Produção agropecuária x Sustentabilidade

Autor: Alberto Figueiredo, engenheiro agrônomo e diretor técnico da SNA

O artigo 225 da Constituição Federal assinala que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Cada ser humano, que detém, a qualquer título, a posse de uma gleba de terra, deveria ter o mínimo de consciência no que diz respeito ao meio ambiente.

O aumento exponencial do número de seres humanos sobre a terra, traz, como principal consequência, o incremento da necessidade por alimentos. Se, por um lado, as pesquisas têm produzido constantes inovações tecnológicas para os diversos sistemas de produção na área vegetal e animal, não resta dúvida de que existe uma grande pressão pelo aumento das áreas de cultivo e criação, que ameaça perigosamente os biomas naturais ainda existentes, submetendo espécies vegetais e animais ao sério risco de extinção.

Diante dessa realidade, as sociedades organizadas têm o dever de, após análise técnica criteriosa de cada situação, estabelecer e fazer cumprir regras rígidas, definindo limites, visando à preservação do tão sonhado equilíbrio ecológico.

Analisando o texto da Lei nº 4.771 de 15 de setembro de 1965 (novo Código Florestal), com suas alterações e regulamentações, é possível delinear algumas conclusões:

1 – São áreas de PRESERVAÇÃO PERMANENTE: as margens de cursos d´água em larguras proporcionais (segundo a lei) às dos próprios cursos; ao redor de reservatórios de água; nas nascentes; no topo de morros; nas encostas com declividade superior a 45º, etc.

2 – São áreas de RESERVA LEGAL aquelas “localizadas no interior de uma propriedade ou posse rural (…) necessárias ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação de biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas” (item III do § 2º do artigo 1º).

3 – É de responsabilidade de cada proprietário, a definição (sujeita à aprovação pelos órgãos ambientais) e a averbação das áreas de reserva legal no âmbito de cada propriedade.

4 – As áreas de reserva legal não podem coincidir com as áreas de preservação permanente.

Passamos, então, à seguinte análise:

– Normalmente as áreas planas, às margens de recursos hídricos são as mais férteis das propriedades, e seriam privadas do desenvolvimento de qualquer atividade produtiva.

– Não parece ter havido qualquer critério científico no estabelecimento dos limites relativos às áreas de preservação permanente às margens de córregos e rios (matas ciliares).

– A tendência de urbanização das áreas ribeirinhas, provocará, senão em todos, pelo menos na maioria dos cursos d’ água, importantes soluções de continuidade nos corredores de proteção marginal, terminando por limitar, ou em alguns casos anular os efeitos conservacionistas esperados.

Segundo informações oficiosas, há um estudo feito por órgãos do poder público, mostrando que se as leis ambientais com os limites atuais forem cobradas na íntegra, a área agricultável de nosso país teria uma redução de até 70 %, ou seja, restaria para a produção de alimentos, tão somente 30 % – menos de 1/3 de nossa área agricultável , ou seja, será que com tamanha redução de nossa área agricultável, nós teríamos condições de produzir os alimentos necessários para suprir nossa população? E a que custos? Isto sem falar em exportações de alimentos, considerando nossa necessidade de divisas.

Claro, se isto vier a ocorrer, teremos escassez de alimentos, acréscimos vultosos nos seus custos e preços, volta da inflação, êxodo rural rumo às periferias de nossas cidades, hoje já assoberbadas com seus problemas sociais.

Os legisladores, no parágrafo 4º do artigo 16 da referida lei, se manifestaram: “A localização da Reserva Legal deve ser aprovada pelo órgão ambiental estadual competente, (…) considerados (…) os seguintes critérios e instrumentos, quando houver: I – Plano de bacia hidrográfica; II – Plano diretor municipal; III –Zoneamento ecológico e econômico; IV – Outras categorias de zoneamento ambiental; V – A proximidade com outra reserva legal”.

Podemos afirmar que, diante de tantas e necessárias exigências, a responsabilidade de constituir as reservas, obedecendo a todas as determinações legais, foi creditada ao agente errado: o produtor rural.

Ora, esperar que o produtor rural brasileiro, vítima, em sua grande maioria de um processo de exclusão econômico-social histórico, assuma tal responsabilidade é, certamente, a melhor definição de utopia. Tanto essa afirmativa é real que, se forem procurados exemplos no país, relativamente ao cumprimento dessa parte da lei, após 44 anos de sua vigência, teremos dificuldades para encontrá-los.

E a autoridade federal, mesmo considerando que o texto descabido da lei é viável, por meio do Decreto n.º 6.514 de 22 de julho de 2008, estabelece, no artigo 55, como penalidade ao produtor que não averbar a área de Reserva Legal à margem de sua matrícula, “multa diária de R$ 50,00 à R$ 500,00 por hectare ou fração da área de reserva legal”.

Assim sendo, a título de exemplo, uma propriedade de 100 hectares sujeitará seu proprietário a multa de R$ 1.000,00 a R$ 10.000,00 por dia, caso não cumpra algo que, pelas dificuldades inerentes é quase impossível de cumprir; e, para fazê-lo, serão necessários vultosos gastos com contratação de técnicos especializados – gastos esses, repito, fora das possibilidades financeiras da esmagadora maioria dos produtores rurais.

Diante dos fatos até aqui enumerados, torna-se urgente o encaminhamento à opinião pública e às autoridades envolvidas, das seguintes sugestões:

1 – O artigo 152-A do Decreto n.º 6.514 de 22 de julho de 2008, modificado pelo Decreto n.º 6.695 de 15 de dezembro de 2008, deverá ser novamente modificado, fixando um prazo posterior suficiente (no mínimo dois anos), para que o assunto seja melhor analisado em espectro mais amplo.

2 – Que sejam introduzidas alterações de redação no texto da lei n.º 4771 de 15 de setembro de 1965, no sentido de atingir os seguintes principais objetivos:

a) Redução para 10%, em relação aos parâmetros atuais, dos limites de área de preservação permanente contidos no item “a” do artigo 2º da lei n.º 4.771, isto é, onde estiver prevista a faixa de 100 metros de áreas de preservação permanente à margem de um rio, que se fixe em 10 metros e assim sucessivamente.

b) Remuneração indenizatória, preferencialmente mensal, aos produtores, em função das respectivas áreas incluídas no processo de preservação permanente, visto que estarão perdendo glebas destinadas a outras atividades econômicas, em benefício da sociedade como um todo, principalmente quando se tratar de conservação de recursos hídricos. E os recursos poderiam advir exatamente de diversos tipos de taxas impostas aos consumidores beneficiários, como, aliás, já é prática corrente em países desenvolvidos, sendo o melhor exemplo conhecido o da cidade de Nova York, nos EUA.

c) Transferência para o Poder Público Federal ou Estadual (conforme o caso) da responsabilidade pelo cumprimento dos parâmetros mínimos legais estabelecidos para as áreas de Reserva Legal em relação a seus respectivos territórios, e não mais a cada propriedade. Cabe, assim ao respectivo poder público, todas as tarefas relativas à concepção, delimitação e implantação, das Reservas Legais.

d) Indenização aos produtores pelas áreas que forem destinadas às reservas legais no âmbito de cada propriedade rural. Quando algum órgão do governo necessita executar um empreendimento, ocupando parte, ou toda a propriedade de um produtor rural ou cidadão, até mesmo, antes de sua ocupação, instaura-se um processo de desapropriação, procura-se o valor de mercado, negocia-se e indeniza-se o produtor, e só aí, salvo exceções, se ocupa aquele quinhão de terra necessário para execução da obra, seja ela uma estrada, uma hidroelétrica, um gasoduto, uma estação de tratamento, etc. No entanto, faz-se a pergunta: Por que no caso de expropriação de uma área rural, em benefício do meio ambiente, não ocorre a desapropriação com a respectiva indenização? A situação não é idêntica? Claro que sim, pois em ambos os casos o produtor rural fica impedido de utilizar sua área, até com a agravante, neste caso, de ficar como guardião da área expropriada, o que não ocorre nos demais casos. Isso é justo?

e) Permissão da coincidência, ao nível de cada propriedade, de áreas de Reserva Legal e de Preservação Permanente, principalmente as contidas nas alíneas “c”, “d”, “e” e “h” do artigo 2º da lei 4.771, visto que atendem exatamente aos mesmos objetivos descritos na legislação.

Consideramos que, assim procedendo, estaremos, como cidadãos e interessados, contribuindo com o necessário e urgente processo de debate e esclarecimento a respeito de um tema que preocupa a muitos, principalmente os que são submetidos às sanções hoje previstas em uma legislação que precisa ser modificada em caráter de urgência.

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