Por Juliano Assunção
O agronegócio brasileiro se encontra em posição privilegiada internacionalmente, sendo capaz de contribuir, simultaneamente, para os desafios da segurança alimentar e da mudança global do clima. Algumas estimativas sugerem que podemos mais do que dobrar nossa produção de alimentos sem nenhum desmatamento. Além disso, há vasto potencial para a restauração florestal. Mas, para isso, a política pública deve estar bem articulada com o setor.
Recentemente, o governo anunciou a política de crédito rural com o Plano Safra, que destina financiamentos para a agricultura empresarial no Brasil, e o Pronaf, para a agricultura familiar. O volume total anunciado supera R$ 200 bilhões e corresponde a quase metade da necessidade de financiamento da safra, segundo o próprio ministro da Agricultura. É, sem dúvida, a política econômica mais importante para o setor, tanto em volume alocado quanto em abrangência.
No entanto, os pilares da política de crédito rural permanecem os mesmos da década de 60, quando ainda éramos importadores de alimentos. Hoje somos os maiores exportadores líquidos de alimentos do mundo! Se, de um lado, os recursos canalizados pela política podem ter contribuído de forma relevante para o desenvolvimento da agricultura brasileira, por outro lado, as necessidades financeiras do setor também evoluíram.
Redesenhar a política de crédito rural deve ocupar lugar de maior destaque no cenário atual de mudanças políticas e propostas de reformas estruturais. A política de financiamento da agropecuária pode cumprir um papel central na consolidação da posição de liderança internacional do setor na produção sustentável de alimentos.
A meu ver, existem quatro direcionamentos fundamentais a serem considerados.
Primeiro, é necessário melhorar a previsibilidade dos recursos e simplificar a operação do sistema. A política atual é composta por um emaranhado de fontes de recursos e programas definidos a cada ano, com regras fragmentadas e complexas. Serviços financeiros são instrumentos fundamentais para a gestão de risco e fluxo de caixa dos produtores. Mas, para que possam cumprir esse papel, será necessária a adoção de planos com horizontes mais longos e que tragam uma simplificação de programas e linhas, assim como uma redução de restrições excessivas quanto ao uso dos recursos.
Nas regras atuais, há limitações para recursos destinados à assistência técnica ou a investimentos necessários para a conformidade legal, como é o caso da recomposição de florestas em reservas legais. As regras deveriam promover incentivos para que os recursos fossem utilizados de forma eficiente em vez de impor restrições artificiais que enrijecem as decisões dos produtores.
Segundo, existe uma prevalência do canal de crédito no Plano Safra em detrimento de instrumentos de seguro e gestão de risco, no sentido oposto ao que ocorre na política agrícola americana, por exemplo. A agropecuária brasileira hoje não apenas requer investimentos que antecedem a produção como também está exposta a diversos riscos como variações no clima, ocorrência de pragas e doenças ou mesmo flutuações de preços.
O processo de modernização, assim como a adoção de práticas mais sustentáveis, provoca alterações importantes na exposição do negócio a essas intempéries. O acesso a instrumentos de gestão de riscos adequados pode acelerar o avanço da atividade em consonância com as melhores práticas ambientais, via intensificação da produção e manejo adequado dos recursos naturais. Na ausência desses instrumentos, os produtores acabam por utilizar arranjos que envolvem o crédito rural para gerenciar riscos e perdas, o que mobiliza de forma ineficiente balanços públicos e privados.
Terceiro, há grande espaço para ampliação do setor privado. No nível municipal, os maiores provedores de crédito são o Banco do Brasil, o Basa na Amazônia e o Banco do Nordeste. A estrutura de fontes de recursos e programas oferece uma posição de mercado privilegiada aos bancos públicos. Uma maior competição e participação da iniciativa privada pode gerar inovações financeiras para melhor atender ao setor. A subvenção pública não precisa, necessariamente, ser operada pelo agente público. Já há vários exemplos de arranjos em que operadores privados alocam recursos públicos, mesmo no caso do crédito subsidiado.
Por fim, mas não menos importante, precisamos de uma melhor articulação com outras políticas públicas que também atuam sobre o setor. Nesse sentido, uma melhor associação com o Código Florestal (CF) seria um passo natural e salutar para a preservação ambiental. Por exemplo, o Conselho Monetário Nacional poderia reeditar a Resolução 4.106/2012, que trata da ampliação do limite de crédito para produtores que comprovem a existência de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal em suas propriedades ou apresentem planos de recuperação aprovados pelos Estados.
Em um contexto de grave crise fiscal, a associação com o CF contribuiria para justificar a alocação do Orçamento público. A experiência internacional tem se mostrado bem-sucedida na aproximação entre os subsídios e a provisão de bens públicos. Na política agrícola europeia, os produtores recebem pagamentos diretos que estão condicionados à conservação de florestas, biodiversidade e manutenção de boas condições do solo.
Em resumo, a política pública deve acompanhar o dinamismo do agronegócio brasileiro, aumentando a efetividade dos recursos do contribuinte. Há um potencial enorme para a conciliação entre crescimento econômico e conservação ambiental. A política de crédito rural tem um papel central para a realização desses ganhos. É possível fazer muito mais com os recursos disponíveis. Já passou da hora de a política pública se ajustar à nova realidade do setor e contribuir para seu desenvolvimento sustentável.
Juliano Assunção é professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e diretor executivo do Climate Policy Initiative Brazil.
Fonte: Valor