“O agronegócio evoluiu bastante nos últimos anos, mas estamos diante de uma série de desafios”, afirmou o presidente da Embrapa, Maurício Lopes, durante o 3º Fórum Nacional do Agronegócio, realizado em Campinas, pelo Grupo LIDE. Segundo ele, “levando em consideração a diversidade e complexidade da agricultura brasileira, os avanços até agora alcançados, embora muito relevantes, dificilmente serão suficientes para garantir a competitividade no futuro”.
Em entrevista exclusiva à equipe SNA São Paulo, Lopes acentua que o maior desafio é desenvolver plataformas de inteligência a fim de antecipar riscos e oportunidades para o setor. “O aumento da demanda por alimentos, fibras e bioenergia exigirá sofisticação tecnológica que racionalize o uso dos insumos ambientais, isto é, recursos naturais (água, solo, biodiversidade, etc.) e serviços ambientais (reciclagem de resíduos, suprimento de água, qualidade da atmosfera etc.), necessários à produção agropecuária e florestal.”
Ele entende que “a competitividade da agricultura brasileira se definirá, cada vez mais, pela nossa capacidade de incorporar, de forma contínua e sustentada, inovações tecnológicas que permitam atender às crescentes demandas do mercado interno e desafiar os subsídios dos competidores”. Para isso, “as inovações demandadas da pesquisa agropecuária terão que propiciar a incorporação de avanços nas vertentes da produtividade ou da qualidade, ou ainda, preferivelmente, em ambas as direções, simultaneamente, com uma velocidade comparável ou superior à velocidade de avanço tecnológico dos nossos competidores”.
Pesquisa, desenvolvimento e inovação podem ajudar na agregação de valor das cadeias produtivas?
Maurício Lopes – Ciência é motor do desenvolvimento e o Brasil compreendeu isso há quarenta anos, quando decidiu investir em um modelo de agricultura baseada em Ciência. Nas últimas décadas, o salto da nossa produção agropecuária não teve paralelo em nenhuma outra região do mundo. A agricultura brasileira foi capaz de responder às demandas de uma população urbana crescente, ofertando alimentos cada vez mais acessíveis e baratos, que contribuíram para a redução de pressões inflacionárias e para o alívio das desigualdades sociais no País. No entanto, e levando em consideração a diversidade e complexidade da agricultura brasileira, os avanços até agora alcançados, embora muito relevantes, dificilmente serão suficientes para garantir a competitividade no futuro. Nossas cadeias produtivas estão inseridas em contextos muito dinâmicos e precisarão demandar à pesquisa agropecuária avanços em diversificação, agregação de valor, produtividade, segurança e qualidade, com velocidade e eficiência superiores àquelas alcançadas no passado.
E mais: para garantir a sustentabilidade futura da agricultura diante das mudanças climáticas e da intensificação de estresses térmicos, hídricos e nutricionais previstos para as próximas décadas, substanciais avanços em conhecimento científico e tecnológico serão necessários. O aumento da demanda por alimentos, fibras e bioenergia exigirá sofisticação tecnológica que racionalize o uso dos insumos ambientais, isto é, recursos naturais (água, solo, biodiversidade, etc.) e serviços ambientais (reciclagem de resíduos, suprimento de água, qualidade da atmosfera etc.), necessários à produção agropecuária e florestal. Investimento em pesquisa e inovação será essencial para o desenvolvimento de conhecimentos e tecnologias que causem maior impacto na sustentabilidade do setor agropecuário, com inovações que permitam modificar a natureza de forma segura e previsível, como, por exemplo, as técnicas e ferramentas da biologia avançada; ferramentas capazes de reduzir risco e aumentar precisão – a agricultura de precisão, por exemplo–; ou capazes de agregar qualidade e valor e ajudar a organizar, bem como acelerar processos de informação e decisão – os recursos da tecnologia da informação e inovações gerenciais que fortaleçam os produtores rurais e a agroindústria.
Como pode ser a inserção do Brasil nas cadeias globais de biocombustíveis?
Maurício Lopes – São abundantes os estudos que indicam que o uso da biomassa para fins energéticos e industriais irá aumentar, substancialmente, como resultado de políticas para redução das emissões crescentes de CO² e outros gases de efeito estufa. Essa tendência já se reflete na crescente competição por acesso a terras e insumos modernos, caracterizando a competição entre a produção de alimentos e bioenergia como uma preocupação mundial. Em função dessas preocupações, a contribuição da biomassa na oferta futura de energia global tem requerido o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis para aumentar a eficiência de sistemas de produção, sem ampliar, demasiadamente, a ocupação territorial com cultivos energéticos. Contudo, estudos indicam que nos países com potencial para participar desse mercado, até mesmo o Brasil, haverá sempre a premissa de que a demanda por alimentos deverá ter prioridade.
Uma característica que diferencia o Brasil da maioria das nações em relação a biocombustíveis é o fato de que o País possui inúmeras fontes de matérias-primas para a produção de biocombustíveis, incluindo biodiesel, bioquerosene e etanol (1ª e 2ª gerações). Podem-se citar culturas como: palmeiras oleaginosas (dendê, macaúba, babaçu, inajá, tucumã etc.), culturas oleaginosas de ciclo curto (soja, crambe, girassol, algodão, amendoim etc.), resíduos sólidos urbanos, microalgas (trabalhadas na lógica da biologia sintética), entre outras potências. Entretanto, apesar da nossa capacidade para produzir biomassas, o País ainda está ensaiando sua entrada no mercado global de biocombustíveis, uma vez que precisamos vencer grandes desafios.
A Embrapa tem um papel fundamental nessa vertente de combustíveis renováveis. O Brasil tem sido foco das companhias interessadas, por exemplo, na produção de biomassas para uso na produção de bioquerosene para aviação (Embraer, Boeing, Companhias aéreas etc.). Por meio das ações da Embrapa, de universidades e outras instituições de pesquisas brasileiras, temos hoje tecnologia agrícola necessária para desenvolver novas cultivares e sistemas de produção para qualquer cultura que sirva de matéria-prima para biocombustíveis ou qualquer outro produto dentro da lógica de biorrefinarias. O processo de produção é foco de várias empresas do setor, mas sem as matérias-primas não é possível sua fabricação. O domínio tecnológico para produção de biomassas coloca o País em grande vantagem competitiva, em relação à maioria dos países que atuam no setor. A garantia da nossa inserção nas cadeias globais de biocombustíveis não dependerá somente da nossa capacidade em produzir biomassa, mas também da nossa capacidade em desenvolver novos e eficientes processos de conversão das nossas biomassas em biocombustíveis.
Outro aspecto importante diz respeito à necessidade de definição de políticas públicas relativas a todas as cadeias envolvidas com a produção de biocombustíveis. Dessa forma, há necessidade de se definir políticas para incentivar a produção de biomassa e apoiar o setor industrial nacional, tanto para produção como exportação de seu produto. Nossa capacidade técnica para produção de biomassa nos dá considerável poder de barganha para tratarmos com países, ou mesmo grandes corporações, de igual para igual. Se não tivermos controle de todas as etapas do processo de produção de biocombustíveis (disponibilidade de biomassa, processos industriais para conversão, políticas públicas claras e políticas de financiamento da produção e da pesquisa) para os diferentes setores e para a nossa participação no mercado global, será muito difícil alcançarmos uma inserção consistente neste mercado.
Outro fator importante é a competitividade da nossa indústria de biocombustíveis. Se considerarmos o grau de competição do setor, os aspectos ambientais (indicadores de sustentabilidade) que controlam o acesso a mercados externos (barreiras não tarifárias), a falta de políticas consistentes para os diferentes setores e, se nossa indústria não se modernizar para atuar na lógica de biorrefinarias flex – com capacidade de transformação de múltiplas matérias-primas em múltiplos produtos (além de biocombustíveis, químicos, polímeros, fertilizantes etc.), será muito difícil competir no mercado global.
Pode dar um exemplo da aplicação da nanotecnologia no agronegócio?
Maurício Lopes – Sim, já podemos dar vários exemplos de aplicações da nanotecnologia no agronegócio, em especial para desenvolvimento de novos insumos (fertilizantes, defensivos, fármacos veterinários) que podem ter maior eficácia na sua aplicação, comparando-os com os insumos convencionais. A Embrapa tem patentes na área de nanotecnologia de fertilizantes nanoestruturados e antibióticos em nanoemulsões para tratamento de mastite bovina. Atuamos também na área de proteção e conservação de alimentos, com recobrimentos de alimentos com filmes nanométricos, que aumentam o tempo de prateleira (shelf-life) dos alimentos.
Temos, também, patentes de formulações para recobrimentos nanométricos de alimentos. Na área de novos materiais, a extração de nanopartículas da natureza tem se destacado como uma fonte de matérias-primas. A nanocelulose – que pode ser extraída do algodão, bagaço da cana-de-açúcar, fibras de sisal, fibras de coco – apresenta propriedades mecânicas extraordinárias, como elasticidade e resistência da ordem de grandeza do aço. A nanocelulose pode ser incorporada a outros materiais como aditivo para aumentar a resistência mecânica em materiais compósitos.
Na área de sensores, dispositivos como a língua eletrônica, que apresentam nanotecnologia na sua construção,podem auxiliar na classificação de líquidos e bebidas, como água, café, vinho, soja e sucos de frutas.Também há pesquisas para obtenção de nanofios e para liberação controlada de hormônios para reprodução animal, auxiliando a programar a reprodução em bovinos.
A Embrapa tem pesquisado também fotocatalisadores com partículas nanométricas, sintetizando nanopartículas que degradam contaminantes e podem ser utilizadas em uma das etapas de operações para tratamento de efluentes com resíduos de pesticidas. Na área de conservação da água no solo e liberação de nutrientes, a Embrapa tem hidrogéis com nanotecnologia que podem absorver mais de 200g de água por 1g de hidrogel, o que possibilita plantar mudas de plantas em períodos secos, mantendo tanto a umidade do solo quanto liberando nutrientes para as plantas.
Como sair dessa armadilha de exportar muita matéria-prima básica?
Maurício Lopes – De modo recorrente, tem-se observado debates em diferentes fóruns que polarizam a discussão entre commodities, como a soja, e não commodities, como manufaturados. Faz pouco sentido tratar essa questão sob uma perspectiva reducionista, focando apenas o produto. Cada vez mais é importante enfatizar a necessidade de se olhar para a cadeia de valor e para os efeitos, futuro e passado, na geração de emprego e renda e novas oportunidades econômicas para o País. O agro brasileiro foi capaz de se fortalecer com base em sólida ciência e tecnologia e intenso diálogo com os setores industrial e de serviços. Vale lembrar que cerca de 60% dos custos de produção das commodities agrícolas têm origem na compra de bens e serviços de setores urbanos. Em um país como o Brasil, fortemente vocacionado para a produção de alimentos, não existe indústria forte sem uma agricultura forte. O fato de os Estados Unidos e a União Europeia serem os principais players no mercado agrícola mundial reforça essa assertiva. Debates futuros deveriam focar na prospecção de como inovações nas diferentes cadeias de valor agropecuárias poderiam ser melhor exploradas para criar oportunidades concretas que sustentem encadeamentos produtivos e expansão industrial sustentável nas diferentes regiões brasileiras, valendo-se das claras vantagens comparativas do País no setor.
Qual cenário de oportunidade a Embrapa enxerga no agro mundial?
Maurício Lopes – Entendemos que a competitividade da agricultura brasileira se definirá, cada vez mais, pela nossa capacidade de incorporar, de forma contínua e sustentada, inovações tecnológicas que permitam atender às crescentes demandas do mercado interno e desafiar os subsídios dos competidores. As inovações demandadas da pesquisa agropecuária terão que propiciar a incorporação de avanços nas vertentes da produtividade ou da qualidade, ou ainda, preferivelmente, em ambas as direções, simultaneamente, com uma velocidade comparável ou superior à velocidade de avanço tecnológico dos nossos competidores. Os mercados abertos, transparentes e competitivos tendem a predominar no cenário internacional e fazem com que os setores agroindustrial e agroalimentar estejam sempre a buscar novos produtos e processos, novos paradigmas gerenciais e operacionais, além de absoluta atenção ao consumidor, como principal agente definidor dos padrões de qualidade e sustentabilidade do agro. Continuaremos na busca contínua de produtividade com qualidade e redução de custos, seja pela racionalização dos processos, seja pelo incremento da eficiência e da especialização.
Nos segmentos mais tecnificados, os produtores buscam vantagens competitivas por meio de inovações e da procura de nichos de mercado, como forma de escapar das contínuas reduções das margens de lucros provocadas pela competição. Forçam, ainda, uma redução considerável do tempo de desenvolvimento de novas tecnologias e do ciclo de vida dos produtos ofertados, impondo novos desafios para a pesquisa agropecuária. Como exemplo, podemos citar o desenvolvimento de variedades e cultivares, que tem como pressuposto não só suas qualidades do ponto de vista de resistência a doenças, desenvolvimento vegetativo ou produtividade, mas também as propriedades que facilitem o processamento, embalagem, transporte, armazenamento etc. Por outro lado, a dinâmica e complexidade do mundo atual colocam diante do setor agropecuário não só demandas de aprimoramento tecnológico, mas também de políticas setoriais de emprego e renda, tributos, crédito, assistência, logística, além de investimentos públicos e privados que viabilizem o uso das tecnologias disponíveis pelos produtores.
Equipe SNA/SP