A despeito da pressão de uma oferta abundante ao redor do mundo nos últimos três anos, os preços da soja já não têm muito espaço para ceder, crêem analistas. Ao contrário: a crescente preocupação com a produtividade da safra 2015/16 no Brasil, onde o clima tem atrapalhado o plantio, pode até colaborar para uma reação das cotações, que estão nos menores patamares médios desde 2007 – no mercado interno, os preços ainda são sustentados pelo câmbio.
Ainda que menos propensa a grandes quedas estruturais, a oleaginosa deve permanecer sujeita a soluços diários. A chance de que a Argentina despeje no mercado seus estoques do grão e variações no humor da demanda chinesa podem deixar o mercado mais volátil. Mas as oscilações tendem a ocorrer em torno de um mesmo eixo, sem grandes saltos para cima ou para baixo.
Por ora, mesmo com a desaceleração econômica, as compras de soja da China, maior importador global, continuam vigorosas: aumentaram 15% de janeiro a outubro, para 65.2 milhões de toneladas.
“Fazendo uma análise fria de oferta e demanda e a correlação histórica dos níveis de estoques globais e o patamar de preços atual, temos viés um pouco positivo para os preços”, disse Renato Rasmussen, analista do Rabobank. Sob a ótica dos fundamentos, afirma, as cotações para março e maio na bolsa de Chicago deveriam estar entre US$ 8,80 e US$ 8,90 o bushel, mas têm oscilado de US$ 8,60 a US$ 8,70.
Os motivos por trás dessa avaliação acrescenta Rasmussen, dizem respeito à possibilidade de que o atraso na safra do Brasil reduza o potencial de colheita do país – segundo maior produtor de soja, atrás dos EUA, onde a colheita está concluída. As previsões ainda sinalizam um recorde (a Conab estima até 102.83 milhões de toneladas, aumento de 6,8% em relação a 2014/15), mas obstáculos climáticos põem algumas nuvens negras no horizonte.
Em Mato Grosso, principal produtor nacional, chuvas irregulares tornaram a semeadura intermitente, e os trabalhos permanecem atrasados em relação há um ano. No Sul do país, o excesso de precipitações é que causa apreensão e aumenta a possibilidade de doenças.
Todo esse quadro é reflexo do fenômeno El Niño, e o golpe na produtividade pode ser mais certeiro se faltar umidade na fase de enchimento de grãos, que ganhará força em algumas semanas. “Nossa perspectiva é de que até o fim do primeiro trimestre de 2016 a soja se aproxime dos US$ 9,00 o bushel”, afirmou o analista do Rabobank.
Para Glauco Monte, consultor da FCStone, o preço da soja está mesmo mais perto do piso e coerente com o tamanho da oferta e demanda. Mas a situação brasileira chama a atenção, especialmente a de Mato Grosso. “Ainda não ‘colocamos’ quebra no Estado, mas as chuvas continuam irregulares e temos preocupação com isso”, disse.
A avaliação de Monte é que a oleaginosa pode rumar para US$ 9,50 a US$ 10 o bushel caso um problema de produtividade se confirme. Por outro lado, se a safra no país e no restante da América do Sul superar sem grandes traumas os entraves do clima, os preços podem recuar um pouco na colheita (entre fevereiro e março), mas não abaixo dos US$ 8,00.
A “desova” da soja armazenada na Argentina também não deve ter influência decisiva sobre as cotações, dizem analistas. Incertezas financeiras fizeram os agricultores argentinos acumularem estoques que somam US$ 8.8 bilhões a US$ 12.5 bilhões, conforme projeções locais. Algumas indicam que até um terço da safra (cerca de 20 milhões de toneladas) de soja esteja nos armazéns das propriedades.
A Agroconsult acredita em um volume menor. Segundo Marcos Rubin, sócio da consultoria, cogitava-se que 5 milhões de toneladas estavam nas fazendas argentinas até a safra passada, mas esse volume já deve estar perto de 7 milhões de toneladas. “Se o produtor acumulou esse estoque é porque não precisava vender. É realmente um excedente, uma poupança”, disse Rubin. Partindo desse princípio, acrescenta, as vendas tendem a ser graduais, e relacionadas ao ritmo da desvalorização do peso (o câmbio é controlado pelo atual governo). Os produtores argentinos esperam que o novo governo de Mauricio Macri reduza a taxa de exportação do grão, hoje em 35%.
Nesse contexto, ainda que o potencial de produtividade no Brasil não esteja totalmente definido, a Agroconsult mantém a projeção de um preço médio de US$ 9,00 o bushel para a soja em 2015/16.
Na avaliação de Rasmussen, do Rabobank, as cotações já estão baixas o suficiente para provocar uma redução da produção mundial, via retração de área – em especial nos EUA, onde a semeadura da nova safra 2016/17 ganhará ritmo entre abril e maio. “As margens dos produtores americanos estão muito apertadas e já verificamos uma intenção grande de redução do investimento nas lavouras”.
A previsão do banco holandês é que a soja encerre o primeiro semestre de 2016 mais perto dos US$ 9,20 o bushel, e depois ande lateralmente até o fim do ano.
Fonte: Valor Econômico