ajuda no controle de nematoides e plantas daninhas. “O sorgo (outra cultura plantada na mesma época) é viável até certo ponto, mas não traz as melhorias agronômicas do trigo”, observou.

Neste ano, particularmente, o trigo também se tornou a melhor opção para aqueles que perderam a “janela ideal” para o milho safrinha.

“Nesta temporada, a soja foi colhida bem mais cedo, mas alguns não estavam preparados para plantar milho e/ou choveu no período de plantio. Nesses casos, o trigo de sequeiro se mostrou uma cultura muito viável”, disse Abrahim, da Atriemg.

A janela ideal para o trigo de sequeiro, que responde por cerca de 80% de todo o volume produzido no Cerrado, é mais extensa que a do milho. Vai até 20 de março em Goiás e no Distrito Federal e até 20 de abril em Minas Gerais. O trigo irrigado está sendo plantado neste mês.

Neste ano, a estimativa é que a área de sequeiro em Minas Gerais tenha chegado a 100.000 hectares, contra 80.000 hectares em 2018. Em Goiás, atingiu 30.000 hectares, contra 13.000 hectares no ano passado. E há relatos de falta de sementes no Distrito Federal e na Bahia. “Há poucos anos, nada existia. Minas Gerais plantava 20.000 hectares em 2012 e os outros Estados, zero”, informou Abrahim.

O vice-presidente da Atriemg nota que os números citados são distantes dos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que, segundo ele, é mais conservadora e não tem informações dos fornecedores de sementes. A estatal faz seu levantamento junto às Ematers estaduais.

Responsável técnico da Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (Coopa-DF), Cláudio Malinski disse que os cerca de 30 cooperados que normalmente entregam trigo no moinho da empresa plantaram 8.000 hectares no ano passado. Neste ano, a área foi para 10.000 hectares. Já o trigo irrigado foi plantado em 4.000 hectares em 2018 e deverá ocupar cerca de 4.500 hectares agora.

“No ano passado, como em 2017, a produção excedeu nosso consumo e vendemos trigo para outras empresas”, afirmou o presidente da Coopa-DF, José Guilherme Brenner. A cooperativa comercializou sua produção excedente do ano passado por entre R$ 800,00 e R$ 940,00 a tonelada e vê a manutenção desse patamar neste ano.

Em 2018, a chuva ajudou e a média de produtividade no Cerrado ficou em 35 sacas por hectare, sendo que alguns produtores obtiveram 50 sacas. A produtividade no sistema irrigado chega a 100 sacas por hectare, mas o custo de produção é mais elevado e, em alguns anos, a cultura é inviável devido ao baixo volume de chuvas.

Mas como a vida dos produtores não é sempre um mar de rosas, um ataque de brusone (doença fúngica) afetou alguns campos do Cerrado, principalmente em Goiás, e a produtividade deverá ser bem reduzida. “Chuvas em abril, com dias muito nublados, permitiram a incidência da doença. Infelizmente alguns produtores vão perder mais da metade da lavoura”, disse Fronza, da Embrapa.

Além dessa questão pontual, é bom lembrar que neste ano o Cerrado concorrerá com uma super safra global. A Argentina, por exemplo, terá mais de 20.6 milhões de toneladas, segundo estimativas do Ministério da Agroindústria do país, 8,4% mais que o recorde do ciclo passado. Mesmo no Brasil, Paraná e Rio Grande do Sul deverão manter os níveis de produção do ano passado, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com 2.8 milhões e 1.9 milhão de toneladas, respectivamente.

Segundo o USDA, a colheita mundial deverá somar 777.5 milhões de toneladas em 2019/20, 6,3% mais que em 2018/19. Com demanda prevista em 759.5 milhões de toneladas e estoques de 293 milhões, a relação entre estoque e demanda mundial será muito confortável, da ordem de 38,6%.

 

Valor Econômico

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp