“Não há escapatória”. Assim um graduado executivo da agroindústria resumiu a chegada da crise na avicultura, um dos segmentos mais resilientes da economia brasileira até aqui. Com a piora da demanda interna, está começando um movimento de redução na criação de frango que deverá se aprofundar nos próximos meses, de acordo com diferentes fontes consultadas pela reportagem nos últimos dias.
Ainda não há estimativas precisas sobre a dimensão do corte na oferta, mas algumas empresas já decidiram quebrar parte dos ovos que seriam enviados das incubadoras aos nascedouros, reduzindo os lotes de pintinhos destinados à engorda.
Os reflexos desse movimento só deverão aparecer com mais força na produção efetiva de carne de frango em junho. No campo, os efeitos acontecem em maio, com a redução do alojamento de pintinhos nas granjas. Em média, o processo de engorda dos frangos leva cerca de 45 dias.
Cálculos iniciais de uma fonte do segmento indicam que o primeiro ajuste “emergencial”, com a quebra de ovos, reduzirá o alojamento de pintinhos em cerca de 10% em maio. Outra medida, de médio prazo, será o abate antecipado de aves matrizes, como as galinhas mães são conhecidas, que diminuirá em pelo menos 5% a oferta de frango no País.
O corte da produção de aves é intrincado devido à longa e viva cadeia de produção. As aves matrizes vivem, em média, 67 semanas, mas só começam a botar os ovos a partir da 25ª semana, portanto, seis meses depois do alojamento na granja. Cada matriz produz aproximadamente 155 pintinhos.
Ao encurtar a vida das aves mães, as agroindústrias evitam a produção futura de frango. No entanto, a medida torna a recuperação da produção mais lenta. Mas não há alternativas. “Não há mercado para absorver o frango”, ressaltou uma fonte. Em abril, o preço do frango congelado no atacado paulista caiu 13,80%, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).
A questão é ainda mais sensível porque a avicultura do país estava com o pé no acelerador, o que já preocupava analistas em razão do risco de uma sobre oferta mesmo com a excepcional demanda da China. Em 2019, o alojamento de matrizes atingiu o recorde de 51.5 milhões, o que sinalizou uma forte produção de frango neste ano. Além da oferta excedente já contratada, farelo de soja e milho dispararam, pressionando as margens de lucro.
Procurada, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa as agroindústrias avícolas, evitou comentar o corte na produção futura de frango. Em nota, a entidade setorial alegou ainda não ter “consolidado seus dados sobre o alojamento da avicultura brasileira referentes ao primeiro trimestre. Análises preliminares indicam uma tênue redução da produção, decorrente da atual conjuntura”. A associação também enfatizou que a exportação segue “em nível positivo”.
Também procuradas, Aurora e JBS, que é dona da marca Seara, não comentaram. Ao Valor, o presidente da BRF, Lorival Luz, reiterou que a “demanda agregada” pelos produtos do grupo segue estável e dentro do que foi planejado.
Até o momento, acrescentou o executivo da BRF, a companhia não reduziu a criação de frango. Ele frisou, no entanto, que a empresa está preparada para fazer ajustes caso o espalhamento do Coronavírus em regiões, e entre os funcionários onde a empresa brasileira atua, leve à redução da velocidade de abates.
O risco associado à contaminação de funcionários é palpável, como comprovam os frigoríficos americanos que fecharam ou reduziram a produção. É o caso do abatedouro da Minuano em Lajeado, no Rio Grande do Sul. A unidade, há anos dedicada ao fornecimento de carne de frango para a BRF, cortou a produção em cerca de 40%, informou a Minuano.
Do total de 1.800 funcionários da unidade de Lajeado, 16 tiveram diagnóstico positivo para a Covid-19. A companhia também afastou preventivamente 560 pessoas com sintomas gripais, enquanto que 195 continuam afastados e com sintomas, além de 286 trabalhadores de grupos de risco.
Nesse cenário, aumentou a preocupação da indústria com as medidas do Ministério Público do Trabalho (MPT). Na semana passada, a instituição firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Minuano. O acordo estipula ações contra o Coronavírus, e inclui o distanciamento mínimo de um metro entre empregados no setor produtivo. O descumprimento está sujeito à multa mensal de R$ 50.000,00 por fábrica.
O Valor apurou que o MPT tentou firmar acordos do gênero com outros frigoríficos, que resistem. Se a distância mínima for adotada, o ritmo de produção será severamente afetado, colocando em risco o abastecimento de alimentos no País, argumentam fontes da indústria.
As medidas poderiam reduzir a produção de frango em até 30%, enquanto a produção de carne suína cairia pelo menos 20%. Isso afetaria a produção de alimentos processados, que poderia diminuir até 50%, segundo projeções de uma grande indústria.
Procurado, o MPT não respondeu até o fechamento desta edição. A ABPA não quis comentar o TAC firmado pela Minuano, mas ressaltou que as indústrias vêm cumprindo “rigorosamente” as leis e recomendações. “A saúde das equipes de colaboradores e a oferta de alimentos para a população são prioridades indiscutíveis”, informou a associação setorial.
Fonte: Valor Econômico