As colheitadeiras de Luiseu Bortoloci deveriam ter entrado no campo no dia 20 de janeiro, mas a falta de chuvas na região sul de Mato Grosso do Sul esticou o ciclo produtivo da soja e as máquinas só estão sendo ligadas agora. Apesar do atraso, não há prejuízos financeiros à vista.
Bortoloci é um bom termômetro do cenário na região, onde um veranico em novembro – logo após a semeadura – e calor e seca em excesso durante dez dias em janeiro comprometeram a produtividade recorde esperada. Ainda assim, o resultado ficará dentro da média histórica. “Cheguei a ficar desanimado em novembro, quando ficamos 30 dias sem nenhuma gota de água, mas as plantas conseguiram se recuperar e agora só tive de atrasar um pouco a colheita”, diz ele, que é proprietário de quatro fazendas em Laguna Carapã, que juntas somam 800 hectares.
É bom que se diga, ainda, que essa intempérie também não deverá prejudicar a expectativa de safra recorde de soja no país nesta temporada 2016/17, estimada pela consultoria Agroconsult em 104.4 milhões de toneladas e pela Conab em 103.8 milhões. Carro-chefe do agronegócio nacional, a soja deverá render um valor bruto da produção (“da porteira para dentro”) de quase R$ 120 bilhões em 2017 no país, segundo o Ministério da Agricultura.
Nas fazendas de Bortoloci, a expectativa é que a produtividade média alcance 55 sacas de soja por hectare no ciclo atual, acima da média de 51,5 sacas prevista pela Aprosoja-MS, que representa produtores sul-mato-grossensenses.
A Agroconsult, que há 14 anos realiza a expedição técnica Rally da Safra, que permitiu a visita do Valor a Bortoloci (ver infográfico), está mais pessimista. Prevê média estadual de 46 sacas, contra 49 em 2015/16.
“Mas, se não vou ficar milionário, também não devo ter prejuízos este ano”, reconhece Bortoloci, que perdeu metade da produção na safra passada por excesso de chuvas. “Nem colhi boa parte. Larguei lá no campo como cobertura de terra”.
Da safra atual, ele já vendeu 15% da colheita estimada, a uma média de R$ 72 a saca. E lamenta não ter feito negócio quando as cooperativas paranaenses Coamo e Lar ofereceram R$ 79, no início de janeiro. Mesmo assim, e apesar de um aumento de 30% dos custos de produção, a colheita de Bortoloci será remuneradora. Ele diz que gastou R$ 1.800 por hectare de soja neste ciclo. Apesar da queda dos fertilizantes, os demais insumos estavam mais caros em meados de 2016, em boa medida devido à valorização dólar, que rondou os R$ 4 na época.
A Agroconsult estima que o custo médio de produção em Dourados, no sul de Mato Grosso do Sul, tenha ficado em R$ 2.350 por hectare em 2016/17. Mas o cálculo considera, além dos insumos, depreciação e despesas financeiras. Já a rentabilidade poderá chegar a R$ 603 por hectare, levando-se em conta um preço médio de R$ 63,60 para a saca. Salvo alguns bolsões onde os produtores usam pouca tecnologia e o manejo ainda é precário, a região promete ser praticamente uma “extensão” do noroeste do Paraná, onde a produtividade da oleaginosa é uma das melhores do Brasil.
Mesmo nessa região paranaense há situações distintas: nos polos de Cascavel e Toledo, a promessa é de ótimas produtividades, enquanto o veranico do fim do ano passado deverá afetar um pouco a produção de Maringá e comprometer o peso dos grãos de Guaíra.
O Paraná é o segundo maior produtor de soja do país, atrás de Mato Grosso, e saiu de 2015/16 prejudicado pelo excesso de chuvas no plantio e na colheita. Mas nada capaz de desanimar os produtores. “Particularmente na região de Cascavel, invertemos o cultivo e plantamos sementes de ciclo mais longo após o vazio sanitário, porque elas são mais resistentes a intempéries e porque, sem fazer a maturação forçada (dissecação), a produtividade aumenta”, disse Modesto Félix Daga, agrônomo que presta serviços para grandes proprietários que, juntos, plantam em 22 mil hectares.
Em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, é cada vez mais comum o uso de sementes de ciclo curto, de até 115 dias. Essas variedades são vitais para permitir a antecipação da colheita de soja e a semeadura de milho de inverno (safrinha). Daga disse que essa opção funciona quando o clima é favorável, mas que no caso de qualquer estresse a planta não tem tempo para se recuperar.
Cascavel teve um clima perfeito até o momento para a soja, com temperaturas amenas e chuvas em quantidade adequada. Dessa forma, a região – responsável por 11% da produção do estado – deverá colher a média de 62 sacas por hectare, segundo o Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Agricultura do Paraná, contra 58 sacas em 2015/16. A Agroconsult estima 55 sacas.
O custo de produção nesta safra em Cascavel é estimado por Daga em R$ 2.790 por hectare, contra R$ 2.850 no ciclo passado. “Tivemos menos pragas neste ano e reduzimos a aplicação de fungicidas e herbicidas”. A consultoria responsável pelo Rally da Safra vê o custo médio em R$ 3.660 por hectare, mesmo patamar da temporada 2015/16.
Para Daga, a lucratividade deverá chegar a 30% no caso dos produtores mais tecnificados e que costumam investir em suas lavouras. Segundo ele, 35% da colheita prevista na região foi comercializada antes da semeadura, a um preço entre R$ 60 e R$ 70 a saca. O Deral aponta que 14% da produção do Paraná como um todo foi vendida antecipadamente.
Produtores confirmam que esta tem sido uma safra de fato marcada por menos pragas e doenças. Após ataques agressivos da lagarta helicoverpa em 2013/14 e 2014/15, ninguém mais ouve falar na vilã. O problema maior são percevejos e ervas daninhas, como buva e amargoso, cujos potenciais destrutivos são bem menores que o da lagarta.
Um pouco mais ao norte do Paraná, as lavouras de Guaíra e Maringá sofreram com veranico em novembro e seca em janeiro, assim como Mato Grosso do Sul, o que deve reduzir o potencial produtivo. Mas, novamente, não de forma a trazer prejuízos ou comprometer a safra toda.
“A média histórica da região é 62 sacas por hectare, com alguns fazendo até 65, mas não deveremos passar de 60 sacas”, disse Helton Maldonado, gerente da unidade Guaíra da C.Vale, com sede em Palotina. Segundo ele, os cooperados da C.Vale já venderam 70% da colheita prevista, em linha com a média histórica.
No mapa paranaense da soja, Maringá parece ter sido a região mais castigada pelo calor e pela falta de chuvas. E para quem optou por sementes mais precoces, o prejuízo foi ainda pior. “Plantei 70% das lavouras com semente precoce, como fiz no ano passado, mas desta vez me dei mal. Esperava produzir 60 sacas por hectare, mas a média não vai passar de 50”, disse Osvaldo Tezolin, que planta em 120 hectares no município e está prestes a iniciar a colheita.
A Cocamar, cooperativa que atua sobretudo nos polos de Maringá e Londrina, calcula que a produtividade em sua área de influência ficará em 52 sacas por hectare em 2016/17, contra uma estimativa inicial de 58 sacas e as 47 de 2015/16. Em 800 mil hectares, portanto, a colheita tende a girar em torno de 2.4 milhões de toneladas.
Na região de Londrina, onde estão 60% das lavouras dos associados da Cocamar, as sementes de ciclo médio dominaram as plantações, conforme Emerson da Silva Nunes, coordenador técnico da cooperativa. “Felizmente, na região houve um atraso no plantio de até 15 dias. O que seria um problema, virou vantagem”. Com isso, a colheita está concentrada no início deste mês.
Em todas as regiões acompanhadas pelo Rally da Safra, produtores lamentam ter perdido oportunidades de negociar a soja acima de R$ 75. Mas eles têm esperança de que a demanda aquecida e o câmbio impulsionem as cotações. É como diz Luiseu Bortoloci, de Laguna Carapã: “Produtor é um bicho teimoso. Deixa a razão de lado e acredita sempre que Deus vai mandar um tempo bom e que os preços vão subir”.
Fonte: Valor Econômico